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O Coelho

Sábado, 17.03.12

A confiança de todos era total e as brincadeiras não tinham fim

 

O meu amigo coelho sempre foi um animal muito estimado por todos os outros habitantes da terra onde vivia desde o seu nascimento, tendo para além disso um grande espírito de ajuda e de solidariedade, para com todos os seres que o rodeavam e que ele achava serem todos muito importantes, não só para a sua felicidade como para a preservação da natureza que a todos protegia sem distinção. Gostava muito de passar horas a fio a passear pelos campos, observando o mundo irrequieto que o rodeava e a vida saltitando entre os vales, planícies e serras, que formavam num conjunto para ele inconfundível, o retrato do seu belo e apaixonante percurso de vida.

 

As recordações de infância são a luz que nos ilumina no nosso caminho

 

Em criança era um coelho muito atrevido, divertido e que gostava muito de viajar. Os seus pais não o largavam na sua educação, acompanhando-o em todos os seus episódios mais importantes da vida e participando nas suas aventuras como se de seus colegas se tratassem. Como qualquer outro animal, o gosto pela aventura e pelo desconhecido misterioso, levava-o muitas vezes a sonhar com terras fantásticas, onde tudo era belo e natural e onde todos os seres viviam em paz e harmonia, mantendo sempre e sem hesitar, um espírito forte e sem cortes e no entanto puro e juvenil, com amizade, amor e partilha. Ainda recordando em imagens profundas de memória e de cultura de grupo, o seu pai partindo para mais uma viagem, a sua mãe companheira de brincadeiras com as amigas preparando o almoço e ele feliz com a sua presença, nesta bela paisagem oferecida: os sentimentos são como que uma aragem que percorre levemente o nosso corpo, acariciando-nos sempre que acha importante assinalar a sua presença e voltando de novo, sempre que nós queremos e precisamos dela.

 

Os momentos de rutura fazem parte da consolidação da nossa personalidade

 

Na vida do coelho aconteceram coisas boas, más, outras nem tanto como isso, momentos dos quais já nem se lembrava e aqueles intervalos que mesmo sem noção de tempo e de espaço, o moldaram para a vida e para a compreensão do mundo que o rodeava. Qualquer episódio da sua vida poderia ser interpretado como uma fase da sua caminhada de aperfeiçoamento e adaptação ao meio ambiente que com os outros partilhava e deste modo compreender muito mais facilmente, que tudo isto não passava de uma sucessão de acontecimentos imprevisíveis, que ocorrem por acaso e por necessidade na vida de todos e que devemos aceitar por respeito aos outros, mas sempre com a certeza de que só uma atitude de diálogo e compreensão, nos pode oferecer tudo o que o mundo põe à nossa disposição: mesmo um espetáculo imprevisto e negativo – como a destruição do nosso refúgio permanente – pode transformar-se numa nova festa de iniciação e na criação de um novo mundo, como se de um renascimento se tratasse. E disso precisa a alma de todos, mesmo as do coelho.

 

As regras até poderão ser importantes mas não podem ser anteriores ao facto ocorrido

 

Um dia de brincadeira infantil e irresponsável, é um momento de felicidade para qualquer animal, que ficará registado para sempre na sua memória e que terá repercussões importantes na sua relação com as outras espécies, também partilhadas pela natureza. Mas porque será? A partilha de espaços postos à disposição de todos na reprodução de momentos de ócio e de prazer – sem a intervenção de regras exteriores a essa atividade – só pode proporcionar o aparecimento de polos de desenvolvimento e inovação comportamentais, que podem levar a um envolvimento societário progressivo e à criação de novos elos de convivência e compreensão, opondo-se deste modo a um mundo descaracterizado e crescentemente egocêntrico. Ora o coelho não era burro e imediatamente compreendeu na sua inconsciência juvenil – ainda desprovida de ética e de moral – que todos os momentos postos à nossa disposição devem ser sofregamente aproveitados, pois só das emoções fortes, é que resultam os sentimentos profundos. A convivência informal e sem objetivos predefinidos é fantástica e fundamental – como o movimento e o nomadismo são sintomas da presença de vida!

 

O comportamento num espaço depende da interpretação dos sonhos

                                

Os coelhos também sonham, mesmo quando estão a dormir. Os sonhos são um alimento importante para a nossa alma e o nosso corpo é o primeiro a reclamar a sua presença. Sem eles, os sonhos da nossa vida acordada não teriam qualquer interesse, pois o nosso ego não teria a indicação necessária para uma correta escolha do caminho a percorrer, no nosso quotidiano coercivo e por vezes aviltante – pela negação da nossa infância – mas dito real – pela opção do mercado pelo cliente adolescente, pós-armário. Mas os coelhos também pertencem aos sonhos. E este é um dos fatores mais importantes na concretização dos anseios de todas as coisas existentes à face da Terra, face aos acasos da vida, que só o são, porque ninguém os pretende compreender, nem integrar na história verdadeira da sua evolução – o mundo é um Universo Vivo em constante transformação e de aplicação não definitiva.

 

A vida proporciona-nos emoções coletivas como complemento ao vazio solitário da morte

 

A vida dos coelhos passa por diversas etapas. Essas etapas indicam fases de adaptação da vida desse animal, ao meio ambiente que o irá alimentar e socializar. A mais variada graduação da oferta vivencial, é-lhes oferecida como um bem escasso e difícil de reconstruir. Por isso é que alguns afirmam que tal estado e dimensão económica se irá forçosamente sumindo como o nosso prazo de validade, à medida que o tempo vai passando e o nosso corpo se vai desvalorizando. A teoria de mercado poderá estar correta, mas a natureza não é um desses mercados em crise ou expansão, conforme os gostos e intenções, mas e somente o espaço onde tal transação decorrerá: se eu adquiro algo transformo imediatamente esse sujeito de desejo, num mero objeto decorativo e dispensável.

 

(Ilustrações – O Livro das Histórias do Coelho – Tom Seidmann-Freud – Berlim – 50 Watts)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 00:11