ALBUFEIRA
Um espelho que reflecte a vida, que passa por nós num segundo (espelho)
Fora de Onda
“Serei tudo o que disserem: advogado castrado, não"!
Marinho Pinto
No ambiente oficial típico da cerimónia, os aplausos terão sido poucos e nada efusivos.
Os outros e Marinho Pinto
(texto e imagens – Sapo/Expresso)
Autoria e outros dados (tags, etc)
Albufeira, pescadores e desintegrados
As palavras servem para justificar muitos actos
Mas os actos não se concretizam apenas com palavras
Cais de Albufeira
Quando um dia cheguei a Albufeira para aí morar, ainda existiam na Praia dos Pescadores barcos, apetrechos e claro está pescadores. Estes no entanto já eram obrigados a partilhar o local de trabalho e de sustento de toda a sua família, com a invasão anual de milhares e milhares de turistas sobretudo na época das férias do Verão, que os transformavam – num momento lúdico e de diversão de um espectáculo (tipo feira popular) onde os turistas eram espectadores – em personagens fictícias de um mundo virtual, criado durante três meses do ano para entreter a bolsa de milhões de incautos viajantes.
A zona do cais já não era bem como a da foto mas ainda lá estava o mercado do peixe – todas as manhãs cheio de vida e de movimento constante – a tasca do Viegas – com a sopa apetitosa e quentinha de grão e de massa da D. Ana e os seus deliciosos peixinhos fritos – e a rua que vindo do lado do jardim da parte velha da cidade – posteriormente esmagado sobre toneladas de cimento – passava de seguida pela frente do café Oceano – como era bom tomar uma amarguinha debaixo dos primeiros raios quentinhos da manhã – e ia dar às casas de apoio aos pescadores, encostadas à arriba protectora do farol do Pau da Bandeira.
Hoje Albufeira não passa de mais uma nódoa urbanística a juntar a tantas outras que preenchem a paisagem algarvia, idealizada por um punhado de arquitectos e engenheiros vendidos à legião do cimento e da construção civil – com as câmaras a exigirem o seu dízimo e reverência prática ao seu Presidente – e que por dinheiro seriam capazes de emparedar o Algarve entre duas grandes muralhas de apartamentos turísticos e com o mar de preferência no meio delas. O povo lá vai vivendo como pode e com o avanço avassalador dos efeitos da crise – aliado a um Estado que se alheou deliberadamente das suas responsabilidades, muitas delas criminosas – poucas soluções lhe restam para sobreviver: emigrar ou desaparecer! E assim se mata a memória de uma terra e se viola a cultura de um povo, sem o mínimo respeito pelos nossos antepassados (que nos criaram) nem pelos nossos filhos que abandonamos à sua sorte.
Praia dos Pescadores
Hoje em dia os pescadores e todo o cenário envolvente desapareceram definitivamente do local. Só lá ficou o mar, a areia e um ou outro edifício antigo salvo das ruínas e reconvertido à restauração. Já não é do meu tempo a utilização da praia e do cais para o transporte marítimo de mercadorias – no passado a indústria pesqueira e conserveira tinha um peso enorme no sustento de muitas famílias algarvias que tinham apenas como alternativa o também duro trabalho no campo – mas ainda me lembro do colorido que os barcos davam à praia, dos pescadores a repararem as suas redes de pesca – enquanto punham as suas conversas em dia e preparavam uma caldeirada bem fresquinha – e até dos gatos que todos os dias marcavam encontro com eles e com eles gostavam de morar – muitos deles nas casas de apoio – trabalhar – ao limpar a praia dos desperdícios da pesca e dos ratos invasores – e até conviver.
Os interesses mudaram, as pessoas mudaram e o casario mudou. Tudo se alterou. E passados mais de vinte anos sobre a minha chegada, esta terra começa a estar irreconhecível mesmo para os que cá não nasceram e até as pessoas que connosco partilhavam a vida foram partindo, morrendo ou desaparecendo. Ainda me recordo como se fosse hoje – terão passado no mínimo uns dez anos – da realização de um conselho de turma em que os professores analisavam o caso de desinteresse e abandono escolar por parte de um jovem (e rebelde) aluno: chegaram à brilhante conclusão de que a sua desmotivação e rebeldia se devia a uma desintegração crescente do jovem no ambiente geral da sociedade que o envolvia e que muito dificilmente seria travada e evitada. O jovem nascera e sempre residira em Albufeira, adorava a terra onde vivia, era filho de pescadores e queria continuar a arte e a vida de seu pai e do seu avô – mas tudo estava a ser destruído e abandonado e ele nada podia fazer; os professores eram esmagadoramente todos de fora e não o reconheceram, condenando o jovem por omissão e por além disso nada fazerem. Quem era aqui afinal o elemento desintegrado? E quem é que ajudou a que se consumasse este acto?
(imagens – google.com)