ALBUFEIRA
Um espelho que reflecte a vida, que passa por nós num segundo (espelho)
Carnaval
Carnaval ontem
No Carnaval todo o mundo para e até os pobres ficam ricos.
Organizam-se grandes festas e orgias, onde só se pensa em comer, beber e fornicar.
E na Terça-feira gorda é mesmo o fim da picada – e aí tudo se leva ao limite: come-se a mulher (ou o homem), mama-se na teta (ou noutra coisa) e mata-se o patrão (ou a patroa).
E até Saturno é libertado.
"A Porca alemã dá de comer a dois porcos famintos:
- O porco grego e o porco português".
Carnaval hoje
É claro que o povo critica o político – o porco – reconhecendo nele a sua própria reflexão – outro porco portanto. No entanto as reflexões de objectos não são totalmente perfeitas logo, se eles são porcos nós não seremos tanto assim. Seremos então leitões? Isso também poderá ser possível – mas o mais certo é sermos precisamente nada e comermos dejectos de porco: se não somos como eles, cheiramos como eles!
(imagem – Sapo)
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Uns Falidos Outros Não
A Europa emprestou dinheiro em nome de um país falido – Portugal – e o Governo entregou-o nas mãos de alguns desses portugueses – os responsáveis pela falência.
O contribuinte só tem que pagar
O governo logo se saberá orientar
E ainda gozam com o pobre do contribuinte, que nem uma nota vai ver: talvez receba uma moeda para o seu peso sentir.
(imagem – google.com)
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Aquário Modelo TP 13.5 XXL
Tara Perdida – Histórias Sobre a Intervenção
(fragmento de registo de observação extraterrestre da Terra realizada a partir de órbitas afastadas e independentes)
Texto confidencial recentemente libertado dos arquivos secretos da Trilateral/SS – confederação exterior tendo a seu cargo a manutenção da segurança e estabilidade no planeta Terra – reconhecendo a fragilidade da manutenção da vida no nosso planeta, face à utilização de uma forma desproporcionada e completamente injustificada das suas matérias-primas, podendo levar em última instância o planeta à sua exaustão total e à extinção maciça de muitas das suas espécies, incluindo nessa cadeia interligada e necessariamente interdependente o próprio Homem.
Banco de corais com peixes e outras coisas mais
A Maioria – I
O Zé Sidónio e o Zé Paupério – pertencentes à maioria minoritária – eram dois peixes convencidos que habitavam um banco de corais existente num local secreto da costa atlântica portuguesa, considerado pelas autoridades responsáveis pela preservação do património natural um caso raro e susceptível de estudo, não só pela sua originalidade e persistência no tempo, como pela aceitação por parte de todos os outros peixes vivendo nas vizinhanças – pertencentes à minoria maioritária – de um mundo alternativo sem cor nem movimento.
A Minoria – I
O Zé Pessoa, o Zé Picareta, a Zé Bela e a Zé Beatriz – admiradores da minoria maioritária – eram quatro peixes que partilhavam o banco de corais com os outros dois peixes convencidos, deslocando-se nervosamente pelo interior e pela periferia do mesmo mundo submarino e simultaneamente aparentando ausência – como se dele não fizessem parte – tentando com a sua movimentação reforçar o poder associado à sua presença e sinalizar a sua solidariedade para com a triste situação dos outros peixes adversários da maioria minoritária.
A Assembleia – I
Juntaram-se os quatro Zés e as duas Zés numa das zonas mais bem preservadas do banco de corais onde viviam e tinham montado casa, para analisarem – tal como faziam regularmente – todas as situações importantes que pudessem lá ter ocorrido e suas possíveis repercussões, internas ou externas. Os seis Zés tinham sido escolhidos em eleições livres e democráticas realizadas entre as seis respectivas equipas de apoiantes, tendo as mesmas optado por nomear o seu líder como seu representante natural, para as representar e defender nas reuniões ordinárias da assembleia local.
A Maioria – II
Como adjunto principal do seu chefe Zé Sidónio – o peixe graúdo da direita, apresentando perto da sua barbatana caudal, uma listazinha laranja – Zé Paupério – o peixinho chato e amarelado nas traseiras, aparecendo nadando sobre o seu chefe – estava sempre atento a todas as movimentos dos restantes peixes da oposição, de modo a prevenir-se e proteger o seu chefe contra todas os eventos negativos que pudessem ocorrer. Nunca esquecendo que também teria a sua imagem a defender, marcando com a sua forte presença e ideias constantes, a sua posição imprescindível ao lado do líder.
A Minoria – II
Zé Pessoa – o peixinho branco e vermelho que vemos debaixo da pala do recinto – esperava já há quinze minutos que os restantes peixes comparecessem no local da reunião – como acontecia semanalmente – enquanto ia dando umas largas golfadas de água do mar, de modo a melhor oxigenar as células cerebrais e assim ajudar na apresentação das suas ideias. Zé Picareta e a sua colega Zé Beatriz estavam a chegar vindos de cima – o peixe azul e o peixe às listas – enquanto Zé Bela – o peixe no canto inferior esquerdo – deixara a companhia de Zé Pessoa para uma pequena excreção.
Os Peixes – I
Nos dias de bom tempo no mar e quando começava a chegar a hora da maré começar a baixar, era ver junto do esporão que defendia a vila dos efeitos das ondas, diferentes cardumes de jovens peixes a juntarem-se em grandes grupos e a dirigirem-se em alvoroço em direcção ao alto-mar. Acabavam sempre por formar uma grande fila que se estendia ao comprido da costa até junto de uma bóia vermelha, aí se aglomerando em densos cardumes, comunicando entre si: vivendo o seu dia-a-dia em lugares cinzentos e pobres, todos afirmavam vislumbrar o paraíso.
O Investidor – I
Os viveiros experimentais eram da responsabilidade de uma multinacional ligada simultaneamente à indústria química e ao ramo alimentar, que tinha dirigido recentemente alguns dos seus investimentos prioritários para a reestruturação dos ambientes de reprodução e crescimento em animais vivendo em meio marinho, tendo seleccionado este local da costa atlântica, por sugestão das próprias autoridades portuguesas. A primeira fase já tinha terminado – e os seus resultados normalizados de acordo com a lei – seguindo-se agora a fase de consolidação.
A Assembleia – II
Os seis peixes representantes da comunidade residindo no banco de corais, reuniram-se em assembleia deliberativa por volta do meio da manhã e começaram desde logo a discutir o principal tema da sua ordem de trabalhos – vindo como não podia deixar de ser dos lados da oposição: falta de contrapartidas mínimas vindas do exterior e de garantias evidentes de desenvolvimento futuro. Como presidente da assembleia Zé Sidónio demonstrou-se mais uma vez enfadado com a questão, ignorando os gritos indignados dos seus colegas da oposição. Resultado (e mais uma vez): moção recusada.
Os Peixes – II
O viveiro ocupava uma vasta área da costa situada ao largo da vila piscatória, estando rodeado por uma protecção electromagnética que impedia os peixes aí residentes de se aproximarem em demasia dos seus limites físicos, sem sentirem um ligeiro e quase imperceptível incómodo físico e uma forte sensação de incerteza, face ao cenário vazio e em tons de cinzento que lhes era oferecido. A vida decorria normalmente nesta rede artificial de recifes e de corais, repleta de grupos numerosos e saudáveis de diferentes espécies marinhas: o único problema residia na falta de perspectivas dos assimilados.
O Investidor – II
A decisão da implantação dos viveiros na faixa costeira adjacente à vila piscatória, inseria-se num plano mais abrangente de reactivação desta zona – já há muitos anos abandonada e em ruínas – tendo como objectivo final de projecto a criação de todas as infra-estruturas básicas para a edificação de um complexo habitacional seguro, de qualidade superior e auto-suficiente e com capacidade para se expandir ou replicar. O projecto seria financiado com um investimento inicial de 100 milhões de euros e comparticipado maioritariamente a fundo perdido pela CEE (90%).
Os Pescadores – I
Uma dezena de antigos pescadores desta antiga vila piscatória da costa alentejana, tinham sido convidados pelo antigo dono de uma fábrica de conservas há muito desactivada, para um trabalho de manutenção e segurança de umas instalações provisórias ligadas à pesca a serem ali instaladas. Como o pagamento e o espaço de tempo de serviço eram muito aceitáveis – apesar das instalações serem constituídas por contentores sem ar condicionado – estes reformados aceitaram de imediato a proposta. Pouco ou nada faziam e até agora só um barco desconhecido parara ao largo da vila.
Os Pescadores – II
Os dias sucediam-se na agenda diária da vila, sem que nada de significativo se passasse por lá e sem que os pescadores se preocupassem muito com o que aconteceria no dia seguinte: pagavam-lhes, era o que interessava. Mas o pescador – mesmo velho e reformado – era sempre um pescador e a sua relação com o mar jamais poderia ser apagada. Era vê-los negociando os seus artefactos de pesca com o mar aberto e solidário que diante deles se oferecia, para percebermos a sua ligação profunda com a natureza marinha e com os peixes que aí habitavam: os homens respeitavam os peixes e estes deixavam-se levar nas suas redes.
O Aquário – I/II
A MCS (Mental Control System) era uma subsidiária da multinacional ligada à exploração e transporte espacial ISC (International Space Corporation), empresa esta dirigida prioritariamente à prospecção mineral – devido à obtenção de elevadíssimos proveitos na transacção de metais – em corpos celestes orbitando na área de influência do Sistema Solar e logicamente – se a evolução do processo assim o admitisse – à sua consequente colonização. Neste contexto o papel a desempenhar pela sua subsidiária MCS restringia-se à simulação de cenários experimentais em situações reais, com garantias de não alterar as condições presentes e estabelecendo directivas pré-definidas e correctas de intervenção futura.
O espectáculo decorreu conforme planeado. As câmaras já estavam ligadas e a gravar, ainda a aeronave não tinha arrancado para a pista do aeroporto que a encaminharia para o seu destino. Os técnicos atarefavam-se em torno do aparelho – tentando acelerar todo o processo – de modo a cumprirem integralmente todo o plano de voo. O aquário que iria ser utilizado como recolha encontrava-se já seguro e protegido, enquanto que um outro técnico qualificado pertencente à MCS, trabalhava em exclusivo na composição da simulação temporária de substituição – conhecida como o “remendo sem cicatriz” – que iria aplicar como real em toda a zona que rodeava a vila piscatória. Os pescadores sentiram um flash e foram imediatamente projectados; os peixes foram recolhidos em contentores de alta pressão, sendo postos momentaneamente suspensos; e no fim, tal como planeado, todos regressaram de novo ao Aquário.
(este fragmento de registo foi descoberto nas instalações de apoio à placa giratória de salto e manutenção GJS.2M13 – entretanto desactivada e reposicionada – durante a investigação realizada na zona periférica do espaço ocupada pelos planetas interiores, à passagem de um objecto intrusivo sem comunicação e não identificado e referido como incidente TE44/X5-EP75; no registo é solicitada ainda e adicionalmente a realização de pesquisa em ficheiro de segurança, sobre entidade PKD1928 – ou possível réplica)
(imagem – google.com)
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Near-Earth Asteroids
At the current rate that near-Earth asteroids are being detected, it will take astronomers 15 years to identify every one of significant size and even more than 10 times longer to characterize their materials.
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Astronomers should dramatically ramp up the sky surveys, not only to better prepare for threats to Earth but also to exploit asteroids' contents.
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These asteroids could be mined one day for valuable metals such as platinum and cobalt, yet at the current rate it will take 190 years to characterize their materials.
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Like the moon, Earth is pockmarked with craters caused by asteroid impacts, suggesting that such strikes happen frighteningly often.
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During the Tunguska event in 1908 in Siberia, up to 80 million trees were wiped out in a mostly uninhabited 830-square-mile area (2,150 square kilometers) by an exploding space rock. The meteorite blast packed up to 1,000 times the power of the Hiroshima bomb.
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Asteroids aren't just potential threats to Earth's safety they are also potential sources of rich veins of platinum, cobalt, zinc, antimony and other valuable metals that might one day be harvested by manned missions. They could even be mined for hydrogen and oxygen for space travelers refueling their rockets.
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Scientists have estimated that 20,000 asteroids lurk in the solar system, of which only 6,000 have been identified.
(texto e imagem – space.com)
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O Encontro de Tó e Mané com os Extraterrestres
Ficheiros Secretos – Albufeira
Historiazinhas ao Contrário
“História contada por um extraterrestre ao seu filho e passada com extraterrestres”
Os amigos de infância Tó e Mané viveram a sua infância na aldeia de Paderne
Eram como matéria e antimatéria: sempre que estavam juntos a vida explodia de novo e sendo assim só pensavam em repetir
O Tó e o Mané eram dois jovens naturais do barrocal algarvio agora residentes na cidade de Albufeira – onde trabalhavam na área da hotelaria e da restauração, desde que os seus pais tinham abandonado respectivamente a arte da pesca e os campos agrícolas do Algarve – que hoje em dia e face à grave crise que sua região atravessava, se sentiam cada vez mais abandonados à sua sorte e desgraça, face à crise e ao desprezo a que a maioria da sua família e da sua população estava votada.
Na sua juventude tinham vivido na bonita aldeia de Paderne, tendo sido colegas nos anos felizes em que frequentaram conjuntamente a escola primária da terra e parceiros em muitas das brincadeiras e aventuras aí vividas, desde os raides realizados à noite pelos campos à pesca das laranjas e das clementinas, até à caça aos fantasmas e outros seres misteriosos que o povo dizia habitarem – do anoitecer até longe na madrugada – o castelo de Paderne.
Albufeira – Praia dos Pescadores
Um dia sentados numa esplanada de um café virado para o areal da Praia dos Pescadores, resolveram recordar os anos felizes da sua infância, enquanto bebiam uma deliciosa amêndoa amarga debaixo dos raios reconfortantes do Solzinho algarvio. O tempo estava convidativo a uma troca amena de palavras e de emoções, apesar da tristeza que era ver o que agora era a zona do cais e recordar todo o movimento dos pescadores na sua faina diária e o corrupio das gentes todas as manhãs, à volta do mercado do peixe.
Resolveram nessa manhã fazer brevemente uma visita à aldeia de Paderne e aproveitar a viagem para dar uma volta pelo interior da sua freguesia, de modo a recordarem e tentarem reviver um pouco dos seus saudosos tempos aí passados e das belas paisagens campestres que esta terra sempre ofereceu. Combinaram com o Carlos para o dia seguinte – já que estavam todos disponíveis nesse dia – que iriam no seu jipe passar um dia em Paderne, visitando vários locais frequentados na sua juventude e almoçando por esses lados.
No dia seguinte ao amanhecer lá foram todos até à aldeia. Estava um claro e lindo dia de Primavera com o Sol da manhã a querer começar a aquecer-lhes o corpo ainda gelado com o frio do início da manhã, quando arrancaram de Albufeira no jipe do Carlos, dirigindo-se às Ferreiras e depois apanhando na rotunda o desvio para Paderne. A estrada a partir das Ferreiras parecia abandonada, sem trânsito visível e raramente se vendo alguém nas suas proximidades, o que os transportava progressivamente para um estado de letargia observativa e para um mundo tranquilo de absorção de sensações, proporcionadas pela acção exercida conjuntamente pelas paisagens que iam surgindo e pelas recordações do que já tinha passado. Resolveram então parar num conhecido café situado no Purgatório – à entrada de Paderne – e ir lá tomar o pequeno-almoço.
Os dois estranhos cartazes afixados nas paredes do café do Purgatório num cenário misto de realidade e manipulação
Eram cerca de oito horas e meia da manhã quando chegaram ao Purgatório e aí fizeram a primeira paragem dirigindo-se ao café. Entraram, sentaram-se ao balcão e pediram uma bebida bem quente, uma torrada com manteiga e um medronho a acompanhar. A sala estava quase deserta, apenas com a presença de um casal de alemães sentados e a conversar acaloradamente num dos cantos e contando com outros dois indivíduos muito silenciosos – um deles a ler o jornal – que pela roupa de trabalho que usavam, se deviam dirigir para alguma obra situada nas proximidades. Enquanto tomava o seu pequeno-almoço o Carlos ia ouvindo as notícias que iam passando na TV, enquanto o Tó e o Mané observavam atentamente a decoração do café que já não frequentavam há muito e que parecia ter definitivamente parado no tempo. Já quando estavam na fase do medronho o Mané resolveu levantar-se, dirigindo-se de imediato para a entrada do café e voltando-se de seguida para uma das paredes laterais, onde se pôs a olhar com alguma curiosidade – e até com um sorriso nos olhos – para qualquer coisa que não se percebia o que era e que se encontrava aí afixada. Voltou-se então para o Tó, chamou-lhe a atenção para o que estava na parede e começou a simular que acariciava o seu peito, como se por acaso possuísse umas boas mamas. O Tó lá se levantou e foi ter com o amigo: não percebeu o que representava o cartaz da esquerda, mas o da direita – e agora percebia o Mané – presenteava-os com um bom par de mamas!
Purgatório – O café Zip-Zip
O Carlos veio ter com os dois amigos e juntou-se a apreciar os cartazes, especialmente o que se apresentava à sua direita. Pôs-se a gozar connosco, ainda se riu um bom bocado com o dono do café e em seguida esclareceu-nos rindo-se de uma forma convulsiva que essa imagem (duplicada) se referia a um vulcão inactivo situado num dos planetas do nosso sistema solar. Quanto ao outro cartaz este representaria – pelo que tinha ouvido falar em visitas anteriores – dois dos elementos básicos que constituiriam a matéria, fosse o que isso fosse ou pudesse representar para eles. Era no mínimo esquisita a presença destes dois cartazes. E no meio de mais uns medronhos que ajudaram a soltar a língua, o dono lá lhes explicou a sua origem e a razão por que lá tinham ido parar:
- Um certo dia há já uns bons anos atrás – e por altura do Carnaval – um grupo de jovens estrangeiros residindo na época nas imediações do castelo de Paderne entrou pelo seu estabelecimento dentro gritando serem extraterrestres e terem vindo de outro planeta. Como estávamos ainda na semana do Carnaval ninguém lhes ligou muita importância, excepto um grupo de forasteiros que na brincadeira e como resposta lhes respondeu “que então fossem dar cabo das cabeças para a sua terra, que por cá já tinham gente a f**** a deles”! Os jovens não entenderam o que lhes tinham dito, mas como os forasteiros lhes tinham retribuído com um sorriso bem divertido – ajudando a criar um bom ambiente na sala – acabaram por se instalar numa das mesas perto do balcão, enquanto olhavam famintos para as iguarias regionais que se encontravam expostos diante de si no expositor junto ao balcão. Durante o convívio estabelecido com o dono e os clientes do café, ouviram-se muitas conversas umas verdadeiras e outras delirantes, desde os feitos de caça relatados por um caçador aí presente – e que muito incomodou os jovens que o escutaram – até às divagações quase que psicadélicas destes jovens estrangeiros, que continuavam a repetir incessantemente serem extraterrestres em missão de reconhecimento e formação enviados ao planeta Terra. A sua vinda a esta zona dever-se-ia à necessidade de estabelecer contactos com estruturas de informação e apoio aqui estabelecidas. E foi nessa altura que um dos jovens teria retirado da sua mochila dois rolos de papel, num dos quais aparecia um conjunto de círculos de diversas cores com umas quantas legendas (por isso eles terem dito uma palavra muito parecida com leitão – que todos entendemos como se fossemos feitos de muitos leitões – e que pôs no momento toda a gente a rir sem conseguir parar) e no outro uma imagem que fazia mesmo lembrar um seio de uma mulher (que eles afirmavam ser do planeta de onde vinham). Só depois de muitos copos e de algumas confusões mais ou menos radicais – que terminaram sempre cordialmente e devidamente impregnadas pelo vapor do álcool – é que os estrangeiros abandonaram o local e regressaram a casa. Deixaram para trás os citados cartazes e um envelope com um código postal que só se poderia referir à freguesia de Paderne. O dono do café nunca mais lhes pusera a vista em cima.
A velhinha que vendia as meloas e melancias junto à Ribeira do Algibre, seria tia-avó por parte da mãe das duas irmãs gémeas Clementina e Tangerina
Teria cedido temporariamente a habitação – e por solicitação expressa de familiares com influência – às suas sobrinhas e restante família
Com toda a conversa tida com o dono do café, os três só saíram do estabelecimento lá para as dez horas da manhã. O dia estava limpo e com um Sol deveras apetitoso, com algumas pessoas atravessando a ponte sobre a ribeira que os conduziria a Paderne. O Carlos saltou para o jipe e pôs o motor em funcionamento. O Tó e o Mané juntaram-se a ele logo a seguir sentando-se no banco de trás do jipe, começando de imediato a indicar-lhe com gestos rápidos e precisos, o caminho a seguir após passarem a ponte e entrarem na aldeia: queriam ir directamente até à zona das laranjas e das estufas e para tal teriam que atravessar a terra indo pela estrada da esquerda. Caso contrário teriam que dar uma volta muito maior e inverter o sentido do passeio. Passaram rapidamente pela terra – passagem apenas interrompida pela rápida ida do Carlos aos correios – que a esta hora do dia já demonstrava alguma vida e movimento, enfiando-se pelas ruas estreitas da aldeia e começando de seguida a descer e a afastar-se em direcção ao campo profundo.
Uma teoria de que se falava muito em sectores marginais – e considerados pouco credíveis – da agricultura local, basear-se-ia na exploração intensiva da terra (apoiando-se em grandes áreas de estufas) a que os campos a norte de Paderne estariam a ser sujeitos, com um impacto e resultados comerciais muito provavelmente insuficientes.
“Só se tivessem uma mina de ouro debaixo da terra” – diziam os velhos no gozo
Pararam o jipe ao lado da estrada mesmo junto a um grande pomar de citrinos e de um canal de água de distribuição, antigamente utilizado para a rega mas agora inactivo. Estava uma manhã cada vez mais agradável e o ar do campo convidava-os a relaxar e a absorver tudo o que os seus órgãos dos sentidos lhes ofereciam. O Carlos resolveu esticar-se um pouco ao Sol expondo-se preguiçosamente ao calor dos seus raios e aproveitando a ocasião para reflectir um bocado sobre a sua vida e já agora, sobre o que já vira e ouvira hoje – e que ficara na cabeça: aquela dos jovens tinha a sua piada e a morada que segundo o dono do café tinham deixado para trás, ainda lhe despertava mais a sua curiosidade. Pegou então no panfleto com os códigos postais da zona – que tinha obtido nos correios da terra quando se dirigia para este local – e tentou encontrar o número que estava registado no envelope. Na realidade referia-se a uma zona situada para os lados do castelo, como tinha ouvido dizer na conversa ao pequeno-almoço. Tinha que ir dar uma volta por ali. Ao fundo surgindo da curva uma carrinha de caixa fechada que se deslocava na sua direcção, virou repentinamente à direita, embrenhando-se de imediato no meio das estufas que inundavam o terreno e desaparecendo num abrir e fechar de olhos como se nunca tivesse existido: talvez fosse um erro qualquer de paralaxe, provocado pelos efeitos (secundários) dos medronhos.
Ribeira de Paderne – azenha
Depois de apanharem umas quantas laranjas e clementinas resolverem ir ver como estava a praia fluvial. Carlos era um dos visitantes assíduos deste local sobretudo no Verão – terreno situado entre a estrada municipal 1274 a norte e a estrada 1176 a sul – já que pertencia a uma empresa de safaris que organizava passeios ao barrocal e serra algarvia. Passava muito por ali no caminho para Alte, já que os estrangeiros (e nacionais) gostavam muito de usufruir do local com a sua praia de rio e do local reservado para os grelhados de porco – de preferência entremeada e de entrecosto – ou então de sardinha, cavala ou carapau. Nunca se esquecendo da misteriosa velhinha escondida no meio das árvores perto do trilho dos jipes, vendendo os seus melões e melancias deliciosas para os sequiosos apreciadores de viagens e da gastronomia do Algarve. Sempre pensara que a velhinha poderia ser uma Bruxa-Boa vinda das galáxias do interior, com o objectivo de mostrar aos perdidos do mundo a sua força e longevidade, de modo a atraí-los para outros mundos e outras vidas e vivências. Naquele dia a estrada estava deserta, a velhinha estava de férias e até o ribeiro clamava por água. Mesmo assim ainda deram uma volta pelo ribeiro, molharam os pés e viram uns sapos e uma cobra entretendo-se na água. O Tó e o Mané aproveitaram ainda um tempinho para dar uma fumaça e para descansar até ao meio-dia naquele sítio tão tranquilo. Saíram quando já passava do meio-dia e a fome começava a apertar.
A ribeira do Caboiço nasce no Cerro da Cabeça Gorda e desagua em Vale de Lobo
Na saída o Carlos resolveu dirigir-se em direcção à estrada que ligava Paderne a Boliqueime, seguindo por um caminho de terra que nunca tinha percorrido, mas que parecia estar na direcção correcta para atingir o destino pretendido. Até era bom para descobrir percursos alternativos para os seus safaris, de modo a torná-los mais interessantes e menos repetitivos. De início tudo correu bem. O caminho estava em bom estado de conservação – apesar de parecer ser pouco utilizado – e parecia dirigir-se para onde o Carlos pretendia. Mas passadas umas largas centenas de metros terminou abruptamente, embrenhando-se depois por um carreiro que se prolongava entre um denso emaranhado de árvores e de arbustos selvagens, com uma notória elevação a surgir a oeste – tendo ultrapassado a zona do Montinho, seria este o Cerro da Cabeça Gorda? O Tó e o Mané resolveram então sair do jipe e ir dar uma volta de reconhecimento, até para ver onde estariam e se haveria outra saída alternativa por aqueles lados. E foi aí que surpreenderam uma família no exterior da sua casa a cozinhar o seu almoço, que pelo cheiro parecia mesmo um grelhado à maneira. O problema é que ao surpreenderem esta família foram surpreendidos por ela: era uma família de certeza com origem extraterrestre – constituída por três adultos e uma criança – que se fazia acompanhar por um animal, que aos três fazia lembrar um tipo de cão. A família ficou especada e sem saber o que fazer perante a presença dos três desconhecidos, deixando-se ficar a olhar fixamente para eles. O que valeu a todos para desbloquearem esta situação surpreendente foi a chegada das duas belas gémeas Clementina e Tangerina, filhas de uma anterior ligação – há quase vinte anos – do único ser de sexo masculino ali presente com uma formosa donzela da região, abandonada por adultério pelos seus familiares e recolhida com afecto e paixão pelo extraterrestre. E foram elas que se expuseram a todas as dúvidas e questões levantadas pelos três jovens algarvios, que não paravam de se deliciar com a presença e a figura perfeita destas gémeas de outro mundo – e de cor verde como os jovens citrinos!
Os extraterrestres eram originários de um mundo desconhecido, afirmando terem vindo dum Universo constituído por antimatéria – numa nave funcionando com tecnologia adaptada – e feito a transição por retransformação e adaptação das partículas constituintes do seu corpo
A conversa já se prolongava há quase uma hora após o fim da refeição. Tinham sido convidados para o almoço – o que tinham aceite de imediato – instalando-se à volta da mesa aberta de propósito no centro do jardim e sobre a qual já se encontravam as bebidas e uns pratos de comida. Durante o início o ambiente criado pela presença de estranhos ainda esteve dependente do impasse comunicacional existente entre as partes, mas rapidamente a forte curiosidade de todos, aliada à irrequietude crescente revelada pelas gémeas, transportou-os para um momento único de gastronomia e troca de ideias e impressões. De tudo se falou um pouco naquele almoço atípico e poucas questões aí colocadas ficaram sem resposta ou foram esquecidas: como o que faziam eles aqui e como cá tinham vindo parar. Não foi assim de admirar que todos se tenham deixado levar por esta amena cavaqueira, não querendo facilmente e por sua própria iniciativa, abandonar esta ocasional e produtiva tertúlia. Muito dificilmente se levantaram os três da mesa e entre justificações e desculpas de última hora acompanharam Clementina e Tangerina para o interior de sua casa. Já passava das três horas da tarde e o tempo estava excelente. Sentaram-se no hall a conversar.
Castelo de Paderne
Uma fortaleza erguida em taipa pelos nómadas do Magrebe
As gémeas propuseram então darem um passeio pelas redondezas da sua casa, até para todos se mexerem um pouco mais e assim se libertarem da sonolência em que se iam embrenhando após um lauto e perfeito almoço e um vinho a condizer. Não esqueceram no entanto de mencionar o Castelo de Paderne e de como por lá tinham andado e brincado em crianças, entre as suas muralhas em ruínas, os caminhos que iam dar à ribeira e à ponte romana e os túneis agora encobertos por pedras e vegetação, que davam acesso a câmaras de transição muitas delas agora desactivadas. Pararam junto à ribeira e estenderam o seu corpo sob os raios do Sol da tarde, ao mesmo tempo que conversavam sobre o local que agora os acolhia: era um sítio sossegado onde apenas se ouvia o circular da água da ribeira – do Caboiço – nascida lá para os lados do Cerro da Cabeça Gorda. Era uma zona muito conhecida pelo seu número de algares e pelas lendas que os rodeavam, numa profusão de contos e lendas populares envolvendo criaturas misteriosas e um mundo fantástico de grutas subterrâneas e canais de ligação – o sonho de qualquer espeleólogo com amor ao seu trabalho.
Clementina e Tangerina nunca mais se calaram. Falaram da terra-natal do seu pai, de como já tinham viajado diversas vezes numa nave com tecnologia baseada na utilização de antimatéria, do planeta paterno de origem situado num Universo contrário e alternativo ao deles e de como era tão rápido viajar entre estrelas distantes utilizando um “buraco de verme” – o que os deixou um pouco agoniados na altura. Mas também falavam da beleza do planeta Terra e daquilo que, perdido para sempre no planeta delas, ainda podia ser transmitido no deles para as novas gerações, como a grande obra dos seus pais e antepassados: um mundo sem limites de tempo para viver – só existe uma realidade e é o movimento – e disponível para nos oferecer graciosamente o usufruto de todo o seu espaço – o paraíso natural.
Os diferentes planos que formam o mundo não se limitam ao que os nossos órgãos sensoriais nos permitem percepcionar – para lá da nossa percepção um número infinito de planos aguarda a concretização do nosso desejo de aventura e de conquista do conhecimento, como o da existência de um outro eu, em planos sobrepostos ou simétricos ou mesmo sem eixo de simetria
A melodia da água a circular na ribeira era hipnótica: pararam de falar, deixando-se levar como uns viciados condenados e sem retorno pelas sensações vindas do exterior, que penetravam os seus corpos auto-expostos incendiando o seu mundo sensorial. As duas gémeas na realidade eram demais, jamais permitindo que este dia pudesse ser mais um factor perturbador na vida deles que os pudesse afectar nos seus futuros disponíveis e quase que o transformando numa anormalidade perfeita, tornada agora numa super-produção cinematográfica. Falou-se ainda de sexo, dinheiro, viagens, política e extraterrestres. Mas ainda sobrou tempo para falarem de inutilidades e de como muitos não podendo as sonhavam realizar!
Parque Natural das serras de Aire e Candeeiros
Algar situado na serra de S. Bento – como os algares existentes no Algarve um possível elo de ligação (até agora ignorado) a mundos subterrâneos há muito esquecidos
Então empreenderam uma longa caminhada que os levou até ao cimo do Cerro da Cabeça Gorda, onde nascia a ribeira do Caboiço que ia desaguar a Vale de Lobo. Era uma zona abandonada à sua sorte, mas por outro lado preservada da nefasta presença humana. Visitaram grutas espectaculares com acessos de difícil visualização e ligadas entre si por dezenas de túneis ainda num estado aceitável e que até nalguns locais apresentavam indícios de recente utilização. Foram então os três levados pelas gémeas até um algar que se abria sob os seus pés, podendo-se daí vislumbrar – apesar dos arbustos que o rodeavam – um poço escuro e bastante profundo: desceram utilizando uma escada lateral construída sobre rochas cortadas e sobrepostas, acabando por ir ter a uma sala que estabelecia ligação a uma enorme cavidade, onde estava instalado um foguetão de propulsão vertical e a sua base de controlo de voo. A nave era espectacular e deveria ter uns cinquenta metros de altura, perdendo-se na escuridão do poço onde estava instalada. Ficaram siderados: como era possível tudo isto ter passado despercebido anos e anos? Mais tarde o pai das gémeas explicou: “saber procurar quem e pagar na hora certa”. Não perceberam.
Tó e Mané foram testemunhos presenciais da existência de túneis pormenorizadamente elaborados e localizados a grande profundidade, no subsolo do barrocal algarvio situado na zona fronteira Albufeira/Loulé – e da visão extraordinária dos túneis em torno da zona onde estava instalado o foguetão, porventura utilizados para transportes pesados
Eram já seis horas da tarde quando regressaram a casa das gémeas. O dia já estava a terminar e o ar frio da noite começava progressivamente a fazer-se sentir. Ainda ficaram por ali até às oito da noite a conversar com os simpáticos e acolhedores extraterrestres e procuraram saber como contactá-los futuramente. Aí – e à falta de resposta – acabaram por se calar por momentos, apenas ouvindo da parte deles e após algum tempo de silêncio e de reflexão “estarem sempre por aqui mas sem incomodarem ninguém, de modo a que mesmo que ausentes sentissem a sua falta”!
Antes de abandonarem definitivamente o local – que até hoje não mais encontraram – Clementina e Tangerina ainda lhes ofereceram um livro com dedicatória e assinado por um tal PKD. Dizia: “O instrumento básico para a manipulação da realidade, é a manipulação das palavras. Se tu podes controlar o significado das palavras, podes controlar a gente que utiliza essas palavras”.
O Carlos pegou então no jipe e arrancou para Albufeira. Chegaram a casa já passava da meia-noite: tinha sido um dia inesquecível para eles mas a ausência destas imagens vividas, tornava-se cada vez mais dolorosa e insuportável: a vida era muito mais do que aquilo que nos ensinavam e a única coisa que nos restava fazer, era “retirar as vendas milagrosas que iam mutilando os nossos órgãos dos sentidos”.
Solenóide
O moderno nano detector de frequências ANT 3000 – utilizado em procedimentos de rastreio e detecção pelos técnicos ao serviço da RTA – é um complexo instrumento científico inspirado na tecnologia envolvida na produção e montagem dos aceleradores de partículas
PS – Tendo sabido da visita do Mané a Paderne, o Bacalhau perguntou-lhe se por acaso tinha reparado nalgum veículo com as siglas da RTA (Rede de Telecomunicações Aeroespaciais dirigida pelo ex-autarca e presidente Dióspiro Silva, apoiante de sectores oficiais favoráveis à intervenção e investimento dos extraterrestres na região) a circular por aqueles lados, pois já há vários dias que os agricultores da zona tinham reparado nele e perguntado aos seus ocupantes o que andavam eles por ali a fazer. Ao que eles responderem andarem à procura de uma rádio pirata que emitiria ilegalmente por aqueles lados e que estaria a provocar graves interferências nas antenas de comunicação instaladas em Faro, na sede da RTA. O que deixou todos de boca aberta já que os seus rádios nada apanhavam – mais facilmente acreditariam numa história de bruxas! O veículo estava equipado com um poderoso detector de frequências de alta velocidade e profundidade – o ANT 3000 – o último grito da ciência em nano tecnologia, aqui aplicada às telecomunicações.
(imagens – google.com)
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Fora de Onda
“Serei tudo o que disserem: advogado castrado, não"!
Marinho Pinto
No ambiente oficial típico da cerimónia, os aplausos terão sido poucos e nada efusivos.
Os outros e Marinho Pinto
(texto e imagens – Sapo/Expresso)
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Albufeira, pescadores e desintegrados
As palavras servem para justificar muitos actos
Mas os actos não se concretizam apenas com palavras
Cais de Albufeira
Quando um dia cheguei a Albufeira para aí morar, ainda existiam na Praia dos Pescadores barcos, apetrechos e claro está pescadores. Estes no entanto já eram obrigados a partilhar o local de trabalho e de sustento de toda a sua família, com a invasão anual de milhares e milhares de turistas sobretudo na época das férias do Verão, que os transformavam – num momento lúdico e de diversão de um espectáculo (tipo feira popular) onde os turistas eram espectadores – em personagens fictícias de um mundo virtual, criado durante três meses do ano para entreter a bolsa de milhões de incautos viajantes.
A zona do cais já não era bem como a da foto mas ainda lá estava o mercado do peixe – todas as manhãs cheio de vida e de movimento constante – a tasca do Viegas – com a sopa apetitosa e quentinha de grão e de massa da D. Ana e os seus deliciosos peixinhos fritos – e a rua que vindo do lado do jardim da parte velha da cidade – posteriormente esmagado sobre toneladas de cimento – passava de seguida pela frente do café Oceano – como era bom tomar uma amarguinha debaixo dos primeiros raios quentinhos da manhã – e ia dar às casas de apoio aos pescadores, encostadas à arriba protectora do farol do Pau da Bandeira.
Hoje Albufeira não passa de mais uma nódoa urbanística a juntar a tantas outras que preenchem a paisagem algarvia, idealizada por um punhado de arquitectos e engenheiros vendidos à legião do cimento e da construção civil – com as câmaras a exigirem o seu dízimo e reverência prática ao seu Presidente – e que por dinheiro seriam capazes de emparedar o Algarve entre duas grandes muralhas de apartamentos turísticos e com o mar de preferência no meio delas. O povo lá vai vivendo como pode e com o avanço avassalador dos efeitos da crise – aliado a um Estado que se alheou deliberadamente das suas responsabilidades, muitas delas criminosas – poucas soluções lhe restam para sobreviver: emigrar ou desaparecer! E assim se mata a memória de uma terra e se viola a cultura de um povo, sem o mínimo respeito pelos nossos antepassados (que nos criaram) nem pelos nossos filhos que abandonamos à sua sorte.
Praia dos Pescadores
Hoje em dia os pescadores e todo o cenário envolvente desapareceram definitivamente do local. Só lá ficou o mar, a areia e um ou outro edifício antigo salvo das ruínas e reconvertido à restauração. Já não é do meu tempo a utilização da praia e do cais para o transporte marítimo de mercadorias – no passado a indústria pesqueira e conserveira tinha um peso enorme no sustento de muitas famílias algarvias que tinham apenas como alternativa o também duro trabalho no campo – mas ainda me lembro do colorido que os barcos davam à praia, dos pescadores a repararem as suas redes de pesca – enquanto punham as suas conversas em dia e preparavam uma caldeirada bem fresquinha – e até dos gatos que todos os dias marcavam encontro com eles e com eles gostavam de morar – muitos deles nas casas de apoio – trabalhar – ao limpar a praia dos desperdícios da pesca e dos ratos invasores – e até conviver.
Os interesses mudaram, as pessoas mudaram e o casario mudou. Tudo se alterou. E passados mais de vinte anos sobre a minha chegada, esta terra começa a estar irreconhecível mesmo para os que cá não nasceram e até as pessoas que connosco partilhavam a vida foram partindo, morrendo ou desaparecendo. Ainda me recordo como se fosse hoje – terão passado no mínimo uns dez anos – da realização de um conselho de turma em que os professores analisavam o caso de desinteresse e abandono escolar por parte de um jovem (e rebelde) aluno: chegaram à brilhante conclusão de que a sua desmotivação e rebeldia se devia a uma desintegração crescente do jovem no ambiente geral da sociedade que o envolvia e que muito dificilmente seria travada e evitada. O jovem nascera e sempre residira em Albufeira, adorava a terra onde vivia, era filho de pescadores e queria continuar a arte e a vida de seu pai e do seu avô – mas tudo estava a ser destruído e abandonado e ele nada podia fazer; os professores eram esmagadoramente todos de fora e não o reconheceram, condenando o jovem por omissão e por além disso nada fazerem. Quem era aqui afinal o elemento desintegrado? E quem é que ajudou a que se consumasse este acto?
(imagens – google.com)