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Fish&Chips

Terça-feira, 15.10.13

Uma insuspeita organização internacional ligada aos alcoólicos anónimos e ao tráfico mundial de peixe e de batatas fritas – que não podemos revelar por receio de represálias – aplicou-nos nos últimos dias e consecutivamente um verdadeiro arraial de porrada, de tal maneira violenta e traumatizante que nunca mais perguntamos ou ouvimos falar do Cometa.


O Peixe Ison

 

A imagem anterior reflecte a concentração de indivíduos à volta do bar itinerante Núcleo 2013 (o pequeno círculo de cor branca).

 

Como se pode constatar a concentração é mais intensa nas proximidades do bar (a cor verde) começando a diminuir à medida que nos aproximamos do fim da fila comatosa de espera, facto natural face à extensão da cauda e ao reduzido número de funcionários disponíveis para atendimento.

 

Recorde-se que face ao desligar das Agências Federais a esmagadora maioria dos seus funcionários foram mandados para casa, sem direito sequer a receberem uma pinga de álcool e sem saberem quando verão de novo uma garrafa.

 

No entanto através duma análise mais pormenorizada da área envolvendo o bar Núcleo 2013 mais propriamente a zona de Coma, já se pode constatar no espaço envolvente ao mesmo, fortes indícios duma revolta crescente que poderá levar a uma cada vez mais eminente desintegração social e moral, traduzida pelo atirar contínuo de cubos de gelo para o espaço e pela ingestão descontrolada de água sem álcool (a cor vermelha).

 

Fontes bem informadas e colocadas no interior do acontecimento começaram já a falar num possível atentado em adiantado estado de preparação ao estabelecimento Núcleo 2013, utilizando para o efeito um carro armadilhado carregado de explosivos, que seria detonado mal o Sol entrasse em acção: a sua explosão desintegraria por completo o bar, castigando através da projecção de muitos dos seus fragmentos muitos dos alcoólicos existentes na sua trajectória destrutiva – em direcção ao Resort Terra.

 

(imagem – Huffington Post)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 15:53

Cenários Desenquadrados (8)

Terça-feira, 15.10.13

Ficheiros da Desintegração

As Necessidades Extraordinárias do Gato Tobias

(sob critério SMALL)

 

Recolha de indícios, de lacunas e de outras descompensações, entre os mundos imaginados e a realidade dos humanos.

 

Era como se as nuvens do céu tivessem caído sobre o mar

(e avançassem decididas em direcção a terra)

 

As despedidas foram rápidas tendo todos optado por um até logo em vez das tradicionais cenas de desgosto e de pesar: a vida era demasiado curta e os amigos não se perdiam apenas porque estavam distantes – o que interessava era aquilo que por pouco que fosse, cada um deles transportasse dentro de si, sendo também e por patilha uma parte do outro e também de todos os restantes, conhecidos ou ausentes. Desse modo nunca nenhum deles seria esquecido, nem mesmo morreria.

 

O momento da chegada do Tobias a casa foi duma alegria sem fim para o seu amigo cão: não o largava nem por um segundo e foram mesmo as duas irmãs que o vieram salvar, quando o viram pela janela que dava para o jardim a chegar calmamente e a saltar por cima do portão, já com toda a família reunida à mesa e a começar a comer. Tinha estado ausente demasiado tempo e se por um lado as saudades da aventura já eram imensas, o sentimento de dever cumprido e de estar no meio do seu grupo de amigos e de companheiros, tudo fez esquecer, ficando ainda com mais fome do que a que já tinha anteriormente, mas agora não só de comida mas de companhia também. Mais tarde quando todos já se tinham ido deitar, lá se encontraram os dois amigos na parte mais alta do telhado, mesmo em cima da chaminé e enquanto olhavam para oeste onde a Lua se punha e à hora combinada, lá viram um relâmpago muito curto e uma luz que instantaneamente atravessou o céu nocturno e desapareceu.

 

Na cidade o silêncio era absoluto, enquanto que a verdadeira parede de nuvens que se instalara ao fim do dia cobrindo tudo e não deixando ver um palmo à frente, parecia querer finalmente começar a dissipar-se.

 

A realidade de dependência e de miséria que hoje em dia nos é imposta pelo Estado e seus discípulos, sob as ordens das grandes Corporações que os formam e nomeiam – completando assim um Ciclo Infernal de controlo e de domínio absoluto, duma minoria invisível sobre toda a população mundial – utiliza determinados artefactos repescados da tradicional memória e cultura popular para, invertendo o sentido de orientação espacial do povo o confundir e como consequência, poder enquanto este se encontra paralisado e sem saber bem o que fazer introduzir-se nele, com o objectivo deliberado de misturar realidade e ficção, servindo-se desta imagem fabricada e distorcida para substituir o objecto. Um desses artefactos é o Espelho: representando um objecto real num mundo virtual o espelho é utilizado para fazer reverter nessa realidade algumas virtudes da sua imagem, construindo à volta dela uma realidade artificial que tudo arrasta à sua frente, não só pela pressão com que nos é imposta esta imagem tratada por esta sociedade sedenta de espectáculo e violência, como também porque ela até pode ser bela e aceitável se convenientemente maquilhada e elogiada. Além do mais o espelho apesar de nos oferecer apenas a nossa imagem, permite-nos alargar os nossos horizontes visuais e confirmar definitivamente a nossa existência: só nos vemos nesse período ignorando-nos antes e depois.


As Ilusões também se abatem

 

A desintegração não resulta assim de nenhum conflito existente entre aquilo que para nós é a realidade e aquilo que imaginamos: as duas fazem parte do mesmo e são um só objecto, tal como os sonhos fazem parte da nossa vida, correndo ao lado dela como dois mundos paralelos que muitas vezes se sobrepõem e comunicam. É a manutenção dessa comunicação que o Homem tem que impor e exigir, se quiser manter alguma seriedade e noção do mundo em que vive e está inserido ou então o seu futuro será unidireccional e com um único dever sem direitos, o de servir – tal como o cavalo ao qual o dono coloca uma pala para melhor o controlar, protegendo-o na sua função deste mundo real e hostil. A desintegração resulta sim duma utilização desproporcionada duma imagem idealizada para o Homem – proposta por poucos homens, que a pretendem utilizar sobre os restantes – que acaba por distorcer a própria realidade, por alteração da imagem original num cenário que nem sequer existe: um dia a película reflectora irá partir e para lá dela não mais nos veremos, perdendo-nos no resto do espaço existente para além dele. Talvez aí olhemos para o que o corpo nos oferece e que somos e vejamos também nos outros, tudo aquilo que já fomos: se a Bruxa estivesse do lado de lá o que diria ela de nós?

 

Em Albufeira a manhã nascera clara e cheia de Sol. Na praia os turistas já passeavam pelo areal e alguns mais destemidos já tinham mergulhado no mar, saboreando a tranquilidade das águas e a beleza das casas brancas que cobriam as falésias. Na praia do Peneco o buraco já fora todo tapado e a máquina já se tinha retirado. Enquanto isso no porto de abrigo os poucos pescadores que ainda sobreviviam da arte rodeavam algo caído no chão, pretensamente descoberto por um colega durante a sua faina nocturna e que ficara preso nas suas redes, quase que fazendo virar o seu pequeno barco a motor: retiradas as redes que se tinham emaranhado à sua volta, os presentes reconheceram logo que deveria ser um corpo humano já em adiantado estado de decomposição, apresentando ferimentos profundos e um ou outro pormenor que poderia indicar ter estado sujeito a actos de violência. Só com uma mais atenta observação é que os pescadores repararam nuns pormenores que os espantaram e assustaram: a forma e a estrutura do cadáver apesar de semelhante não era humana, sendo o seu corpo mais baixo e estreito que a média humana e os seus membros muito mais musculosos, com os seus dedos a terminarem em fortes garras que faziam lembrar a de certos roedores de maiores dimensões. Mas fora o olhar e os seus fortes maxilares bem preenchidos por grandes e fortes caninos, aquilo que mais os tinha impressionado. Até o miúdo se assustou quando os pescadores lhe abriram a boca e correndo até ao avô que ao fundo reparava as redes, gritou assustado que tinham apanhado um zombie.

 

Fim da 8.ª parte de 8

 

(imagens – WEB)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 15:39

Cenários Desenquadrados (7)

Segunda-feira, 14.10.13

Ficheiros da Desintegração

As Necessidades Extraordinárias do Gato Tobias

(sob critério SMALL)

 

Recolha de indícios, de lacunas e de outras descompensações, entre os mundos imaginados e a realidade dos humanos.

 

Dogão o cyborg – um animal mecânico

 

Em marcha lenta e de olhos bem abertos, o grupo avançou uns duzentos metros ao longo do túnel, sem que se registassem qualquer tipo de incidentes ou qualquer indício de actividades estranhas na sua proximidade. Situação que apesar de todos os cuidados assumidos por todos não deixava descansado o João, dado o percalço anterior que tinham vivido há poucos metros atrás e que nunca deveria ter acontecido, mas que no entanto quase que os surpreendera, podendo ter causado vítimas desnecessárias por evitáveis, entre os oito componentes do grupo. Foi assim natural que chegados à marca de dois quilómetros que indicava a distância que faltava até ao fim desta secção – e à porta de ligação com a parte final do túnel – o João tenha decidido parar por momentos a sua progressão, optando pela utilização previa e como reforço de segurança do varredor de movimentos, que transportava consigo desde que o descobrira num doa armários do abrigo: apesar de ultrapassado o equipamento ainda conseguiria fazer uma cobertura fiável de toda a área que os circundava num raio de quase cinco mil metros, o que chegava e sobrava para abranger toda a parte ainda a percorrer no interior desta secção. Enquanto as bio-máquinas iam patrulhando as imediações do local que ocupavam actualmente sendo para tal orientadas por um dos batedores, o restante grupo reuniu-se em volta do João, observando com o maior interesse e atenção a imagem que o varredor ia recolhendo – e tratando no seu processador – e que eles iam visionando no respectivo monitor após o respectivo tratamento de dados. Mal o varrimento terminou e a imagem se fixou no ecrã do monitor, todos puderam verificar a existência dum longo e estreito canal subterrâneo de origem artificial vindo do lado da Serra de Monchique – só conseguiam visualizar os últimos cinco quilómetros – e que na zona da Guia se bifurcava noutros três canais de menores dimensões, um deles parecendo ter sido interrompido na sua construção e os outros dois dirigindo-se a dois pontos distintos do túnel, ambos situados na secção intermédia na qual se encontravam no momento: um desses canais já eles o tinham encontrado anteriormente no seu trajecto quando o buraco se abrira diante deles, enquanto que o outro parecia ir dar a um ponto muito mais perto do fim desta secção, sendo no entanto um pouco confuso o seu fim e a sua ligação à estrutura do túnel, já que se fragmentava a partir dum determinado local num sistema intrincado de redes que se cruzavam de tal maneira, que se tornava difícil situar precisamente o local mais propício para o estabelecimento do acesso final, através dum novo buraco aberto na sua parede. Quanto ao detector de movimentos o aparelho nada assinalava, o que não deixava de ser estranho dada a forte possibilidade dos anteriores Z estarem acompanhados por outro grupo de Z (de apoio) localizado muito perto dos seus companheiros de luta; além do João e do restante grupo estarem convictos que a presença de Z-XXL ou mesmo dos seus antecessores Z-XL ser cada vez mais forte e interventiva, podendo agora todos os Z recorrer a tecnologia avançada e diferenciada que até os poderia fazer desaparecer estrategicamente do ecrã, como se não existissem apesar de já lá estarem e muito provavelmente à espera deles. A única vantagem que poderiam ter sobre os Z seria a notícia que de certo estes já teriam recebido da sua derrota absoluta no confronto anterior contra os seus inimigos, o que logicamente iria preocupar e amedrontar especialmente os Z-XXL, Alis agora transformados em seres mais observadores e reflexivos que já se preocupavam mais com a sua manutenção tanto física como psíquica, tornando-se para este fim mais planificados, organizados e sendo capazes de olhar para lá do momento e do espaço específico – o que até se poderia tornar uma desvantagem conforme fosse o ponto de partida da análise. Antes de partirem o Tobias ainda viu o Humano (o João) e o Albino a afastarem-se um pouco em direcção a um pequeno relevo existente na parede do túnel ao nível quase do chão – mas não visível do ponto onde se encontrava o gato, o que significava que os dois sabiam da sua existência – accionando algo e provocando de imediato uma pequena vibração e alguma interferência atmosférica, que afectou por uns segundos todos os aparelhos eléctricos que o grupo transportava consigo: pelos vistos os dois tinham decidido emitir um pedido de ajuda urgente a algum comando central de operações, de modo a poderem prosseguir a sua viagem previamente planeada tendo a certeza que não seriam de novo surpreendidos com consequências que poderiam ser desastrosas. A ordem dada pelo Albino foi para se continuar, mantendo o máximo de atenção possível. Faltavam apenas dois mil metros.

 

Mas uma primeira surpresa estava reservada para o grupo. Já tinham recomeçado a sua marcha em direcção a Albufeira, quando as duas B-M se deslocaram subitamente em direcção a um dos batedores, respondendo a uma solicitação urgente vinda do mesmo para realizarem uma inspecção rápida num ponto situado a cerca de quinhentos metros à sua frente: o equipamento detector registara no primeiro instante movimento a pouco menos de um quilómetro, confirmando de imediato a presença de um elemento que ali não estava ainda há poucos minutos e que agora se dirigia rapidamente na sua direcção. Parecia ter-se introduzido por um dos três sistemas de ventilação do túnel (um por secção) localizados no seu nível superior e que em princípio seriam inacessíveis – excepto para os seus técnicos e responsáveis pela sua implementação, que por acaso nunca mais aí se tinham deslocado por razões de segurança – e por outro lado, pela análise de todos os dados até agora recebidos esse elemento seria sem dúvida um artefacto mecânico, equipado por um processador de capacidade média e utilizando hardware e software de origem garantidamente terrestre. O que era muito estranho para o batedor, já que não era conhecida nesta zona nenhuma indicação da presença de qualquer tipo de técnicos de apoio actuando no exterior e ainda por cima os respiradouros colocados à superfície se encontravam em zonas inacessíveis e indetectáveis (e se necessário susceptíveis de serem recolocados e readaptados). O grupo foi então convidado a interromper a sua marcha e enquanto todos se reagrupavam num círculo defensivo já com a presença das B-M, ficaram ansiosos a aguardar: pouco tempo passado uma primeira sombra surgiu bem lá ao fundo no túnel, revelando à medida que se aproximava os seus contornos, a sua forma e de como o seu corpo se adaptava à locomoção. Parecia deslocar-se sem nenhuma preocupação de segurança, movimentando-se com pequenos intervalos consecutivos em que o seu corpo parecia erguer-se e voltar a descer compassadamente e emitindo um som estranho que mais perto se assemelhava muito a um latido: revelava não estar equipado de nenhum tipo de arma defensiva ou ofensiva e confirmadamente todo o material utilizado na sua concepção e restante equipamento acoplado, poderiam ser considerados de nível artesanal. Um pouco mais tranquilos com o evoluir da situação todo o grupo ficou em estado de espera aguardando com muito curiosidade a chegada da máquina. E foi o Tobias quem ficou mais espantado a quando da sua chegada, ouvindo-se claramente vindo de si: “Não me acredito”!

 

Quem estava agora parado diante do grupo a latir de alegria e a abanar de contente todo o seu corpo mecânico – e que o Tobias tão bem conhecia – era o Dogão, um cão que o Tobias montara com a ajuda do seu companheiro e amigo de brincadeiras o Dog, aproveitando muito do material recolhido pelos dois amigos ao longo de muitos passeios nocturnos e incluindo muitas horas de trabalho dispendidos na sua montagem, utilizando para tal e basicamente um modelo representando um cão da Lego, um esquema técnico e pormenorizado dum robot japonês obtido entre os desperdícios duma loja de produtos asiáticos e muito hardware e software já abandonado na garagem (por desactualizado) pelo seu dono. O que o Tobias nunca esperara era vê-lo ali a funcionar, até porque nunca tivera ocasião para o experimentar – apesar de todos os ensaios anteriores terem sido um sucesso, tudo confirmando que o seguinte e último também o seria – pois necessitava dum equipamento de hardware que ainda não conseguira arranjar, talvez por ser mais recente e ainda ser muito utilizado. Mas quem o teria concluído e finalmente posto a funcionar? Como tinha ele descoberto a entrada para o túnel? E mais importante ainda, quem o enviara e qual o motivo da sua presença?

Após o Tobias ter elucidado e tranquilizado todos pela presença do Dogão, todo o grupo se juntou à sua volta para ver e admirar este modelo robotizado, construído com material ultrapassado mas ainda útil e reaproveitável e que demonstrava a capacidade criativa do Tobias e de como com pouco e velho se poderia construir muito e novo. O Tobias aproveitou a ocasião de todos estarem a apreciar o cão mecânico, para verificar também alguns pormenores que pudessem ter sido alterados ou acrescidos na sua conclusão e lembrou-se então de verificar se o registo de imagens que o equipava se mantinha, já que poderia ter acesso ao registo de imagens anteriores: é que o cão estava equipado dum registo automático de vídeo que ia arquivando todas as imagens obtidas no decorrer do tempo em que estivesse ligado, o que lhes poderia responder a muitas das suas mais importantes questões e dúvidas. O Tobias avisou o grupo do facto e pedindo-lhes que se afastassem um pouco para melhor visionamento por parte de todos, recuou a gravação para o início e arrancou com a sua projecção:

- As imagens começavam com um ficheiro muitas vezes interrompido dos primeiros passos dados pelo cão-robot, que em partes subsequentes mostravam alguns pormenores da garagem onde se encontravam e num caso ou noutro se fixavam nas personagens que o rodeavam, passando mais à frente para um registo contínuo de toda a vivência partilhada pelo mesmo, provavelmente desde que o responsável pelo seu acabamento o julgara pronto para entrar em actividade ininterrupta. Os únicos elementos que visionaram nas imagens, tinham sido o Dog e um outro humano que o Tobias não conseguira identificar. As imagens seguintes descreviam toda a movimentação efectuada pelo Dogão – sempre na companhia do Dog e do outro humano – desde o momento em que saíra de casa, até ao instante em que descobrira os respiradores do túnel e se introduzira neles: era evidente que a operação era levado a cabo por intervenção do humano, que além de ter conhecimento deste detalhe sobre o túnel, intervinha declaradamente e com conhecimento de causa em auxílio do grupo. O segundo ficheiro tinha um tamanho muito pequeno, transmitindo apenas uma mensagem escrita de esclarecimento geral e uma outra sobre o que cada um dos elementos no interior do túnel teriam que fazer, para resolver cada uma das suas situações. Muito resumidamente o robot tinha sido enviado em seu auxílio a pedido dum grupo externo ligado a elementos exteriores ao planeta Terra e aliados de forças vivendo no interior do planeta – sem dar nas vistas e aproveitando todos os meios locais disponíveis – com o objectivo de solucionar um problema local e de fácil de resolução, para posteriormente e comprovado o esvaziamento do túnel, se dar início ao passo seguinte de regularização do mesmo. Seguiam-se os pormenores de como deveriam proceder até completarem o seu percurso nesta secção, a explicação de como cada um dos elementos seguiriam os seus caminhos particulares e finalmente uma pequena nota para uma última intervenção a efectuar já na saída final, junto ao buraco surgido há poucas horas na Praia do Peneco. Mais confortados e seguros com as novidades transportadas pelo Dogão, o grupo agora com nove elementos prossegui o seu caminho.


Nómadas subterrâneos

 

A segunda surpresa chegou mais tarde quando atingiram cerca de metade da distância que tinham de percorrer até Albufeira e se depararam com um fenómeno – mais uma vez – inesperado: a parede do túnel no seu lado direito apresentava uma abertura perfeitamente circular, por onde poderiam passar à vontade quatro pessoas umas ao lado das outras, do lado de lá da qual se antevia um outro túnel parcialmente abatido e pejado de rochas e terra, resultado de derrocadas sucessivas, mas que parecia ser curto e poder estar desobstruído, dado se aperceber uma luz com uma certa intensidade vinda do fundo do mesmo. Mas não se conseguia passar para o outro lado: uma película invisível tornava a abertura intransponível, não se vendo nas redondezas nenhum dispositivo que a pudesse desactivar – e talvez pela sua invulnerabilidade, esta não tivesse sido anteriormente detectada. Foram as bio-máquinas que resolveram o problema: no upgrade de emergência realizado logo após a saída do abrigo e realizado no seguimento duma solicitação directa efectuada ao posto de comando central, o software das B-M fora reforçado por novas actualizações anteriormente não autorizadas, de modo a que reforçassem e ampliassem o poder de intervenção do grupo, fornecendo para o efeito todos os detalhes sobre a construção do túnel e informações complementares sobre todos os blocos de emergência instalados. E num desses documentos encontraram a forma de se livrarem da película que os impedia de entrar: aí colocada como forma de isolar o interior do túnel, ela pretendera por outro lado manter um grupo sobrevivente de nómadas Humanos – que se julgava já extinto – em segurança, já que a caverna onde se encontravam instalados se estendia por uma área com disponibilidade de água e de alimentos e completamente isolada do exterior. Apenas a situação actual e a sucessão dalguns acontecimentos imprevistos, tinham impedido ainda algum tipo de intervenção.

 

Enquanto as duas B-M e o Dogão ficavam a acompanhar dois dos batedores na manutenção da segurança na zona rodeando a entrada da gruta, o restante grupo comandado pelo terceiro batedor deslocou-se para o interior do pequeno túnel de acesso, acabando por se deparar com uma antiga galeria subterrânea que teria parcialmente abatido com o decorrer de centenas e centenas de anos de erosão, provocada por infiltrações e deslocamentos subterrâneos e periódicos de camadas de terras sobrepostas. Era bastante larga e tinha uma altura apreciável, com alguns instrumentos domésticos rudimentares espalhados um pouco por todo o lado, mas parecendo estar assim distribuídos com alguma intenção organizativa, conseguindo-se com uma melhor adaptação à luz natural e de origem para eles desconhecida que a iluminava, descortinar em dois cantos da mesma a presença de dois seres humanos de pele branca e suja, cobertos minimamente com tecidos certamente pelos próprios confeccionados e que ficaram paralisados quando os viram, como que fulminados por uma realidade de tal forma violenta e imediata, que nem os deixava pensar tão confusos tinham ficado. Para além dos dois humanos o grupo nada mais avistou, mas poderiam ser mais os elementos humanos que o integravam, já que a galeria apresentava muitas derivações de percurso e alguns nichos abertos na parede, que pelo aspecto poderiam muito bem ser locais de repouso para outros elementos ocasionalmente ausentes. Mas o que mais os intrigou foi a iluminação natural que aquela galeria apresentava nalguns dos seus pontos, parecendo mesmo pela sua distribuição estratégica que só poderiam ter sido aí instalados por estes ou outros humanos perdidos do mundo.

 

Segundo os conhecimentos adquiridos pelo Albino durante os seus períodos de lazer dedicados exclusivamente ao estudo dos seus antepassados terrestres (vivendo à superfície ou em territórios subterrâneos) e englobando todas as épocas conhecidas desde as suas origens até aos nossos tempos mais recentes, poucas informações tinham sido disponibilizadas que incluíssem-se este grupo extremamente restrito de humanos – provavelmente marginalizados do convívio e associação com outros grupos de seres semelhantes, por não aceitação e rebelião contra as regras mínimas de convivência impostas pelos mesmos, tudo provocado por um maior conservadorismo de ideias e de práticas assentes desde há milénios na sua liberdade total, no seu nomadismo assumido e na vida partilhada com a Natureza. Dos poucos dados até agora recolhidos e que incluíam este grupo recentemente detectado e agora mantido numa espécie de quarentena protectora, apenas um documento se referia especificamente a estes nómadas, recorrendo ao testemunho directo obtido por duas equipas de expedicionários a zonas tão distintas como as regiões mais profundas da Amazónia e às regiões geladas já no interior da Sibéria. Uma delas realizada por volta de meados do século XVIII e a segunda já nos tempos áureos das diversas expedições lançadas à conquista do Pólo Norte. No primeiro caso passado na Amazónia o contacto tinha sido estabelecido quase que por acidente quando um grupo desses nómadas se preparava para regressar às suas grutas e subterrâneos após mais uma jornada de aprovisionamento, o que era usual realizarem em certos períodos do ano quando necessitavam de reforçar as suas reservas alimentares e materiais: deslocavam-se em grupos numerosos por vezes quase atingindo uma centena de indivíduos, entre guias especializados no terreno, carregadores e guerreiros necessários para a sua protecção. Apesar deste registo de observação presencial e colectiva e dado a expedição ter como objectivo prioritário a descoberta de ouro, apenas um elemento foi autorizado a tentar contactar esses nómadas, o que limitou muitíssimo a sua capacidade de acção e a possibilidade dum contacto mais intenso e mais seguro: a ligação estabelecida foi muito curta e improdutiva, com os nómadas a continuarem indiferentes a sua marcha, quase que o ignorando, mesmo quando este pretendia aproximar-se um pouco mais, dialogando constantemente com o recurso a linguagem gestual e até a expressões faciais expressivas ou mesmo extremamente impressivas. No segundo caso o contacto tinha sido mais intenso e proveitoso, com a estadia consentida de todo o corpo expedicionário junto desses nómadas vivendo no subsolo a profundidades extraordinárias e que acabaram por ficar por um período de tempo que se estendeu por duas semanas, sem que se registassem incidentes. Talvez pelo frio terrível que se fazia sentir nessa época do ano sobre a superfície gelada do Árctico e pelo conhecimento da existência dum grupo de homens como eles sofrendo a violência de todos os elementos climatéricos associados – como o vento gelado que se entranhava na roupa e se depositava na carne, quase fazendo estalar os ossos – os habitantes das profundezas tinham ficado sensibilizados com a situação dos expedicionários e talvez por já terem passado por muitas situações idênticas por vezes dramáticas e irreversíveis, tinham decidido recolhê-los como manifestação de solidariedade e de amizade entre pares. E fora durante essa estadia que muitos elementos tinham sido recolhidos pelos expedicionários sobre esta sociedade desconhecida de humanos nómadas vivendo nas profundezas da Terra. O problema é que pouco restara desse registo, pois no seu regresso a maioria dos expedicionários tinha sido dizimada num acidente provocado pela queda abrupta duma grande camada de gelo que se afundara sem aviso, levando atrás de si dez desses elementos, enquanto dos dois restantes só um deles sobreviveria e em muitas más condições. Os poucos documentos recuperados falavam dalguns pontos particulares do quotidiano destes nómadas, explicando entre outros aspectos o processo utilizado para a iluminação, a fauna e a flora a que recorriam nas profundezas para a sua alimentação e tratamentos e até como escolher os locais com melhor qualidade de ar – nunca esquecendo a água, a sua qualidade e o conhecimento que tinham das reservas disponíveis e dos aquíferos subterrâneos mais puros e acessíveis. Apesar tudo alguns conhecimentos tinham sobrevivido e chegado até hoje:

- A iluminação a grande profundidade seria esmagadoramente de origem natural, graças ao aproveitamento de algumas espécies preponderantes como certos fungos bioluminescentes, à existência de longos planos de água subterrâneas reflectores de certos materiais brilhantes como os cristais existentes nas rochas e até a outros fenómenos desconhecidos à superfície, mas suficientes para criar ambientes iluminados e com largos períodos de persistência. Uma parte muito reduzida dessa iluminação, mantida em reserva para situações pontuais de necessidade de funcionamento ou situações de declarada emergência, seria armazenada em locais apropriados, consistindo essas reservas essencialmente de petróleo, carvão e outros resíduos fósseis;

- Quanto à atmosfera que respiravam a sua qualidade era mantida adoptando como método de controlo o já antigo hábito da utilização de espécies mais sensíveis a alterações significativas a nível da composição do ar, o que os avisava antecipadamente sobre qualquer alteração brusca e perigosa que os pudesse afectar negativamente. No entanto as deslocações contínuas de grupos de indivíduos e a desobstrução constante de todos os túneis utilizados (mesmo que secundários) tinham permitido uma boa circulação de ar entre todos os níveis existentes desde a superfície até às grandes profundidades; até pela utilização de cones verticais existentes em certas fracturas da crosta terrestre e destinados ao escoamento dos gases tóxicos levados pelas correntes de ar ascendentes – que circulando num “ciclo quase perfeito do ar” iam renovando o ar com as subsequentes correntes descendentes – que tornavam o ambiente geral muito aceitável tanto a nível qualitativo como quantitativo; até porque muitas plantas e fungos subterrâneos também iam contribuindo para o processo;

- Finalmente as plantas e os animais: quanto a esses as descrições iam desde alguns dados sobre a base da pirâmide alimentar constituída pelas plantas aí existentes muito diferentes em forma e cor das existentes à superfície – sobretudo imensas variedades de fungos, reproduzindo-se facilmente e “como coelhos” em meras lixeiras – à existência de pequenas florestas pejadas de árvores e de plantas cristalinas levemente iluminadas e rodeadas por um ambiente aparentemente hostil; quanto à vida animal além dalguns animais “importados” e adoptados como o cão, o gato e um ou outro mamífero, era habitual encontrar animais bem conhecidos à superfície como os morcegos, os peixes e repteis como o lagarto – além duma grande variedade de vermes, sendo a familiar minhoca um dos alimentos preferidos desses nómadas, tal como para muitos humanos um prato de mariscos fresquinhos.


Cypridina – um molusco bioluminiscente

Muito utilizado pelos soldados japoneses durante a II Guerra Mundial

 

Existiam alguns vestígios que pareciam confirmar que o grupo não se limitaria apenas aos dois elementos ali presentes: indícios associados à quantidade de objectos espalhados pela caverna, à quantidade de locais apropriados para descansar, a artigos pessoais de confecção própria ou até mesmo à área disponível – de conforto ou de procura – levavam a concluir que o grupo não excederia os seis indivíduos, mas sem a presença de jovens. Relativamente aos dois adultos que tinham encontrado, estes mantinham-se parados, olhando curiosos e simultaneamente receosos para as movimentações dos intrusos – talvez na expectativa de que estivessem só de passagem e sem nenhuma intenção secundária – mas tentando sub-repticiamente comunicar entre si, enquanto se iam aproximando ligeiramente um do outro. Não foi assim de admirar que aproveitando um pequeno momento de distracção do grupo, os dois elementos tenham conseguido escapar, desaparecendo de imediato na escuridão dum corredor e não mais voltando a ser vistos. Na realidade o mais indicado seria abandonarem o local e preservarem a integridade daquela zona e do próprio grupo que ali vivia. Foi isso que fizeram percorrendo o pequeno corredor em sentido inverso e recolocando no seu lugar a película protectora e inviolável, que o isolaria do exterior: estava na hora de finalmente e sem mais demoras concluírem a última parte do túnel.

 

Arrancaram para o cumprimento do seu derradeiro percurso no interior do túnel, com a garantia de que o resto do percurso seria tranquilo e feito em total segurança: os relatórios recebidos não se referiam mais à presença de elementos estranhos e perigosos, confirmando a integridade de toda a restante secção e a ausência de possíveis intrusos numa grande extensão à volta da mesma. Além disso tinham que se apressar um pouco mais, pois parte do grupo ter-se-ia ainda que deslocar para um ponto de encontro situado umas centenas de metros a oeste, onde um transporte os aguardava para os retirar dali e recolocá-los noutro sector: apenas ficariam para trás o Tobias e o João (o cão-robot ficaria com o humano, para não suscitar a curiosidade e os rumores entre a população), enquanto todos os outros elementos seguiriam o seu caminho conjunto.

 

Olhando para toda a sua viagem em retrospectiva, rodeado por um grupo de elementos tão diferenciados e próximos como eram estes seres biológicos e/ou mecânicos, o gato Tobias sentiu-se um ser privilegiado, tanto pela companhia que o rodeava como pela grande aventura que tinha vivido. Todos os componentes do grupo se tinham entendido e nada os demovera da concretização dum objectivo final. E a constatação de que o mundo se estendia para além do que era conhecido, só demonstrava como ele era Infinito e como no espaço mais recôndito e escuro do mundo, ainda e sempre se conseguiria encontrar vida por mais ínfima que fosse. No fundo os humanos eram uns tipos simpáticos e capazes de se adaptarem aos ambientes mais estranhos e hostis, mantendo e respeitando os seus direitos e deveres de grupo com o objectivo de manter a sua coesão e sobrevivência e só derivando para opções de vida não igualitárias e hierarquizadas, pela degenerescência provocada por indução directa (manipulação genética) ou indirecta (instrumentalização subliminar) do seu ADN original: o conflito levado a cabo unidireccionalmente só provocava como resposta da outra parte a ocorrência de actos violentos desprovidos de comunicação, que como tal nunca poderiam levar ao diálogo e consequentemente ao entendimento pretendido. Era uma pena o grupo ir-se desfazer, tanto pelo fim desta viagem inesperada e fantástica que quebrava a monotonia do quotidiano vigente, como pelas trocas de conhecimento que se iriam perder e que em cada momento de contacto interpessoal, reforçavam ainda mais os elos de ligação entre raças e espécies, tão diferentes na forma e distantes no espaço. Mas a vida era composta por este ajuntamento caótico de contradições, que duma forma qualquer se iam agrupando e organizando e que no seu conjunto constituíam e montavam o Universo.

 

Chegaram à derradeira porta do túnel já a tarde ia avançada no exterior, provavelmente com o amigo do Tobias saltando lá em cima ainda preocupado com a sua prolongada ausência, enquanto ia escavando incessantemente em torno do local onde o robot se introduzira horas atrás, com a promessa veiculada pelo humano que o pusera a funcionar, de que ele iria encontrar o seu companheiro e trazê-lo de novo para casa. Aberta a porta de acesso à secção que ia dar à praia o grupo dividiu-se em dois, com um batedor acompanhado pelas duas B-M a dirigir-se para o extremo desta secção final e com o Albino e o humano que o acompanhava a transmitirem algumas instruções adicionais aos dois restantes batedores; enquanto isso o Tobias observava tranquilamente o evoluir da situação, com o Dogão a seu lado a fazer-lhe companhia. A missão do primeiro grupo seria o de fazer desabar o túnel junto das saídas que existissem perto da Praia do Túnel e da Praia do Peneco, de modo a assim fortalecer o isolamento desta zona subterrânea, impedindo dessa forma qualquer hipótese de transposição para o seu exterior ou interior: a selagem teria que ser rápida perfeita, para a realização da posterior acção de desinfestação que seria realizada mal abandonassem a zona. E teria que ser realizada intervindo simultaneamente no local da praia onde se dera o abatimento, até para evitar qualquer intenção vinda do exterior de investigar este fenómeno com mais tempo e mais profundamente. Quanto ao segundo grupo este tinha três tarefas importantes a preparar e a executar: calibrar uma vez mais o dispositivo de teletransporte para a nova distância agora definida – um local entre dois agrupamentos rochosos situados numa zona adjacente à Orada – onde os aguardava uma nave que os iria recolocar (pelo menos temporariamente) uns noutros locais do globo, outros já no exterior do planeta Terra; colocar o gato Tobias e o humano (que tinha acompanhado continuadamente o Albino) à superfície, utilizando para o efeito um túnel vertical existente sob o monte que ainda suportava algumas das antigas muralhas do Castelo e que por sua vez ligava lateralmente a uma larga cisterna já abandonada e enterrada, mas que dava acesso através dum alçapão secreto a uma zona privada rodeada por vegetação – um deles regressando com o seu pé a sua casa e o outro dirigindo-se para a zona da Serra de Monchique, onde se iria juntar a outros companheiros de vida e de luta; confirmar o bom funcionamento de todo o equipamento de segurança associado ao túnel e a sua total estanqueidade, antes de o abandonarem e darem início ao processo de formatação ambiental.

 

Fim da 7.ª parte de 8

 

(imagens – WEB)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 16:23

Cenários Desenquadrados (6)

Domingo, 13.10.13

Ficheiros da Desintegração

As Necessidades Extraordinárias do Gato Tobias

(sob critério SMALL)

 

Recolha de indícios, de lacunas e de outras descompensações, entre os mundos imaginados e a realidade dos humanos.

 

Caçador de Zombies

(p/ Mike Skram)

 

O grupo tinha revisto alguns pormenores sobre a missão que estava prestes a iniciar, verificando a funcionalidade de todo o seu equipamento e actualizando as informações que ia recebendo sobre a zona do túnel, onde dentro de momentos se iriam introduzir na tentativa de restabelecer a segurança no interior desta secção. Além do Albino e do Tobias que seguiriam na traseira do grupo, este seria liderado por três experientes batedores, protegidos pelos dois seres biomecânicos que tinham encontrado anteriormente e terminando no humano que apoiava as biomáquinas que seria responsável pela protecção à retaguarda.

 

Os Alias tinham aproveitado uma pequena derrocada verificada a grande profundidade, para se redistribuírem e acederem a novas áreas interiores até aí inacessíveis. Principalmente desde o momento em que tinham sido sujeitos (sem solicitação prévia) a uma profunda alteração genética, induzida através da aplicação contínua de radiações de baixa frequência que iriam afectar o seu sistema nervoso central – e como consequência e objectivo a sua capacidade de raciocínio, organização e movimentação – estes seres subterrâneos tinham revelado uma evolução contínua (apesar de relativamente baixa), capaz no entanto de os mobilizar para a constituição de grupos com mais indivíduos envolvidos e com um objectivo assumido, congregados num conjunto sempre aberto e em expansão – assumido unicamente para garantir o seu alimento e sobrevivência – em torno da execução e concretização da sua missão. Por trás estaria a mão dalguns grupos mais radicais de Deros participantes anteriormente em acções não autorizadas e violentas, que se teriam rebelado posterior e definitivamente das suas anteriores lideranças já na altura actuando ilegalmente, ao não aceitarem o recuo estratégico e consciente dalguns dos seus líderes revoltosos, ao retornarem ao seu seio familiar e à companhia dos seus irmãos de sangue Teros. Ao contrário da ideia habitual construída em torno da biologia e do comportamento associados aos zombies “iniciais”, estes grupos dispersos de Alis tinham começado a utilizar cada vez com maior frequência uma mentalidade militar de sobrevivência e de expansão, recorrendo a alguma organização mental mesmo que dirigida numa só direcção, superando a imposição desse limite psicológico com a criação de grupos com um número crescente de elementos, mais conscientes da sua organização e da sua capacidade de resposta: o seu objectivo prioritário seria o de intimidar e destruir todos os seres que se atravessassem no seu caminho, criando uma uniformidade ambiental num meio temporariamente ocupado pelos mesmos e sendo auto-suficiente (as vítimas destes predadores pertenceriam ao topo da sua cadeia alimentar) e proporcionando a continuação da ofensiva destes grupos de nómadas subterrâneos, construindo estes pela primeira vez, com uma finalidade e como um evento extraordinário para esta espécie, postos intermédios de contacto para acesso doutros grupos de Alis, mobilizando-os para a concretização dum mesmo e único projecto.

 

Arrancaram então para os cinco quilómetros finais que teriam de percorrer, até alcançarem a outra ponta do túnel já em Albufeira.

 

O Tobias seguia calmamente ao lado do Albino observando o trabalho de verificação dos batedores, protegidos nas suas costas pelas bio-máquinas contra certas intervenções imprevistas ou como confirmadores de que tudo estava OK e que o caminho estava completamente livre e desimpedido. O túnel apresentava-se deserto, não se vendo vestígios recentes da sua utilização. Até ao meio de todo o seu comprimento nada se passou, chegando o grupo a pensar que até poderia estar completamente livre. Mas o facto era que as primeiras análises recebidas mesmo antes da sua partida mencionavam a presença de seres não identificadas no interior da zona, num número ainda pouco definido mas que deveria envolver cerca de duas dezenas de elementos. E foi já muito perto do quilómetro três que o equipamento de detecção automático começou a registar movimentos assinaláveis nas proximidades do local onde se encontravam – com uma amplitude máxima de mil metros – fazendo com que de imediato os batedores e máquinas acompanhantes se reorganizassem e optassem pelo modo de combate. Poucos minutos decorridos sobre a detecção estavam já perante os primeiros elementos, que ao vê-los avançaram decididamente sobre o grupo, em clara disposição de ataque. Enquanto o Albino apontava em várias direcções, cerca de doze elementos hostis surgiram duma reentrância que anteriormente ali não estava, atacando de surpresa todo o grupo, rodeando-os e pondo todos numa situação muito delicada senão mesmo muito perigosa: a solução tomada de pronto colocou todo o grupo numa posição circular defensiva, com a activação imediata do escudo electromagnético de protecção – que impedia a transposição dos hostis para o seu interior – dando tempo ao grupo para se recolocar e retomar a sua iniciativa em nítida posição de vantagem. O escudo protegia-os apenas durante um máximo de cinco minutos, antes de suspender temporariamente o seu funcionamento, para se recarregar e levantar de novo a barreira. Nem de dois minutos precisaram antes de estarem aptos para actuar: o Albino apenas pediu mais uns quantos segundos para a identificação clara dos hostis, pois dada a última actuação destes nesta secção do túnel, algo não estava de acordo com os seus procedimentos usualmente utilizados por estes Caminhantes da Morte: o Albino tinha a certeza que a reentrância não estava ali antes e por outro lado sabia que as criaturas que deveriam encontrar tinham uma reduzida capacidade racional e intelectual, o que os impediria sempre e por limitação – até de capacidade de manipulação adequada – a acederem a qualquer tipo de tecnologia avançada. Logo nem todos poderiam ser Alis pelo que outros elementos estranhos se tinham introduzido e integrado no grupo: na realidade além das duas dezenas de elementos detectados inicialmente, os equipamentos assinalavam agora três outros elementos cujo sinal no detector era idêntico entre si, mas muito diferenciado do apresentado pelos Alis. E foi esta nova situação que fez repensar a estratégia adoptada pelo Albino: responderiam ao ataque em força e sem restrições, recuando umas centenas de metros até um dos abrigos de emergência de que o túnel dispunha, onde repensariam o que fazer e tentariam por todas as formas descobrir aquilo que estavam na realidade a defrontar: a segurança de todo o grupo era o fundamental a preservar. Mas a questão principal a resolver estava nos outros três elementos não identificados: quem seriam?

 

A pressão exercida pelos hostis fê-los recuar rapidamente até ao abrigo onde o humano os esperava ansioso e com a sua arma em punho: somente na limpeza anteriormente efectuada no local há anos atrás, é que o humano tinha notícias dalgum tipo de resistência inesperada e de maior intensidade interventiva, mas nunca a um nível de segurança tão instável como este e que poderia, num cenário possível de se concretizar, pôr em causa um conjunto de elementos que deveriam ter uma actuação com parâmetros garantidos de segurança e de pura intrusão negativa. Além da instituição da violência como forma preferencial de intervenção estar longe dos horizontes dos Albinos e dos seus aliados, nunca uma intervenção poderia ser levada a cabo pondo em risco desnecessário qualquer tipo de ser vivo racional ou irracional – isso era uma regra sagrada. Mas algo parecia no entanto ter feito perder momentaneamente a cabeça do Albino, posto perante um facto para ele impossível de ocorrer – por dever de ter sido anteriormente previsto e acautelado – acrescido duma advertência inadmissível feita à sua espécie (e a outras) por uma outra raça ou espécie que estaria a colaborar com os Alis, instrumentalizando-os activamente e certamente em nome particular e abusivo, o que ele nunca poderia admitir. No exterior e rodeando o abrigo onde se encontrava o Tobias, os elementos hostis procuravam desesperadamente uma entrada, com dois elementos mais recuados a observarem a cena e um terceiro que parecia estar a falar com alguém através do que parecia ser um comunicador ao mesmo tempo que transmitia alguns dados e imagens através do seu portátil. Apesar do sistema redundante que os protegia no interior do abrigo, o Albino reconhecia que a situação era cada vez mais insuportável e perigosa, pois um dos elementos de análise tinha contornos imprevistos e desconhecidos e de momento não viam forma de ultrapassar o problema: tinham que reagir de imediato se queriam reocupar a sua anterior posição dominante.


Centro de Dados

 

O humano que acompanhava o grupo do Tobias já tinha cumprido a sua vigésima regressão ou seja, mais de seiscentos anos de idade. Nascera por volta do ano de 1400 numa remota aldeia perto de Alcácer do Sal, sendo filho único duma família de humildes trabalhadores da terra vivendo do gado bovino e da cultura do arroz e que nesse ano distante do início do século XV se vira de um momento para o outro sem trabalho nem dinheiro, sendo expulsa do barracão onde vivia e lançada na mendicidade na periferia de Lisboa. A sorte dele residira na sua adopção por parte dum membro rebelde mas bem colocado do clero da altura, que vendo-o um dia completamente sub-nutrido e mal tratado perto da entrada da sua igreja, o introduzira sub-repticiamente nela, tratando-o e alimentando-o em segredo na sua habitação oficial. Aí recuperara o tempo suficiente para se curar e ambientar, sendo posteriormente entregue a um nobre bastante rico conhecido como o dono dos distantes e misteriosos territórios do Algarve – considerado em Lisboa e na má língua como meio excêntrico, senão louco e apologista de feitiçarias e de mulheres – que o levara consigo até aos confins de Portugal e no meio da sua vastidão e daquele doce clima mediterrânico, o educara e fizera crescer, preparando-o para “Aquele que Sempre Seria”. Um grupo de sábios dos mais eminentes agrupando terrestres e extraterrestres aliados numa Coligação de Interesses Comuns reunira-se no cume do mais alto monte da sagrada Serra de Monchique, para analisar entre outros casos “o que fazer do jovem humano” de modo a aproveitar ao máximo a sua juventude e o seu período de formação cumprido – como curiosidade com resultados excelentes em todos os parâmetros qualitativos e quantitativos analisados. Tinham decidido por unanimidade a sua imediata incorporação no contingente de humanos que estaria na base da ligação entre as chefias e todos os níveis existentes até à base da pirâmide: teriam como contrapartida a garantia de todas as condições previamente exigidas e o direito ilimitado ao acesso a novas e consecutivas regressões, grátis e sem efeitos secundários. Pelo menos enquanto durasse o acordo. E com as suas vinte regressões consecutivas a sua experiência era de facto extraordinária, não sendo por mero acaso que ali se encontrava: o sucesso da fuga de todo o grupo estava agora nas suas mãos e ele sabia-o.

 

O nome João tinha sido atribuído pelo seu nobre senhor no próprio dia em que o acolhera nas suas hostes muito restritas de amigos e de familiares, tendo sido logo escolhido e sem pensar em homenagem ao seu rei D. João I e à sua gloriosa vitória militar alcançada na batalha de Aljubarrota – contra os brutos e malditos espanhóis – rei esse que mais tarde se casaria como nos contos de fadas com uma bela Princesa estrangeira e que seria conhecido para sempre como aquele que deu origem ao grande período da história do mundo, com o início da Expansão portuguesa. Durante anos e anos a sua participação em muitos factos importantes do quotidiano diário e comum do seu reino, tinham-no enriquecido muitíssimo tanto a nível cultural como militar, aumentando cada vez intensamente o seu desejo por novas coisas e aventuras sem limites e proporcionando-lhe uma total abertura para o conhecimento de tudo aquilo que poderia estar para além do que se conhecia ou que se suspeitava conhecer ou existir. Desde a sua participação ainda muito novo na viagem de Circum-Navegação ao Mundo sob o comando de Fernão Magalhães, como anotador e relator particular de viagem e espadachim qualificado, até ao auxílio prestado às populações da Península Ibérica durante os períodos terríveis e violentos das duas Guerras Mundiais e da Guerra Civil de Espanha, muito o João vira, assimilara e memorizara: com a maior parte da sua vivência associada à experiência adquirida ao longo duma vida cheia de movimento e de peripécias, o humano não pode deixar de recordar os tristes tempos da ocupação Filipina e sobretudo o momento do terramoto de 1755 e a recordação de toda a destruição provocada e das multidões de mortos, de feridos e de mutilados, todos abandonados à sua sorte e desgraça entre os escombros da cidade de Lisboa e as vagas do maremoto que se lhe seguira. Mas o que mais o tocara fora negativamente a violência irracional e desmesurada praticada durante a II Guerra Mundial, que terminara com as duas bombas atómicas lançadas sobre o Japão, provocando em segundos centenas de milhares de mortos e positivamente a viagem do homem à Lua e a conquista dum outro mundo que não o nosso, como se o sonho se torna-se realidade e a imagem se pudesse sobrepor ao objecto. Actualmente o problema residia na sistemática destruição do estado levado a cabo por uma minoria de pretensas elites das mais variadas espécies e raças, interiores ou exteriores, aliadas estrategicamente na tentativa de usurpação do espaço ilimitado e a todos disponibilizado, estabelecendo artificialmente, sem qualquer tipo de critério e duma forma indevida e prepotente, um tecto máximo de indivíduos para cada espécie ou raça: nem que para se garantir o objectivo primordial desta missão se tivesse que organizar e aceitar um genocídio legal, por necessidade de sobrevivência dos melhores de cada grupo de modo a evitar a extinção dos mesmos.


Turritopsis Nutricula

Um ser vivo Imortal capaz de reverter indefinidamente o seu próprio envelhecimento

 

O plano elaborado mentalmente foi exposto sem mais demoras pelo João:

- A base do seu plano assentava na utilização do escudo electromagnético de protecção e no seu equipamento portátil de emergência. O primeiro dar-lhes-ia uns minutos de protecção adicional caso os hostis conseguissem penetrar no abrigo, enquanto o segundo proporcionar-lhes-ia uma hipótese de fuga com fortes possibilidades de sucesso. Só era necessário estabelecer um plano de execução sem falhas imprevistas, que permitisse a execução ao segundo da implementação do escudo protector e de segurança, seguido posteriormente por um período de espera que teria que ser milimetricamente calculado, em função das movimentações exteriores entretanto registadas e das previsíveis acções propostas pelos três seres não identificados que acompanhavam e comandavam os Alis;

- O grupo de oito elementos refugiar-se ia inicialmente atrás do escudo protector, enquanto proporcionava ao grupo hostil invasor a possibilidade de se introduzir no interior do seu abrigo; ao mesmo tempo que estes se iam introduzindo no abrigo, as bio-máquinas ficariam encarregues de observar ao momento a movimentação dos três elementos que os comandavam na retaguarda, com o objectivo de os informar da previsível aproximação destes ao exterior do mesmo e do instante em que os mesmos transporiam a linha vermelha; essa linha vermelha representava o instante em que os três elementos hostis se colocavam numa posição propícia para o grupo do Tobias abandonar o local, utilizando o seu equipamento de emergência para se teletransportarem para um ponto no exterior do abrigo, situado na retaguarda dos três elementos que comandavam os Alis; no preciso momento em que as bio-máquinas sinalizassem esse momento de transposição da linha vermelha, seria despoletado um mecanismo temporizado associado a uma bomba de neutrões, que lhes indicaria o momento escolhido para o seu teletransporte; trinta segundos antes da explosão o escudo seria temporariamente desactivado permitindo a entrada no seu interior dos elementos hostis e a concretização do seu ataque final, forçando o grupo atacado a alguns segundos de resistência enquanto se iam rapidamente concentrando na área de transporte; no momento escolhido para o teletransporte – após sinalização das bio-máquinas – o grupo iniciaria o respectivo processo de transporte, abandonando o abrigo e fechando do novo o escudo protector, que assim aprisionaria os hostis no seu interior na companhia da bomba, que ao explodir eliminaria definitivamente a ameaça mortal que eles personificavam; a explosão iria de certeza atrair ainda mais os três elementos de chefia às proximidades do abrigo, o que proporcionaria ao grupo do Tobias uma óptima ocasião para os apanhar de surpresa (pelas costas) eliminando-os de vez;

- E assim ocorreu. Apanhados de surpresa os três elementos hostis que comandavam o grupo de Alis foram logo ali abatidos, tombando definitivamente sobre a superfície do túnel enquanto demonstravam um largo esgar de surpresa, mas também duma raiva – por final e sem retorno – brutal e incontida.

 

Ao todo tinham sido eliminados vinte Alis pertencentes ao grupo de Z que infestavam ainda as profundezas da Terra, mas o que mais interessou o João (o humano) e o Albino foram os outros três elementos que os tinham acompanhado: à primeira vista pareciam outros Alis, mas estes apresentavam-se muito mais bem tratados e com excelente aspecto, além de anteriormente terem demonstrado capacidades nunca atingidas pelos Alis, mesmo antes da sua instrumentalização e manipulação genética imposta pelos Teros, sob ordens dos seus aliados e promotores deste evento – os ET´s oriundos de Sirius. Não demorou muito tempo até chegarem a uma constatação que logo os pôs em estado alerta, pois se por um lado este episódio fora apenas uma confirmação dalgumas informações já recebidas mas ainda não confirmadas, pelo outro lado colocara-os a pensar nos perigos que uma nova mutação poderia provocar: estes Z que comandavam os restantes já não pertenciam a uma evolução dos Alis iniciais – os Z-XL – mas a uma nova mutação muito mais perfeita e dotada duma boa capacidade intelectual, já muito semelhante à dos Humanos e Albinos e podendo mesmo em certas circunstâncias ser confundidas com estes, o que poderia constituir um perigo eminente para ambas as sociedades – à superfície e subterrânea – dadas as grandes possibilidades de infiltração e sua não identificação como falsos Humanos ou até falsos Albinos. Em princípio tratar-se-ia de ex-Alis agora directamente transformados em Z-XXL, uma hipótese já anteriormente lançada pelos cientistas que estudavam e viviam no interior da Terra, a partir dalgumas informações nunca confirmadas e mesmo consideradas alarmistas, transmitidas por alguns Z-XL sobreviventes de combates travados com os Índis e Albinos e agora aprisionados em centros de investigação e recomposição. Estes Z-XXL seriam o protótipo produzido e pensado pelos ET´s vindo de Sirius para serem a sua primeira fila militar de infiltração e de ataque, seres esses que teriam como função limpar o sistema e refazer a estrutura dominante terrestre, como preparação para a invasão e colonização final. Posteriormente substituiriam toda a cadeia de comando da Terra fosse à sua superfície ou estivesse situada no subsolo, criando o ambiente ideal para a sua entrada no sistema terrestre e o seu usufruto total incluindo todos os seus seres vivos e a sua matéria-prima mais preciosa: em particular a água, os animais (a alimentação) e todas as fontes de energia renováveis ou não.

 

Abandonaram o local após algumas operações de limpeza efectuadas pelas bio-máquinas, contando para tal com o auxílio e orientação dos batedores que as acompanhavam. Ainda faltavam cerca de dois a três quilómetros de túnel até alcançarem Albufeira e tinham que estar preparados para outras situações inesperadas que ainda podiam estar à espera deles, no restante percurso do túnel ainda por desvendar e por percorrer.

 

Fim da 6.ª parte de 8

 

(imagens – WEB)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 12:56

Cenários Desenquadrados (5)

Sexta-feira, 11.10.13

Ficheiros da Desintegração

As Necessidades Extraordinárias do Gato Tobias

(sob critério SMALL)

 

Recolha de indícios, de lacunas e de outras descompensações, entre os mundos imaginados e a realidade dos humanos.

 

Um vírus de origem alienígena terá estado na origem da transformação dos Alis

 

O início da construção dos túneis nesta região sudoeste do continente europeu recuava uns milénios na História da Terra, ainda esta vivia na sua pré-história de desenvolvimento económico e social que mais tarde iria dar origem à sociedade moderna actual, com as suas cidades, estados e corporações dominantes: por esse motivo não existirem fontes credíveis que revelassem essa intervenção vinda do exterior, tão escassos eram os registos – de qualquer tipo – vindos dessa época, resumindo-se essas fontes a algumas lendas e tradições antigas que teriam chegado até hoje por mãos de terceiros ou então a algumas gravuras em pedra (ou noutro material de suporte) vindas de tempos ainda mais anteriores ao início da construção dos túneis e que relatariam encontros com seres extraordinários vindos de outros mundos situados para além dos Céus, dotados de extrema sabedoria e poder e dispostos a contribuir para uma rápida evolução da humanidade no seu caminho em direcção ao seu futuro pensado e idealizado. A raça exterior invasora e intrusiva teria assim operado sem grandes preocupações de segurança ou de invisibilidade, já que os humanos aí localizados estariam demasiado dispersos ou seriam mesmo inexistentes, não demonstrando ainda a mínima capacidade de constatação e compreensão deste tipo de eventos nem de intervir tentando modificar o acontecimento em curso: o medo acompanhava o seu quotidiano de procura e de sobrevivência e aquilo que ele nunca vira antes e não entendera depois, seria no fundo perigoso e a evitar – para si e para o seu possível grupo – não sendo motivo imediato de análise e/ou de registo, mas simplesmente ignorado e recalcado pela violência do seu dia a dia na Natureza Viva que o rodeava e pelo extremo terror que esses Deuses transportavam e transmitiam. E enquanto a vítima – o Terrestre – fugia em pânico do seu potencial predador – o Extraterrestre – este podia facilmente e sem testemunhas prosseguir tranquilamente a sua grande obra e projecto.

 

O Albino já sabia da existência destes estranhos e misteriosos túneis algarvios desde a última vez que a sua civilização subterrânea se lançara numa nova expedição – a 7.ª Migração de Busca e Controlo – já contando por essa altura com a preciosa colaboração de agentes amigos vindos do exterior, companheiros de viagem inestimáveis na sua campanha pela procura de novas zonas de implantação mais harmoniosas e seguras e propícias ao desenvolvimento mais cuidado da sua civilização. Estes seres exteriores tinham contribuído duma forma decisiva na luta empreendida contra a violência irracional exercida por parte dos Alis, promovida e incrementada pelos outros seres exteriores e intrusivos actuando a partir do seu posto localizado em Sirius (e que também manipulariam os guerreiros Deros), acabando os amigos exteriores em conjunto com os Albinos e os seus aliados Índis, por conseguirem terminar com toda a violência praticada pelos Alis, eliminando-os e restringindo outros grupos a zonas fechadas e controladas e sem acesso às suas antigas vítimas; salvo alguns grupos não detectados e que por vezes se tornava impossível prever a sua localização ou origem e que por vezes apareciam mais à superfície. Era um desses casos que estivera na origem dos últimos acontecimentos, desde o aparecimento do buraco na praia do Peneco, até ao problema de segurança agora existente no túnel final de ligação a Albufeira.

 

E enquanto o Tobias esperava, o Albino ainda lhe forneceu um documento com algumas informações adicionais sobre Sirius:

- Sirius era um sistema binário constituído por duas estrelas Sirius A (o cachorro – a mais brilhante) e Sirius B (o cachorrinho) com mais de 200 milhões de anos. Teria sido motivo de culto e de adoração por culturas muito antigas como a que existiu ao longo do vale do rio Nilo no Egipto com os seus templos e faraós, ou como na civilização grega (e na sua mitologia) com os cães de Orion a serem elevados aos céus por Zeus com a colaboração da estrela Sirius; sendo ainda utilizada e associada na Idade Média como um símbolo cabalístico. Um dos principais mistérios associados a este sistema binário relacionar-se-ia com os conhecimentos que uma antiga tribo do Mali teria sobre esse sistema – a tribo Dogon com mais de 5.000 anos e que muitos ligavam à civilização egípcia – mesmo antes dele ter sido descoberto pelos astrónomos, dado o mesmo só ser invisível a olho nu; o mesmo acontecendo com os gregos que já saberiam antecipadamente que estavam perante uma estrela dupla. Um mistério que só fez aumentar a especulação à volta deste sistema e que levou a considerar-se a hipótese deste poder ser habitado por uma civilização tecnologicamente muito avançada e que já nos teria vindo visitar desde há milhares de anos.

 

O Tobias observou a planta detalhada do túnel que o Albino lhe tinha acabado de fornecer. Tinha uma extensão aproximada de dez quilómetros, subdividindo-se em três secções distintas e isoladas umas das outras: uma secção que iria da vila de Paderne até às Ferreiras, uma segunda que ligaria as Ferreiras até uma zona adjacente ao parque de campismo e finalmente uma última secção que iria ter a uma saída já com o mar à vista, localizada entre a Praia dos Pescadores e a Praia do Túnel – uma antiga saída fechada com um portão de ferro e pretensamente utilizada para o escoamento das águas pluviais, agora desactivada e desaparecida. O Tobias ainda reparou que a planta apresentava num dos seus cantos inferiores um esboço mais detalhado da parte final do túnel, terminando este no seu percurso final numa pequena galeria com alguns níveis superiores, galeria que por sua vez se bifurcava em três troços alternativos que iam todos dar ao mar: uma saída intermédia referenciada atrás, uma que se dirigia a este e a outra a oeste. Mas essas saídas laterais estavam aí indicadas como inutilizadas.

 

Tinham que partir: a hora do almoço já tinha passado há muito tempo e nem tivera ocasião para avisar o Dog. O que pensaria o seu amigo e companheiro por não ter aparecido ainda em casa ou por não dito qualquer coisinha que fosse? E a sua “família” lá em casa? Deviam estar extremamente aflitos com a sua ausência, especialmente os mais novos, que tanto elogiavam a sua inteligência e perspicácia aos seus amigos, cobrindo-o de festas e de elogios. Nunca esquecendo o pai que um dia sem que ele pedisse nada ou nada lhe pedissem, sem hesitar, o encontrara e adoptara. Então o Albino reapareceu e lá arrancamos para Albufeira.


O gato Tobias

 

A primeira secção não excedia os cinco quilómetros. Tinha sido toda limpa e desinfectada há três semanas atrás, após a eliminação de todos os Z que indevidamente tinham violado a rede de segurança rodeando o túnel. Aproveitando uma fenda aberta na zona subterrânea do vale do Rio Arade e situada nas proximidades da cidade de Silves, os Z tinham obtido acesso indevido a níveis superiores situados no subsolo e aproveitando os canais de ligação que iam encontrando e seguindo ao acaso, chegado a uma porta de emergência há muito não utilizada e já muito deteriorada pela acção do tempo (e duma derrocada recente, por infiltração de águas provenientes do Arade): forçada a porta por acção da pressão de todos os Z que se iam comprimindo contra ela – cada vez em maior número – os apoios laterais tinham acabado por ceder, deixando perigosamente exposta toda esta secção do túnel. Os operadores de segurança só compareceriam uns dias mais tarde, quando os Z já tinham invadido toda a secção intermédia – cuja porta de comunicação se encontrava inexplicavelmente aberta – e começado a forçar a passagem para a secção mais a litoral (daí resultando o evento da praia do Peneco, que detonara tudo isto). Mas com o reforço da porta de transição entre a secção intermédia e a secção litoral e a limpeza total da secção inicial, restava apenas terminar a missão na zona seguinte (intermédia) e confirmar o cumprimento total do objectivo com a confirmação na secção final (litoral). A viagem foi feita num pequeno veículo eléctrico extremamente silencioso, que colocou em menos de quinze minutos o Albino e o Tobias à porta da secção intermédia: aí esperava-os um elemento equipado e armado como um militar, que após cumprimentar solenemente e com grande respeito o Albino, fixou atentamente e com muita curiosidade todos os movimentos do Tobias. Mas antes o Albino aproveitara os quinze minutos da viagem para falar um pouco mais e aí a personagem por ele eleita para a sua nova história a contar foi o Tobias. E mais uma vez disse o que aqui se resume:

- Tal como afirmara anteriormente o Albino já conhecia a história do Tobias, no sentido em que sabia como é que ele aparecera por aqueles lados e porque era assim tão especial. Tudo começara há uns anos atrás quando a mãe do Tobias ficara prenhe da sua primeira ninhada. Sendo uma gata semi-selvagem e sem dono conhecido, acabava muitas das vezes por se enredar no meio do mato situado nas proximidades da última casa por si adoptada, aventurando-se frequentemente em passeios de vários quilómetros e horas, onde muitas vezes encontrava companhia, divertimento ou comida, mas muitas das outras vezes se metia em sarilhos que por pouco já não lhe tinham custado a sua vida – pelo menos uma delas. Numa das suas aventuras conhecera o seu primeiro amigo, com o qual passara muito do seu tempo e fizera muitas das suas brincadeiras favoritas de juventude: encontrara-o a rondar uma nora ainda hoje intacta e situada numa propriedade rural à entrada de Albufeira, parecendo na altura muito atento à zona que andava a investigar e espreitando em todo o buraco que ia encontrando, chegando por vezes a desaparecer no interior de alguns deles e até a surgir como que por magia noutro buraco mais afastado. E tinha sido a maneira de ser do gato, a sua à vontade e o seu desejo de tudo ver e cheirar, que tinha entusiasmado a futura mãe do Tobias, tornando-a a partir desse momento sagrado companheira inseparável dele, até ao dia em que a carroça do Tio Manuel lhe passara por cima com uma das suas rodas de ferro, quando este entusiasmado e completamente cego ao que o rodeava, perseguia um pequeno coelho que lhe passara à frente a correr. Para a gata fora o pior dia da sua vida, não só por perder o seu maior amigo de sempre, como o pai dos gatos que aí vinham. Apesar da revolta inicial contra o velhote e o burro que com a sua carroça acabara por tirar duma só vez todas as sete vidas do seu amigo, a gata acabara por ficar a viver na propriedade do velhote, não só porque se encontrava próxima, era grande, bem tratada e bonita, como também por ser segura para viver, para além do velhote e da mulher gostarem muito de animais, tratando-os como se fossem seus filhos e dando de comer mesmo àqueles que por lá apareciam abandonados e esfomeados. Se nada de anormal acontecesse ficaria por ali no mínimo nos próximos dois a três meses até os gatos nascerem, então vendo com mais calma e liberdade o que fazer daí para a frente. Nessa altura o Albino pegou num pequeno e velho mapa de Albufeira e apontou a zona de que falara anteriormente e na qual a sua mãe andara e vivera por uns tempos: uma enorme propriedade na altura toda cultivada e cheia de árvores de fruto, assistida no seu sistema de rega primitivo por uma nora e localizada muito perto do local onde hoje se situa a Cocheira. Fora ali que a sua mãe iniciara a sua segunda grande aventura, que mais tarde daria origem a esse novo e engraçado produto chamado Tobias;

- A nora ficava precisamente na zona de fronteira entre a secção intermédia e a secção final do túnel subterrâneo. Como tinha sido um ano de chuvas constantes e intensas, os terrenos tinham abatido um pouco nalguns locais à superfície, por onde a água encontrava lugar e buracos para se infiltrar e desaparecer, criando novos canais de acesso ao seu interior, que mais tarde até serviriam de tocas de protecção para outros animais necessitados. E fora por um desses buracos mais largos e que rodeavam a zona que envolvia a nora – por acaso um dos lugares preferidos pelo antigo companheiro da mãe do Tobias, para se enfiar em buracos e desaparecer – que um dia a mãe se aventurara, nunca mais se esquecendo do que aí vira mas nunca percebendo completamente o que com lhe acontecera: do fim da história apenas se lembrava de acordar ao lado da nora com alguns morcegos a voarem por cima de si e a entrarem pela abertura da mesma, já a noite ia longa e todo o mundo dormia;

- No interior do túnel a primeira fase de limpeza biológica terminara e os operadores preparavam-se agora para a fase seguinte desta manutenção extraordinária, envolvendo uma primeira fase de monitorização e confirmação e uma etapa complementar de selagem, que seria posteriormente testada e aprovada através da utilização de localizadores/identificadores que transmitiriam no final e directamente à aplicação de Segurança, o nível de protecção atingido (e pretendido): um ou 100%. Em pouco mais de dez minutos satisfizeram as suas necessidades alimentares e fisiológicas e lançaram-se na fase final do seu trabalho: tinham à sua espera um bom par de horas de actividade mais de observação do que de intervenção, apesar dalguns pontos críticos que ainda estariam em causa e onde poderiam encontrar um ou outro elemento tresmalhado, do resto dos sobreviventes pertencentes ao bando dos Z. A sua única preocupação residia na possibilidade – apesar de tudo muito remota – de se puderem ver frente a frente com um caso dum exemplar Z-XL, uma mutação provocada e recentemente descoberta dos Z (zombies) originais e que acrescentaria a estes seres vivendo no limbo vida/morte capacidades adicionais a nível muscular e de raciocínio, que lhes permitiria melhor organização, planeamento e volume de violência dirigida. O que se aproximava demais e perigosamente a um tipo de organização elaborada e capaz de defrontar em termos de igualdade Albinos ou Humanos;

 - Foi no decorrer da derradeira inspecção realizada pelos operadores a algumas aberturas detectadas no subsolo sob o poço da nora – aparentemente de origem natural e provocadas pela infiltração de águas – que um elemento desse grupo de Z fora detectado junto a uma das aberturas com maior diâmetro aí existentes, mas que no entanto se revelara para o mesmo impossível de ser atravessada, como a entrada completamente esgaravatada e com terra espalhada em grandes montes à sua volta amplamente comprovava: o Z encontrava-se sentado no chão, com a sua cabeça um pouco descaída para a direita e com todo o seu corpo lacerado e num estado lastimável, apresentando ferimentos evidentes e profundos provocados pela tentativa de fuga forçada e infrutífera pelo buraco a seu lado. Inesperadamente lançou um olhar profundo e violento sobre o operador mais próximo de si, erguendo-se num segundo e lançando-se de imediato e como um alcoólico irracional e desequilibrado sobre a coisa que se mexia: os operadores foram fulminantes na sua actuação, neutralizando o Z e apanhando colateralmente a mãe do Tobias;

 - A gata tinha sido atingida por um dardo tradicional utilizado no processo de caça e captura dos Z, após a fase inicial de paralisação e condicionamento do mesmo: no momento dum sobressalto imprevisto um dos dardos acabara por falhar o alvo, indo atingir a gata em pleno ventre e penetrando o suficiente para perfurar a membrana que protegia os seus filhotes em formação. Um deles chegara a ser atingido sem gravidade, tendo os operadores e na sequência da transmissão de ordens superiores, introduzido através da ferida provocada pelo dardo uma nano sonda equipada com um dispositivo de ínfimas dimensões, que iria acompanhar a evolução do gato afectado e verificar como o seu corpo recebera e se adaptara à introdução deste produto, com algumas propriedades capazes de acelerar o metabolismo do animal. Acabado o tratamento e com a gata ainda anestesiada, esta foi levada por uma saída de emergência até à superfície e colocada ao lado do sítio por onde entrara anteriormente;

- O resto já era do conhecimento do gato Tobias: a mãe tivera a sua ninhada mesmo ao lado daquela que seria a sua futura casa e um certo dia como que por acaso, lá aparecera ele novinho e pequenino, miando aflito perdido da sua mãe e dos seus irmãos, acabando por cair que nem uma pedra redondinha, peluda e procurando aconchego, nas mãos das duas irmãs. Ainda antes de terminarem esta interessante conversa, o Albino e o Tobias ainda se riram e divertiram durante uns longos momentos, quando por iniciativa do Tobias falaram do Dog, desde sempre o seu melhor amigo de quatro patas e também o grande companheiro de brincadeiras – já que para os dois, a vida tinha que ser feita a brincar.

 

O raciocínio do gato Tobias foi muito simples e directo, tendo como comprovativo imediato o total sucesso alcançado com a sua inovadora e marginal experiência prática e laboratorial e com a consequente constatação e confirmação do sucesso pleno do upgrade aplicado, transformando um cão normal e sem objectivos e sonhos, num animal dotado de raciocínio e de capacidade de escolha. O que já não era tão pouco como isso, num mundo de humanos facilmente manipuláveis pelo valor aparente dos objectos, em detrimento dos nossos correspondentes de partilha – os outros sujeitos como nós e semelhantes como todos os outros. O método ainda fora mais simples: sabendo-se como se sabia que o ADN era controlado pela acção exercida sobre nós pelo meio ambiente – adaptando este duma forma progressiva e consistente os seus cromossomas à influência vinda do exterior – o Tobias resolvera num dia de maior ócio e de preguiça elaborar uma receita definitiva e milagrosa, que transformasse o seu amigo irracional e de quatro patas num ser bondoso e racional, que entendesse sem subterfúgios e outros géneros de compromissos não relacionados, a posição vertical dos seus companheiros e humanos. Nessa tarde quente e típica de Verão, com os humanos todos ausentes e a oficina completamente à sua disposição, o Tobias decidira implementar o seu plano de alteração molecular: primeiro aplicou uma forte descarga eléctrica proveniente duma bateria aplicada sobre o cão; afectando directamente as proteínas com esta alteração violenta e instantânea das características da corrente eléctrica, esperar uns segundos até esta se fundir na totalidade expondo de imediato o seu (novo/alterado) ADN; seguidamente aguardar durante uns minutos a evolução do processo, até que se verifique o aparecimento por fractura e divisão do organismo inicial, duma cópia do gene a alterar, replicado e readaptado sob a forma de ARN; finalmente esperar que a regeneração do ARN origine uma nova proteína, de acordo com os parâmetros pretendidos. A receita farmacêutica intermédia a aplicar durante todo este processo de intervenção e de aceleração molecular, tinha-a o Tobias retirado dum volumoso e obscuro livro publicado por um célebre alquimista árabe que passara pela Península Ibérica durante as últimas invasões, deixando-o para trás na sua fuga precipitada em direcção ao norte de África, face à violência e inclemência destrutiva das forças de reconquista cristã: obtivera cada uma das substâncias nos medicamentos existentes em casa e com eles dera à luz um novo cão, o Dog.

Dog: um cão de origem natural e locomovendo-se na horizontal (com a ajuda das suas quatro patas) que um dia sofreu um upgrade de melhoramento e erguendo-se apenas em duas das suas patas – agora na vertical – se tornou para a alegria do Tobias, em mais um ser racional.

 

Fim da 5.ª parte de 8

 

(imagens – WEB)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 12:31

Cenários Desenquadrados (4)

Quinta-feira, 10.10.13

Ficheiros da Desintegração

As Necessidades Extraordinárias do Gato Tobias

(sob critério SMALL)

 

Recolha de indícios, de lacunas e de outras descompensações, entre os mundos imaginados e a realidade dos humanos.

 

Manuscrito

“A Epopeia de Gilgamesh” e a descrição do Dilúvio

 

E aí o Albino aproveitou a ocasião para se referir a uma das primeiras civilizações conhecidas (e por ele uma das mais admiradas) e que se tinha destacado das restantes na sua organização social, invocando como fonte e testemunha o insuspeito rei Assurbanipal e o seu trabalho de recolha de lendas e tradições antigas, reunidos na magnifica obra literária intitulada “A Epopeia de Gilgamesh”. Mas teriam os humanos compreendido, a verdadeira (e subliminar) mensagem presente na Epopeia de Gilgamesh? Segundo o Albino, Entidades Extraterrestres teriam criado uma réplica perfeita e muito próxima de Gilgamesh, de modo a que com a sua colaboração pudessem controlar a sociedade em que o original replicado reinava e assim poderem participar na evolução da mesma. Com o que não tinham contado fora com a evolução inesperada da réplica no seu trajecto conjunto com o seu original, dado que no decorrer da respectiva viagem partilhada, este tinha alterado completamente os parâmetros de análise que lhe tinham sido impostos pelos extraterrestres, assumindo definitivamente o seu objecto e partilhando com ele o objectivo de ambos – desobedecendo aos extraterrestres e chegando mesmo a desafiá-los. E a reacção destes tinha sido imediata: matando a réplica de Gilgamesh – matando a imagem, eliminariam o objecto – e enviando à Terra um seu agente vingativo e ameaçador – e posterior herói do Dilúvio – que simplesmente lhe diria, negando-lhe a Imortalidade: "A vida que você procura nunca encontrará. Quando os deuses criaram o homem, reservaram-lhe a morte, porém mantiveram a vida para sua própria posse." (A Epopeia de Gilgamesh). “Herói” esse responsável pelo próprio Dilúvio, quando transmitindo aos seus senhores a rebeldia de Gilgamesh, teve como resposta imediata destes os efeitos catastróficos provocados em toda a Terra, por acção duma inversão provocada dos pólos magnéticos terrestres.

 

Interrompendo de seguida as suas reflexões, o Albino continuou a contar a sua história:

- Mas fora durante o último período que o mais importante sucedera: e então a partir do início do calendário cristão tudo se tornara mais evidente, não só pelas constantes intervenções vindas do exterior e contando já com a colaboração de grupos escolhidos e restritos de terrestres, mas fundamentalmente pelo assassínio brutal e injustificado de um dos seus enviados oficiais ao planeta, apenas por querer difundir a sua Mensagem. A partir daí a intervenção exterior tornara-se mais dura e intrusiva, tornando-se em contrapartida mais diluída e mesmo indetectável, com os sucessivos acontecimentos sangrentos que se seguiram e que esconderam e fizeram esquecer a identidade dos seus verdadeiros provocadores: agentes exteriores actuando em perfeita sintonia, com os seus aliados secretos integrados na estrutura interna do poder. E com a construção de bases secretas no interior do próprio planeta, esta raça de alienígenas iniciara o seu processo de colonização final, que só terminaria com a sua vitória ou por acção duma outra espécie muito mais poderosa. Quanto a isso ninguém oriundo do exterior se tinha interessado até hoje com este canto imperceptível do Universo, razão pela qual os alienígenas não previam que surgisse algo que os demovesse do objectivo de concretização das suas superiores intenções. Exemplos dessa estratégia de intervenção prepotente e descarada eram muitos: só nos últimos cem anos as duas Grandes Guerras Mundiais, coroadas com uma cereja em cima do bolo com a explosão das duas bombas atómicas sobre o Japão; a injustificada Guerra do Vietname, levando a ferocidade dos combates até ao extremo e servindo mesmo para promover a utilização de drogas no dia a dia monótono mas infernal dos soldados; e até se fossem mais para trás a importante participação dos extraterrestres/alienígenas/estrangeiros/exteriores na própria criação e fundação dos Estados Unidos da América – iniciada com a declaração de independência em 1776 e confirmada com a elaboração da sua constituição actual doze anos depois – hoje em dia e duma forma incontestável considerada uma das maiores (senão a maior) potência à face da Terra; e se fossemos mais para a frente os assassinatos premeditados e sem constituição de culpados envolvendo John Kennedy e Martin Luther King, o fim estranho e nunca verdadeiramente esclarecido das missões tripuladas Apollo à Lua (ou a outro sítio qualquer) e até o horrível atentado do 09/11 provocando milhares de mortos, com todo o mundo (ou submundo?) a assistir à queda registada em directo e em vídeo das duas torres gémeas, tal como se estivesse a ver a estreia universal do último êxito de Hollywood numa sala privativa, isto tudo acontecendo sem qualquer tipo de interrogação ou dúvida oficial, apesar de muitos sectores da sociedade americana não aceitarem as explicações apresentadas por não corresponderem à realidade dos factos. Mais tarde seriam de novo mimados e instrumentalizados com a continuação da Saga Bush: e espalhados por todo o mundo (mesmo num buraco como Bin Laden) todos os seres humanos assistiriam à hora do jantar, confortavelmente instalados no sofá, com uma bebida na mão e à hora programada no guia televisivo, o bombardeamento em directo da capital do Iraque Bagdad e o início duma carnificina e a destruição duma sociedade.


As enormes e perfeitas pedras de Baalbek

Mistério envolvendo uma super-civilização desaparecida que terá atingido o seu ponto mais alto de desenvolvimento em plena Pré-História

 

Muito faltava ainda para dizer. Mas infelizmente o Albino tinha plena noção do curto espaço de tempo de que ainda dispunha para poder continuar a sua exposição. Além disso ainda tinha que ajudar o Tobias a transpor a ultima fase do seu percurso subterrâneo. Essa a razão porque acelerou na sua exposição, eliminando alguns detalhes que desejaria aprofundar e limitando-se aqueles que mais imediatamente poderiam afectar o Tobias, os seus amigos e até os habitantes da região. Começou então o sua última intervenção, sem antes comunicar algo através do seu intercomunicador e que me transmitiu logo de seguida: o Dog já tinha chegado a casa e tudo estava bem com ele. E para finalizar acrescentou:

- O Albino começou por afirmar pertencer tal como os outros seres humanos habitando a superfície a um ramo comum de seres vivos descendentes dos primeiros organismos, que se foram adaptando, agrupando e evoluindo durante a última etapa de formação do planeta Terra: uns teriam optado por continuar a viver na “sopa original” que mais tarde tinha dado origem ao aparecimento dos oceanos, outros ter-se-iam lançado para fora desse “prato de fabrico original” invadindo progressivamente a terra e introduzindo-se nela cada vez mais profundamente, enquanto os restantes se tinham lançado à conquista dos ares, desenvolvendo um corpo aerodinâmico sustentado por dois membros adaptados ao voo e à sua sustentação. Pertencendo ao segundo grupo – tal como os outros seres humanos – a raça de Albinos acabara por encontrar protecção no subsolo da Terra, adaptando a sua vida às condições que esta lhe oferecia e vivendo em extensas galerias subterrâneas inicial e maioritariamente de origem natural, mas posteriormente complementadas com a construção de novas e modernas instalações subterrâneas, tal e qual como as edificadas à superfície: o nível de organização e de estruturas sociais e económicas era muito semelhante aos existentes à superfície, mas apesar do contexto onde estavam inseridos – uma reunião de diversos conjuntos limitados/fechados ao contrário da superfície, uma intersecção de conjuntos ilimitados/abertos – tinham-se tornado numa sociedade mais avançada tecnologicamente comparando-a com a outra. Talvez o ambiente fechado onde viviam tivesse suscitado por um lado um maior recolhimento e isolamento pessoal transformando-os em seres extremamente introspectivos, mas por outro lado essa sua característica solitária e filosófica, levara-os a dirigirem a sua investigação para lá dos seus próprios limites físicos e ambientais, pondo-os a explorar o espaço para lá da Terra, mesmo não o vendo mas sabendo da sua existência e da existência de outros seres e civilizações exteriores à deles – ao contrário dos seus irmãos da superfície, que absorvidos pelo seu quotidiano extrovertido mas cronometrado, viravam todos os dias as costas ao Céu, ignorando mesmo à noite a beleza oferecida e exposta à vista desarmada, do nosso Universo sem fim. O maior desenvolvimento tecnológico desde sempre assumido e amplamente concretizado por esta civilização de Albinos, estaria ligado ao desenvolvimento na área das Telecomunicações, sector onde tinham investido muito do seu conhecimento e experimentação na tentativa de contacto com outras civilizações exteriores, semelhantes ou que assumissem o mesmo desígnio da deles: já que para os Albinos a manutenção da sua segurança era fundamental. Assim tinham criado um sistema sofisticado mas simples de telecomunicações quase instantâneas – fosse qual fosse a distância pretendida e o meio material que tivessem que atravessar – introduzindo-se aleatoriamente em feixes electromagnéticos já existentes e em constante trânsito no interior do Universo a velocidades que esmagavam a velocidade da luz e que ainda por cima seriam indetectáveis – excepto para os seus operadores-remetentes e se assim o desejassem para o seu operador-destinatário – dada a infinidade de sinais naturais ou mesmo artificiais lançados constantemente no espaço. Teria sido dessa forma que num dia já há muito perdido no seu passado distante, a civilização de Albinos teria comunicado pela primeira vez com os seus “semelhantes e irmãos” Teros – uma raça alienígena incompatibilizada com aqueles que vindos do exterior procuravam exercer a sua predominância e poder ditatorial sobre o planeta, desrespeitando completamente a autonomia das suas populações indígenas e a ajuda solidária dos seus irmãos de armas Deros, mais impulsivos e totalmente obcecados pela conquista do poder – construindo e reforçando a partir desse momento uma aliança mágica, duradoura e respeitosa que ainda se estendia aos dias de hoje.


Mamute

 

Acrescentou ainda que a opção tomada e assumida pela sua civilização em viver no interior da própria Terra, tinha como base três razões fundamentais:

- Os primeiros tempos de formação do planeta Terra – ocorrida há quase 5.000 milhões de anos – foram a nível da sua evolução e constante adaptação geológica bastante violentos, tendo mesmo durante um período de quase 1.000 milhões de anos sido frequentemente atingida pelo impacto dum número incontável de meteoritos. Como consequência deste mundo inicial onde imperava a violência e ocorriam constantes e brutais alterações na própria estrutura geral do planeta, o primeiro sinal de vida aparece apenas 2.000 milhões de anos após a sua formação com o aparecimento da primeira bactéria. Mas só há menos de 2 milhões de anos é que se deu início à evolução final do Homem, com o seu corpo a assumir a sua anatomia moderna a partir da altura que abandona o seu continente original espalhando-se por todo o mundo – há cerca de 200 mil anos – ao mesmo tempo que o seu comportamento e atitudes tomadas se começam a tornar cada vez mais semelhantes com as actuais – há 50 mil anos. O mesmo se terá passado em paralelo e com um processo básico semelhante com a criação da civilização de seres Albinos, que se terá adaptado definitivamente ao seu ambiente fechado e subterrâneo, não só devido à sua personalidade genética extremamente fechada e introspectiva, elaborada e consolidada ao longo duma vida solitária mas também de muito esforço de agregação e de consolidação colectiva, como ao receio permanente de possíveis impactos futuros doutros meteoritos com a superfície da Terra e das trágicas consequências que os mesmos poderiam provocar. À superfície esse era o principal perigo que os humanos corriam ao contrário deles os albinos, profundamente enterrados no interior da Terra em bolsas consolidadas e bem afastadas das principais zonas de risco. Assegurada essa protecção fundamental, a sociedade poderia assegurar a sobrevivência da sua civilização e o estabelecimento das condições propícias para a sua evolução;

- Sendo uma raça diferenciada das restantes, os Albinos tinham chegado àquele ponto da sua evolução por necessidade de adaptação ao meio envolvente com que se tinha deparado aquando da sua criação e formação, mas também por vontade própria de assumirem este combate como forma de se fortalecerem física e mentalmente, face a um ambiente duro e exigente, mas construtor de personalidades – como as suas extremamente fechadas sobre as suas reflexões, mas sempre abertas a experiências vindas do exterior. Por esse motivo os Albinos julgavam-se mais fortes e motivados para o mundo, comparando-se com os seus próprios irmãos vivendo à superfície ou com aqueles seres vivos que tinham escolhido o mar ou o ar para edificarem o seu mundo: os primeiros tinham escolhido uma vida de espera e de expectativa, olhando sobranceiramente e duma forma prepotente (e induzida) o Universo que os rodeava e sustentava solidariamente – numa partilha absoluta, incondicional e sem qualquer tipo de exigências e contrapartidas (e como tal ingénua) – e dispondo-se (mesmo assim) face ao poder dos seus amos (num contexto geral de subserviência) e ao seu comportamento materialista e egocêntrico, a sujeitarem-se ao momento sagrado da espera e da sua correlacionada e respectiva compensação, acabando no final e num momento de consumação e de consagração oficial, por se acomodar como um santo às exigências do poder; quanto aos segundos e terceiros tinham escolhido o caminho mais fácil de percorrer, uns ficando no conforto do seu lar original, materno, aquático e sem necessidade de migração e os outros usufruindo duma prerrogativa anatómica capaz de fortalecer a sua capacidade de visionar e de se aperceber da totalidade do mundo perceptível, utilizando a sua capacidade de voar, planar e analisar. A estrutura mental dos Albinos era definida pela sua luta constante em favor da vida e do indivíduo – sempre em nome do sujeito e utilizando ou manipulando o objecto – e na melhoria das suas condições de vida: a solidão provocava a Iluminação, tal como a especialização (sem controlo), provocava a degradação do conhecimento;

- Finalmente a questão do isolamento dos Albinos e da sua necessidade de disporem de tempo e de espaço, de reflexão e de análise – uma das explicações que o Albino esteve prestes a esquecer e a deixar para trás, não justificando a sua tentativa de negação através das informações anteriormente prestadas, mas assim procedendo unicamente porque esse relato iria colidir com o seu passado temporário e caótico, mas necessário e violento: tal como os seus irmãos humanos vivendo à superfície, os Albinos tinham lutado contra outras espécies candidatas à supremacia e à dominação dos espaços, para desse modo poderem invocar e conquistar o seu território e nele instalarem os seus grupos e aliados – o problema é que tinham travado um duelo brutal de vida ou de morte com outra espécie subterrânea, que ainda hoje não estava completamente resolvida. E que tinha dado origem à proliferação dos mais diversificados e estranhos relatos e histórias envolvendo essas bizarras criaturas, os zombies. Assim como as histórias à volta dos seus principais inimigos – as Titanis – aves carnívoras de porte médio e totalmente imunes a qualquer tipo de contágio proveniente dessas criaturas.


TITANIS – As Aves do terror

 

Quando os Albinos começaram a colonizar o interior do planeta Terra, já muitos outros animais tinham ocupado esse mesmo território. Muitos deles representavam ramos paralelos das espécies irmãs vivendo à superfície, que tinham nascido e vivido desde sempre no subsolo do planeta – em locais mais ou menos profundos – ou que teriam migrado para esse território porque se encontravam em fuga da superfície, ou à procura de um novo mundo e duma nova esperança. Aí chegados e enquanto foram evoluindo e adaptando-se ao seu novo meio envolvente, nada de assinalável se passou que pudesse interferir no seu acondicionamento e fixação, mantendo todos os animais que aí habitavam uma postura não intrusiva e tolerante e respeitando tacitamente um nível mínimo de distância entre eles e os outros, de modo a não existirem qualquer tipo de contactos ou ideias de invasão: cada um dos animais observava as movimentações dos restantes grupos aí inseridos e compartilhando o mesmo espaço, não só para a manutenção da sua protecção e segurança, como para informar os outros animais de que estavam atentos e que as fronteiras mesmo que virtuais eram para respeitar. Apenas dois grupos demonstravam alguns níveis elevados e preocupantes de intolerância, a que não era estranha a sua mais elevada capacidade de raciocínio e o seu bem evidente poder físico e muscular: os Índis e os Alis. Os primeiros representavam os seres vivos originais deste Mundo Subterrâneo, enquanto que os segundos representavam uma espécie invasora que inicialmente tinha sido tolerada pelos Índis – pois os Alis sempre se tinham mostrado aparentemente receosos, fugindo e escondendo-se em segundos quando se viam frente a frente com a outra raça mais activa e corpulenta – mas que com o decorrer do tempo e do seu rápido processo de assimilação e adaptação ao meio interior, se tinham revelado cada vez mais imprevisíveis, adoptando atitudes irracionais e extremamente violentas. Nos primeiros tempos os conflitos ainda foram passando despercebidos (por esporádicos) à comunidade crescente de Albinos, mas a pressão que esta civilização organizada começou a exercer sobre os outros grupos de seres vivos que por ali também viviam, começou a incomodar duma forma profunda e perigosa os instintos de domínio e de expansão natural dos Alis, levando-os a tomarem atitudes de arrogância e de desprezo absoluto para com as outras espécies e que atingiram o seu pico máximo tempos atrás com a tentativa de extermínio definitivo dos Índis, acusando-os de subserviência para com os Albinos e de estarem aliados a eles apenas para se sobreporem aos Alis – que se consideravam superiores em tudo – e os destruírem com a sua colaboração. O inaceitável aconteceu quando um grupo numeroso da Alis em perseguição a outro grupo de jovens Índis irrequietos, não respeitou os limites considerados mínimos para os Albinos, ultrapassando a linha vermelha e causando muitos danos e feridos entre a comunidade de Albinos durante a sua abrupta passagem: desrespeitando todas as regras de convivência e de partilha e tendo atingido um estado de loucura irreversível pelo controlo total dos outros seres inferiores, o conflito tornou-se inevitável colocando dum lado os Albinos e os Índis e do outro os Alis. O conflito terminaria no entanto num relativo e curto espaço de tempo dada a disparidade das forças em presença, com a civilização Albina a esmagar completamente qualquer pretensão abusiva dos Alis. Acabariam desterrados para zonas mais profundas no interior do planeta Terra, zonas essas isoladas por razões de segurança por camadas de terra e de rochas que permitissem a manutenção dos Alis em locais controlados e fechados e sem acesso possível a sectores habitados situados a outros níveis ou até mesmo à superfície. No início foi grande a violência provocada (e suportada) pelos Alis, acabando estes por ceder e por recuar de vez para os seus esconderijos e labirintos; em cima ficaram os Índis excelentes trabalhadores e companheiros que rapidamente se inseriram na civilização Albina e tomaram em mãos a preservação da fauna e da flora subterrânea e o importantíssimo sector dos alimentos e da agricultura.

 

Mas tudo se alterou com o passar do tempo, tornando-se a situação muito mais grave com a chegada dos primeiros Deros – tal como os Alis impulsivos e violentos, mas solidários com os seus irmãos Teros.

 

Os primeiros textos referindo-se à chegada dos extraterrestres à Terra tinham pouco mais de cinco mil anos, coincidindo o seu aparecimento com o início da utilização intensiva da escrita documental em suporte material (de fácil transporte), de modo a que mais regularmente os seus generais e diligentes representante pudessem com a maior das clarezas e rapidez, começar a divulgar as ideias dos seus reis poderosos e dos seus deuses invencíveis. Utilizando pequenas naves ultra-rápidas oriundas duma base situada a alguns anos-luz da Terra na constelação de Canis Major – nas proximidades da estrela Sirius a quase nove anos-luz da Terra – as primeiras missões enviadas ao planeta tinham sido de pura observação e de simples registo, tendo-se evitado na esmagadora maioria dos casos qualquer espécie de contacto ou outro tipo qualquer de intromissão indesejada. No entanto nem todas as visitas vindas do exterior poderiam ser controladas por não previstas e desconhecidas, pois o Universo era imenso “e cada vez maior”, tal como as raças que o habitavam, muitas delas ainda desconhecidas e não catalogadas. Uma dessas raças de ET’s ocuparia mais tarde um lugar privilegiado nas relações com um grupo restrito e poderoso de seres humanos habitando um dos continentes mais desenvolvidos da Terra, estabelecendo desde o seu primeiro contacto uma aliança exclusiva e secreta com esse poderoso grupo de humanos e cedendo-lhe alguma da sua tecnologia revolucionária mas menos agressiva. Teriam sido esses os instigadores da luta brutal e sem quartel entre os Alis e os Índis – acabando também por envolver os Teros – que os transportariam a um final trágico de espectáculo, com o episódio da morte deplorável e criminosa de milhares de indivíduos nos dois campos de batalha e afectando particularmente os Alis, quase os levando à extinção: experiências realizadas por sugestão dessa raça intrusiva de ET´s e contando com a colaboração dos Teros – verdadeiros guerreiros, mas incapazes de mínima reflexão e compreensão – acabaria por afectar profundamente e duma forma acelerada a estrutura de ADN dos Alis, desacelerando drasticamente o seu metabolismo e tornando-os mais susceptíveis da pratica de actos oportunistas, violentos e bestiais, chegando ao extremo do canibalismo indiscriminado. Um vírus transformativo e reorientador da cadeia de ADN tinha sido introduzido no corpo dos Alis com a intenção pontual de os fortalecer – tornando-os muito mais eficazes em combate – mas o resultado tinha sido uma verdadeira catástrofe, transformando-os em verdadeiros zombies sem noção de tempo, estratégia ou memória. O que se passava agora e que se reflectia temporariamente na segurança e acessibilidade do túnel, estaria ainda ligado ao problema surgido com os grupos ainda dispersos de Alias, que por vezes se escapavam em grupos mais ou menos numerosos das galerias profundas ode se encontravam retidos, invadindo zonas proibidas e no entanto consideradas neutras, mas que por outro lado se abriam a outros canais de comunicação, muitos deles não identificados nas cartas conhecidas, mas podendo-se ligar a níveis superiores com acesso reservado. O que nunca deveria ocorrer ou originar-se-iam casos graves e de difícil resolução, como os verificados com este troço de túnel: os zombies tinham-se introduzido recentemente e sem que ninguém o esperasse nesta secção subterrânea que ligava Paderne a Albufeira e se não fosse a rápida intervenção do responsável por esta zona em colaboração estreita com o ser humano que o Tobias vira nas instalações subterrâneas onde ainda se encontrava, as consequências poderiam ter sido muito graves.

 

Fim da 4.ª parte de 8

 

(imagens – WEB)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 12:00

Cenários Desenquadrados (3)

Quarta-feira, 09.10.13

Ficheiros da Desintegração

As Necessidades Extraordinárias do Gato Tobias

(sob critério SMALL)

 

Recolha de indícios, de lacunas e de outras descompensações, entre os mundos imaginados e a realidade dos humanos.

 

Mundo Zombie

 

As primeiras referências ao Castelo de Paderne remontam ao final do século XII e ao reinado de D. Sancho I, um período da História de Portugal que ainda apanhou a invasão e ocupação – e posterior fuga – de territórios do sul da Península Ibérica por parte de tribos árabes provenientes do norte de África. Mais tarde e com a sua perda de importância militar face ao fim das invasões muçulmanas e ao início da aventura dos descobrimentos portugueses, o Castelo perdeu a sua importância estratégica, acabando progressivamente por ser abandonado e ocupado pelas populações locais, que ignorando a sua simbologia nacionalista – XXXX – o deixaram cair em ruínas nos anos que se seguiram. Já em pleno século XVIII e com o terramoto de 1755 foi dada a machadada final na sua estrutura, actualmente em grande parte desaparecida ou em avançado estado de ruínas: restando nos dias de hoje algumas muralhas, a Torre Albarrã e as paredes em ruínas da Capela.

 

Quanto à história desconhecida que envolvia a criação destas construções misteriosas edificadas no seu subsolo profundo, eram poucas as informações conclusivas que pudessem esclarecer definitivamente a sua origem: as poucas informações fornecidas pelo documento denotavam algum secretismo na divulgação de certos aspectos mais sensíveis sobre toda a história envolvendo os seus possíveis construtores, construindo o próprio documento uma nuvem espessa e opaca que não deixava ver para além do que os próprios autores desejavam, mas deixando no ar a forte possibilidade destas construções serem da autoria e responsabilidade duma raça misteriosa de seres extremamente eruditos, vindos de paragens muito distantes e situadas para além do Sol. Uma das razões subentendidas e expressas muito levemente nas poucas e limitadas páginas do documento – sobre essa raça vinda dum mundo distante – atribuía-lhes uma missão levada a cabo pelos mesmos em nome da protecção e da segurança das populações locais e zonas circundantes, que segundo estes correriam um grande perigo de intrusão violenta e extrema, devido a possíveis acções levadas a cabo por entidades vindas do exterior do mundo conhecido, completamente desestruturadas e actuando sem qualquer tipo de limites ou respeito – fosse pelo que fosse que encontrassem à sua frente – e lutando ferozmente mas sem grandes hipóteses de sucesso contra um vírus degenerativo e mortal criado em experiências de laboratório por eles próprios levadas a cabo e que tinham afectado inesperada e definitivamente toda a sua espécie. No último parágrafo do documento o seu autor ainda acrescentava que apesar da ameaça inicial ter sido aparentemente sustida, nem todas as questões daí decorrentes tinham sido completamente esclarecidas, desconhecendo-se se essa raça deixara definitivamente de constituir uma ameaça ou se algo relacionado ficara por resolver. De resto nada mais esclarecia.

 

E aí o terceiro documento parecia ser muito mais esclarecedor: o próprio nome atribuído pelo povo a estes “seres humanos alterados” fazia lembrar ao Tobias as histórias modernas em torno dos Mortos-Vivos, levando-o a recordar-se do terror que os mesmos provocavam entre os vivos – pelo menos nos filmes e séries ficcionadas – associando-os às mortes mais terríveis de suportar: morrer e continuar morto entre os vivos, sem nenhuma possibilidade de ressurreição ou reencarnação – depois dum Inferno de Vida só mesmo uma Morte Infernal.

 

Consultando como sempre a sua “inseparável e incorporada” bio-agenda, o gato Tobias pôs-se num instante ao corrente de algumas informações de arquivo relacionados com estes Caminhantes da Morte, incluindo das suas possíveis origens. Muitos dos links encontravam-se de momento inacessíveis ou indicavam terem deixado de existir. No entanto e contornando algumas protecções de segurança impostas pelos sites, lá conseguiu chegar ao seguinte:

 - A origem dos Caminhantes da Morte – hoje em dia vulgarmente conhecidos como Mortos-Vivos ou Zombies – estava inicialmente associada à religião afro-americana praticada no Haiti, sendo conhecida pelos seus praticantes e discípulos como Vodou. Esses Caminhantes seriam mortos que teriam voltado a estar vivos por acção dum feiticeiro – noutros casos a sua alma seria capturada e utilizada com outros objectivos – tendo como principais características não apresentarem vontade própria e gostarem de comer carne de humanos, preferencialmente de vivos e até à exaustão. Mas na realidade este fenómeno poderia ter sido induzido propositadamente nos seres vivos através do uso de certos fármacos com acção paralisante, os quais reduziriam drasticamente os níveis respiratórios e de batimentos cardíacos, transformando-os em seres clinicamente mortos, mas nem tanto como isso. Confusos e sem memória teriam de qualquer modo um objectivo a cumprir: tal como os seres humanos vivos, superar o seu trauma comendo;

- Interessava porém e se possível confirmar se este seria um facto pretensamente de origem religioso, ou se não o fosse, quem e quando o teriam induzido e mais importante ainda o verdadeiro motivo e se era ou não um facto reversível.

 

A viagem deles estava agora num impasse. O Tobias não tinha a certeza que o resto do percurso subterrâneo (até Albufeira) pudesse ser feito tranquilamente e sem acidentes imprevistos, já que a imagem dos Zombies a persegui-los e tentando devorá-los sem dó nem piedade não lhe largava o pensamento, deixando o funcionamento do seu cérebro e do respectivo sistema nervoso completamente alterados e desse modo contribuindo para diminuir exponencialmente e duma forma catastrófica os seus níveis de concentração e de ansiedade, o que para além de ser extremamente incómodo era ainda mais perigoso. Sabia que jamais poderia pôr em risco a sua vida e do seu companheiro, já que o tinha convidado com o único e lúdico pretexto de lhe proporcionar uma aventura nocturna em cima do seu skate antigravitacional – aproveitando a ocasião para fazer uma rápida incursão a um local por si já anteriormente visitado e muito bem conhecido; e que agora por sua iniciativa e sem o informar previamente mudava tudo, pondo em causa duma forma prepotente a própria integridade física do companheiro. Tinha que falar com ele sobre o assunto, mas antes tinham que encontrar maneira de sair dali fosse por onde fosse: se a opção pelo túnel não se revelasse segura – e nem sequer tinham identificado ainda a sua localização – teriam de descobrir outro ponto de saída daquela galeria para desse modo atingirem o exterior, de certeza mais seguro e confirmadamente iluminado. Foi o que fizeram de imediato, com o Tobias a tomar conta de um semi-círculo imaginário – a este e deslocando-se no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio – e o Dog encarregando-se do outro – a oeste e deslocando-se em sentido contrário ao tomado pelo Tobias.


A criatura Albina

 

Nem dez minutos tinham passado desde que se tinham separado para darem início às suas investigações e já se começava a ouvir nitidamente e duma forma persistente o latir excitado do Dog, no início com uns uivos à mistura com um latir entusiasmado e denotando felicidade e que se transformou em segundos num som de passos apressados intervalados por um ou outro ganir de dor, significativos da ânsia com que o cão queria transmitir as suas novidades que pelos sinais deveriam ser boas. Enquanto se apressava em direcção ao ponto de encontro, ainda pode reparar numa ligeira imperfeição visível apenas por brevíssimos instantes na parede que circundava a galeria, que poderia ser apenas um reflexo momentâneo provocado pela luz projectada obliquamente pela sua lanterna enquanto ele se deslocava; facto que acabou por ignorar e esquecer quando viu de repente o seu amigo Dog a aparecer diante de si, correndo como um doido e com a língua toda de fora. Pelos vistos descobrira uma saída para o exterior por onde poderiam facilmente passar os dois com as suas respectivas mochilas (e com o skate), que ia dar a um terreno situado mesmo ao lado duma das margens do ribeiro, praticamente vizinho da ponte romana. Curioso o Tobias foi confirmar a descoberta feita pelo amigo – até para este se sentir realizado e orgulhoso com a confirmação do seu feito – e passado pouco tempo lá estava ele a meter a cabeça na abertura para o exterior: de início ficou temporariamente cego e desorientado devido ao choque violento provocado pela rápida mudança entre a escuridão interior e a forte claridade da manhã vinda do exterior, adaptando-se no entanto num curto espaço de tempo e acabando por ver bem definido diante de si, o rio e ao lado a ponte romana. Estava na hora de falar com o Dog e delinear com ele o plano a adoptar. E foi nesse momento de reflexão profunda que o gato Tobias teve uma descarga mental condicionada e que por associação de factos e espaços diferentes mas proporcionados por situações semelhantes – o caso anterior dos efeitos provocados pela luz na parede e agora os efeitos provocados pela luz vinda do exterior – chegou à brilhante conclusão (mais tarde confirmada) que a porta de acesso ao túnel poderia muito bem não estar descaradamente à vista de todos, mas de alguma forma disfarçada e passível de detecção: e os efeitos provocados anteriormente numa determinada zona da parede – que ele achava conseguir situar – aquando da sua passagem para se encontrar com o Dog, só podiam ser um sinal da presença da porta naquele local.

 

O acesso ao túnel estava lá. À primeira vista e devido à maior escuridão que envolvia o local, não se tinham apercebido logo dalguns pormenores que poderiam denunciar a sua presença: ao contrário da restante parede, esta secção apresentava-se naquele local com uma textura ligeiramente diferenciada, parecendo ter sido recoberta à superfície com um material de cor muito semelhante à cor natural exibida pelo material que a constituía e acabando por revelar após uma análise mais cuidada e detalhada a sua forma e dimensão. Retirada a fina camada de material que na maioria da sua área ainda a recobria, desenharam diante deles uma porta duma forma circular perfeita, com a sua base inferior a iniciar-se a poucos centímetros do solo e com um diâmetro suficiente para a passagem de duas pessoas uma ao lado da outra. A partir daí descobrir a fechadura foi fácil: em princípio a pequena e única imperfeição que a porta apresentava – um pequeno e quase indetectável relevo no seu lado direito – seria o órgão de comando que a accionaria, abrindo-se esta para a entrada do túnel após ter sido accionado o seu mecanismo. Isso seria confirmado sem surpresa dentro de pouco tempo, apoiados ainda pela descoberta dum símbolo já muito desgastado e pouco perceptível, desenhado sobre o relevo.

 

A conversa pode-se então iniciar. O Tobias pôs o Dog ao corrente das opções agora em aberto para chegarem a casa e que se resumiam a duas: ou continuavam pelo túnel ou escolhiam a alternativa exterior. Nunca ignorando que em último caso até poderiam voltar para trás, o que agora não era uma opção que interessasse, desde que tinham descoberto a saída segura que ia dar à ribeira. Por essa altura o cão parecia indiferente à escolha que se fizesse e queria mas é sair dali. Mas chegada a altura – e como tinha prometido a si próprio – o Tobias teve mesmo que contar as suas preocupações crescentes sobre a opção pelo túnel. E foi ao falar nos hipotéticos e talvez meramente imaginários Caminhantes da Morte – que até poderiam encontrar para lá daquela porta ou então nunca terem existido – que “o caldo ficou entornado”: bastou ver o Dog todo a tremer e com o pelo todo eriçado, para se perceber que para o cão uma coisa era certa, absoluta e inegociável – “entrar ali nem morto”! E a partir foi um castigo para o Tobias tentar acalmar o companheiro, sabendo como nestes casos ele era um supremo medricas, não querendo saber de mais nada senão fugir dali e nem sequer ouvindo o que razoável lhe queriam dizer. Só passados uns largos minutos é que o Tobias o conseguiu acalmar, combinando com ele uma estratégia de acção que lhe garantiria sempre o direito de escolher livremente, o seu caminho de regresso. Só iriam abrir a porta de acesso ao túnel depois de preparem bem todos os planos alternativos de fuga – para cada um deles – de modo a que se algo acontecesse estivessem preparados: ficou assim combinado que se vislumbrassem algum perigo ao abrirem a porta, imediatamente iniciariam a sua fuga pelo caminho que ia dar à ribeira, deixando para trás todo o equipamento que só os iria incomodar no decorrer do processo e que iria levantar muita estranheza para as pessoas que os vissem a passar (um cão e um gato) todo equipados; se por acaso nada se passasse mantendo-se tudo dentro da normalidade – fosse isso o que fosse e que muito incomodava o cão – então cada um deles poderia optar por onde iria, só ou acompanhado, mas só se estivessem de comum acordo. Decidiram ainda que nesse caso – de cada um seguir um trajecto diferente – o Tobias transportaria todo o equipamento no seu skate, ficando ao seu amigo e como único objectivo final chegar a casa são e salvo. O primeiro a chegar teria a responsabilidade de não descansar enquanto o outro não chegasse, fazendo todos os possíveis e impossíveis para o encontrar e o levar de regresso a casa. Em qualquer dos casos e se tudo corresse bem, estariam de regresso ainda antes do meio-dia.

 

Estavam agora preparados para começarem a abrir a porta. O Tobias via no entanto o seu amigo a ficar cada vez mais nervoso com o tempo de espera e enquanto o ia acalmando com algumas piadas, não perdeu mais nenhum segundo e accionou o botão. Enquanto o Tobias olhava atento para a porta que se abria diante deles, pelo canto do olho via o seu amigo a começar a esconder-se atrás de si, com os pelos da sua cauda cada vez mais esticados como se lhes tivesse sido aplicado um gel fixador: a cena até tinha alguma piada, não fosse desconhecerem o cenário que os esperava para além da porta. Esta acabou por se abrir completamente, não se apercebendo muito bem e de imediato o que estava do lado de lá, devido essencialmente à penumbra que a envolvia e a algum receio nosso em nos aproximar-mos um pouco mais e espreitar para o seu interior. E quando nos preparávamos para avançar uma silhueta deslocando-se lateralmente apareceu inesperadamente à porta pondo-se a olhar para nós: nem deu para pensar ou fazer algo e já o Dog fugia a toda a velocidade em direcção à escapatória que ia dar à ribeira, uivando de medo que nem um louco e urinando-se enquanto corria tresloucado e aos trambolhões.

 

O que o Tobias via à sua frente não seria obviamente a personificação dum zombie, mas uma criatura alta e esguia que sob os raios da sua lanterna revelava ter um tom de pele de tal maneira clara, que se poderia mesmo afirmar que seria dum branco perfeito: um verdadeiro Albino.


O Túnel

 

Passado o momento inicial durante o qual o Dog saiu “como uma bala” em direcção ao espaço exterior, completamente possuído pelo terror suscitado pelo aparecimento súbito do “seu fantasma” – para ele a confirmação real de todos os seus piores receios – a paz e o silêncio retornaram de novo ao local. Concentrando-se agora no Albino – ainda parado do lado de lá, da porta de acesso ao túnel – o Tobias pode constatar em poucos segundos de análise superficial, a sensação não impositiva e serena que o mesmo parecia transmitir. Parecia calmo perante a situação em que se encontrava actualmente, não denotando no seu rosto ou na sua expressão corporal, qualquer traço fisionómico que pudesse sugerir ser uma criatura violenta. Pelo contrário: com uma tranquilidade que se espalhava como uma aura por todo o espaço que o envolvia – e que já atingia o Tobias, antes de qualquer movimento da criatura – foi o próprio Albino a tomar a iniciativa e a transpor a porta para ir ter com ele. Ao chegar perto do Tobias o Albino baixou-se um pouco e passou suavemente a sua mão no corpo deste, fazendo com que os seus pelos se eriçassem instantaneamente e por uns largos segundos “em direcção ao céu”, talvez extasiados com a mensagem de serenidade e de confiança transmitida: o Albino transmitia a bondade e a partilha dos seus donos e assim era impossível resistir-lhe. E antes mesmo da situação entre os dois evoluir – como prova suplementar de amizade e de solidariedade – garantiu pessoalmente ao Tobias que asseguraria até aos seus limites que nada de mal aconteceria ao seu companheiro na sua viagem de regresso a casa.

 

Virando-se para a porta do túnel e utilizando uma clara linguagem gestual que espantou um pouco o Tobias pela sua fácil compreensão, o Albino convidou-o a acompanhá-lo numa pequena visita às suas humildes instalações, onde prometia algum descanso e alimentos, uma explicação importante sobre o trajecto subterrâneo que o Tobias pretendia seguir até Albufeira e – ligado ao ponto anterior – contar-lhe uma pequena história sobre o passado desta região e de todos os intervenientes (internos e externos) na sua concretização. Entraram numa grande sala onde três seres os esperavam – não parecendo ser Humanos nem Albinos – dirigindo-se para um módulo esférico que aí se encontrava, encostado a um dos pilares que suportava a abóbada do tecto: enquanto o Albino falava com os outros presentes entrou no módulo e ficou espantado com a quantidade de equipamento ali existentes. Ainda pode verificar que o grupo de três elementos que vira anteriormente era constituído por dois seres que dali não conseguia identificar, mas que se assemelhavam pela sua forma e atitudes a biomáquinas, enquanto que o terceiro era um Humano. Após alguns minutos de conversa entre os três elementos do grupo e o Albino – e de um olhar divertido lançado pelo humano na direcção do Tobias (que o olhava sem parar) – o grupo afastou-se, enquanto o Albino se dirigiu para o módulo ao encontro do gato Tobias.


Instalações Subterrâneas

 

E já no interior do módulo com todos bem instalados, alimentados e confortáveis, o Albino começou a sua lição de História. Não se esquecendo previamente de dizer que sabia muito bem quem era o Tobias e quais as suas verdadeiras origens – “mas isso ficaria para mais tarde”, disse ele gracejando. Por essa altura e depois duma correria louca que durou uns bons dez minutos fazendo-o passar pelo lugar das Fontes em direcção à vila de Paderne, o Dog atravessou a ponte no Purgatório, virou à sua esquerda e enfiou pela estrada que ia dar às Ferreiras. Aí encontrou um jipe estrangeiro de caixa aberta, parado ao lado da estrada no sentido das Ferreiras, pelo que sem perda de tempo e inúteis reflexões, aproveitou a ausência do condutor para entrar à socapa e apanhar uma boleia. Mal o fez o condutor verificou que estava na altura de regressar – o elemento humano que o Tobias visionara de relance nas instalações para onde o levara o Albino – pelo que se dirigiu em direcção ao jipe, entrou nele e pondo o motor a trabalhar, arrancou para Albufeira.

 

A História da Terra era imensa. Para não falar das suas etapas de formação e de todos os outros períodos que se lhe seguiram e se foram perdendo no tempo – e que comportavam já uma mão cheia de civilizações erguidas e de seguida desaparecidas e esquecidas – o Albino decidiu limitar-se apenas ao último período histórico da Terra, no fundo aquele que actualmente se desenrolava e que mais interessava a todos os seres vivos. Até porque o tempo de que dispunham era limitado.

 

E no centro duma esfera enigmática e acompanhado por uma entidade desconhecida e misteriosa, o Albino começou a contar:

- A observação da Terra por parte de Entidades exteriores ao planeta já vinha de tempos anteriores ao aparecimento do Homo Sapiens, quando na sua origem evolutiva – talvez há mais de seis milhões de anos – surgiram os primeiros seres apresentando características dos primatas originais, associadas a outras características que definiriam os futuros hominídeos – bípedes e com maior volume craniano. Mais tarde essas Entidades deixariam de dar prioridade absoluta ao estudo evolutivo dos processos de formação do Sistema Solar e particularmente do planeta Terra, começando duma forma crescente a interessar-se pela evolução de todos os seres vivendo à sua superfície, principalmente desde que uma dessas espécies já relevantes anteriormente – e que se sobrepunha às restantes, tentando exercer sobre as outras espécies o seu domínio e exploração – iniciou o seu processo de registo dos acontecimentos que tinham vivido e experimentado, “inventando” a escrita e tornando-se capazes de guardar os seus conhecimentos adquiridos durante o seu período de vida, para posterior utilização e desenvolvimento dos seus grupos organizados e dos seus sucessores: ou seja – e de acordo com a nossa História da Humanidade – desde o fim da Pré-História e ao início da História. Esse tempo de mudança suscitou no entanto o crescente interesse de diversas Entidades vindas do exterior, cujo nível de intervenção se verificaria ser muito diferenciado – mais ou menos directos, mais ou menos activos – e que mais tarde se revelou contraproducente e mesmo nalguns casos abusivo, interferindo indevidamente no processo de desenvolvimento interno deste mundo ainda em formação e alterando os seus processos naturais e internos de estabilização e de desenvolvimento. São incontáveis ao longo da História da Terra e do início do registo dos acontecimentos mais intensos vividos por parte da sua raça dominante – pelo menos no último período já com mais de 5.000 anos – os relatos de todo o tipo de aparições inexplicáveis presenciados pelos humanos, desde o contacto com seres com capacidades extraordinárias, até naves voadoras vindas do céu trazendo morte ou felicidade. Que por um simples acaso coincidiram com a concretização de grandes feitos por parte do Homem, mas também com o aparecimento de guerras e de outras catástrofes – naturais ou provocadas – que afectaram negativamente o seu desenvolvimento. Nesse ponto da sua história o Albino interrompeu o seu relato, dirigindo-se ao Tobias como se o fizesse a toda a raça humana: “se desde há mais de cinquenta milénios os seres humanos se tinham lançado à conquista do seu planeta e lar, como explicar racionalmente esta explosão de conhecimentos e de elevado desenvolvimento tecnológico aplicado, registada e concentrada maioritariamente nos últimos cinco milénios? É que já há mais de um milénio, se trabalhavam os metais”!

 

Fim da 3.ª parte de 8

 

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 19:42

Cenários Desenquadrados (2)

Terça-feira, 08.10.13

Ficheiros da Desintegração

As Necessidades Extraordinárias do Gato Tobias

(sob critério SMALL)

 

Recolha de indícios, de lacunas e de outras descompensações, entre os mundos imaginados e a realidade dos humanos.

 

Rocha da Pena – Algar de Mouros

 

Pouco tempo depois de terem abandonado Albufeira chegaram à Aldeia da Pena. Esconderam o seu veículo improvisado e anti-gravidade numa zona com uma boa densidade vegetal, dirigindo-se de seguida para uma das entradas da aldeia e atravessando-a em direcção à elevação da Rocha da Pena. Já muito perto da saída da aldeia o Tobias dirigiu-se para o que parecia ter sido um armazém de produtos e máquinas agrícolas agora completamente abandonado e em ruínas, pedindo ao Dog para se despachar e deixar de andar a cheirar tudo o que encontrava pelo caminho, pois teriam que regressar a casa antes dos seus donos acordarem. Num canto do armazém em que o telhado há muito que já começara a abater, alguns raios provenientes da Lua Cheia iluminavam muito discretamente um antigo forno de pão agora desactivado: e enquanto o cão continuava a cheirar e a investigar, mantendo-se a pedido do Tobias em constante estado de alerta contra possíveis perigos e intrusões inesperadas, por sua vez o gato todo desenvolto e elástico dirigiu-se para a entrada do pequeno forno, saltou na sua direcção, transpôs numa passada a entrada e desapareceu no seu interior. Aí o Dog começou a tremer e vendo-se sozinho naquela armazém isolado, em ruínas e para ele carregado de medos e de fantasmas, começou a uivar aterrorizado como se a noite o fosse engolir. Mas calou-se quando o Tobias reapareceu já todo equipado e com algum material preso à sua cintura – parecia mesmo um espeleólogo – locomovendo-se verticalmente como o faziam os seus donos humanos e apetrechado com um capacete dispondo duma lanterna, que iluminava com bastante intensidade todo o terreno à sua frente: a sua postura só lhe dava maior credibilidade e segurança, o que acabou por acalmar o cão – juntamente com um miar estridente e irritado lançado pelo Tobias, pois o cão estava a colocar em causa e sem motivos a segurança de ambos – afastando-o dos seus infundados medos e receios e levando-o mesmo a ser o primeiro a sair do armazém e da aldeia com destino ao algar que o Tobias minutos antes referenciara.

 

Chegaram ao planalto situado no topo da Rocha da Pena, onde logo descobriram algumas depressões no terreno que pisavam, aparentemente com formas circulares, de maiores ou menores dimensões, mas sempre mais largas do que profundas (as dolimas) e apresentando aqui ou ali algumas pequenas entradas ou cavernas. O Tobias conhecia muito bem aquela zona onde se situava a Caverna do Poço dos Mouros (Algar de Mouros) – uma das mais extensas cavidades conhecidas na zona – tanto pelas lendas que à volta dela tinham sido criadas e escritas, como ao grande número de morcegos que encontrava sempre que ali entrava: só tinha pena do estado cada vez mais precário em que esta se encontrava, danificada pelas inúmeras visitas realizadas ao longo de muitos anos por “curiosos e especialistas na destruição do seu património cultural e das memórias dos seus antepassados”. Mas a entrada que ele procurava não era a do Algar dos Mouros, mas uma outra gruta situada numa dolima localizada mais a leste e que comunicava através duma fenda vertical de mais de 300 metros de extensão com uma caverna de média dimensão, dispondo dum pequeno lago de águas frescas e cristalina originadas na infiltração da água em terrenos de camadas superiores e que mais à frente se infiltravam na terra, perdendo-se nas suas profundezas desconhecidas e misteriosas. No caso da gruta do Tobias, ela era a porta de entrada para o outro mundo do animal: um mundo subterrâneo existira por ali há muitos milhões e milhões de anos, quando a vida à superfície deste planeta era completamente insustentável e impossível, sendo que o único refúgio na altura disponível para todos os organismos vivos existentes e lutando pela sua replicação e sobrevivência, estava no profundo e interior útero da terra-mãe. Rapidamente o Tobias encontrou a entrada, iniciando aí a sua descida lenta e cuidadosa com o seu colega de viagem o cão, até à gruta situada 300 metros abaixo.

 

No fim da longa descida chegaram a uma gruta bastante húmida e fresca, que ligava a outras três secções subterrâneas adjacentes: uma seguia por um canal estreito por onde corria a maior parte da água infiltrada em estratos superiores do relevo exterior e que parecia descer ainda mais profundamente no interior da terra perdendo-se na sua escuridão; outra secção situada do lado oposto da anterior bifurcava-se em dois ramais independentes, continuando um deles em direcção a sul sem fim à vista, enquanto o outro terminava abruptamente num conjunto de pedras que pareciam ser o resultado de alguma derrocada anterior; finalmente a terceira secção – a escolhida pelo Tobias para a prossecução da sua viagem e missão – estava escondida dos olhares dos viajantes num pequeno nicho curvo num dos cantos inferiores das paredes da caverna e só o conhecimento prévio da sua localização tinha permitido ao Tobias, encontrá-la e transpô-la em viagens realizadas anteriormente. O que o Tobias sabia era que estas secções subterrâneas não tinham sido todas definitivamente abandonadas e mesmo hoje em dia muitas delas ainda eram utilizadas para o desempenho das mais variadas funções e pelos mais variados motivos e povos, constituindo para muitos deles um ponto fulcral de apoio, de protecção e de sustentabilidade pelo conhecimento da nossa evolução: na caverna estranhamente equipada e decorada um elevador esperava por eles.

 

Desceram até ao nível P5, onde os esperava um velho robot humanóide duma geração já há muito ultrapassada e contando mais de cem anos de serviço ininterrupto, que os recebeu educadamente e os conduziu até ao posto central de Divergências, onde estavam instalados os terminais informáticos de comunicação e outro equipamento essencial à manutenção deste espaço activo e seus componentes – todos dirigidos por duas entidades mecânicas auto-controladas e reverificadas à distância e por uma entidade biomecânica itinerante que ali se deslocava apenas quando se verificavam situações extraordinárias ou então na data fixada periodicamente para a inspecção geral rotineira. A entidade biomecânica responsável pelo sector onde se situava a Rocha da Pena era um amigo dalguns anos do gato Tobias, que o ajudara na primeira incursão investigativa que este fizera na zona, acabando por o salvar duma queda de dezenas de metros numa das fendas situadas à sua volta, causada pelo susto provocado pelas comunidades de morcegos aí residentes ao saírem a voar para o ambiente exterior.

 

Utilizando os terminais do posto de Divergências nesse instante disponíveis, facilmente o gato Tobias concluiu que haveria um ramal subterrâneo que derivaria junto de São Bartolomeu de Messines, sendo que um deles – parecendo estar ainda parcialmente desobstruído – se dirigia e terminava perto das praias do litoral de Albufeira, ramificando-se aí nalguns canais não identificados e catalogados, podendo um deles ter ligação com o fenómeno ocorrido na Praia do Peneco. A única questão que no entanto ainda se levantada e que parecia ser irresolúvel, era perceber o que levara a esta ocorrência invulgar e porquê naquele sítio: eram conhecidas as fontes de água existentes no mar na zona costeira junto a Olhos de Água, mas do aparecimento dum buraco destas dimensões em pleno areal, até hoje não houvera notícias conhecidas da ocorrência de casos semelhantes.

 

A bio-agenda do Tobias não estava limitada a marcadores virtuais, tal como acontecia com os humanos: o parâmetro tempo não era aí utilizado duma forma abstracta e com o único objectivo de delimitar os horizontes de vida dos humanos, estendendo pelo contrário e livremente os seus bancos de memória, a períodos anteriores e posteriores ao instante (volátil) considerado presente. Assim, analisando globalmente o episódio ocorrido no dia anterior em Albufeira e recorrendo à memória remota e futura impressa no seu ADN – por hereditariedade, contacto ou influência – foi fácil para o Tobias chegar a três hipóteses explicativas e resolutivas para o sucedido:

- Um desequilíbrio natural provocado por um diferencial excessivo de pressões entre dois pontos, poderia ter originado o aparecimento de forças internas com grande intensidade vertical, que teriam dado origem ao aparecimento do referido buraco, por simples expulsão das areias colocadas num nível superior e funcionando como tampa (“duma panela de pressão”); esta era a hipótese mais aceitável por ser a explicação mais natural;

- Algo de desconhecido teria provocado acidental ou intencionalmente a ocorrência do fenómeno, tendo o mesmo origem em acções exercidas interiormente, o que deixava logo no ar a seguinte e estranha questão: quem o teria realizado e com que objectivo inicial, já que não se conheciam informações sobre a existência de qualquer tipo de seres vivos inteligentes vivendo no subsolo nas proximidades do litoral – apesar de em tempos muitos remotos se falar dum povo de pele extremamente clara que teria habitado em galerias subterrâneas, algumas delas muito extensas, que atravessariam de este a oeste toda a região do Algarve; e que os primeiros a registarem isso teriam sido os mouros, aquando da sua recente permanência na Península Ibérica, inicialmente nos seus passeios filosóficos, iniciáticos e refundadores realizados na região e posteriormente na sua fuga apressada durante a reconquista definitiva do sul da península, levada a cabo pelos reis cristãos – talvez assim se explicando algumas histórias estranhas, que atravessavam os contos e lendas de toda a região; seria essa uma acção dessa raça imaginária e agora interventiva de seres albinos vivendo no nosso subsolo? Mas porquê agora? Esta hipótese seria a menos credível, até porque não se encontrava explicação lógica para o sucedido (e para o momento);

- Uma intervenção planeada e exterior à região: sendo Tobias um exercício levado a cabo por forças exteriores ao planeta, não era de descartar a possível presença doutros elementos estrangeiros na região, que inadvertidamente ou não, não teriam conseguido encobrir as suas actividades no subsolo, provocando o incidente; se tal se confirmasse – e esta hipótese poderia ser mesmo viável segundo algumas informações sobre a actividade registada no subsolo obtida a partir de satélites e que nos últimos meses revelava algumas movimentações estranhas e indefinidas – o cuidado a ter com este problema sugeria um caso particular de intervenção qualificada e levada a cabo por entidades responsáveis, colocadas num nível hierárquico superior; o que não era o caso dele, actuando como simples agente de acompanhamento (e aconselhamento não pré-dirigido) presencial.


Galerias e grutas em rocha calcária

 

Devia passar já das três horas da madrugada quando o Tobias decidiu finalmente o que iria fazer de seguida. Estivera um pouco hesitante desde que observara o mapa detalhado de toda esta zona central do Algarve, detendo-se atentamente nas suas particularidades geológicas, nos aquíferos conhecidos e em todos os pontos que assinalassem uma forte possibilidade da existência de galerias e de cavernas ou de outro tipo de estruturas subterrâneas. O plano idealizado na sua cabeça passava por um regresso a casa utilizando se possível e em toda a sua extensão um trajecto exclusivamente subterrâneo, que começaria ali – na Rocha da Pena – indo apanhar um pouco à frente a zona da Ribeira de Algibre – cuja carta indicava estar rodeada por uma intrincada rede de túneis de escoamento de águas pluviais vindas dos mais diferentes e distantes locais (muitos desses túneis há muito inactivos e secos) – possivelmente intersectando no seu caminho para o litoral as enormes e extensas galerias das minas de sal-gema situadas em Loulé e acabando já mais perto do litoral por apanhar um canal estranhamente assinalado a vermelho e que se dirigia desde as proximidades da vila de Paderne até à zona da Orada já em Albufeira: no seu percurso a Ribeira de Algibre reforçava-se com as águas que se lhe juntavam em Paderne vindas da Ribeira de Alte, terminando a sua viagem em Quarteira, antiga terra de pescadores e à vista de Vilamoura, segundo os especialistas terra modelo do turismo algarvio.

 

Antes de tomar a sua decisão final necessitava no entanto de verificar o que significava aquele canal assinalado a vermelho na parte final do trajecto. Em todos os ficheiros e documentos que consultou pouco ou nada obteve de assinalável: apenas uma menção geral à cor vermelha assinalada no mapa e que indicaria zonas desaconselháveis por não actualização de dados ou outras razões não especificadas de segurança – o que não significava que estivessem inacessíveis ou apresentassem perigos declarados, já que não existiam informações adicionais e importantes até agora registadas incidindo sobre esta zona – e outro pormenor estranho que o deixou intrigado e pensativo por aquilo que poderia representar. Consultando com mais atenção o mapa, esse corredor estava assinalado com uma sigla específica que os transportava para um documento apresentado em anexo, onde se lia uma sucessão de letras e de algarismos parecendo representar um código significativo, mas só acessível à sua compreensão utilizando uma tabela designada por TDE (tradutor de simbologia encriptada). A questão estava agora em encontrar essa tabela. E foi ao introduzir essas três letras na sua bio-agenda, que poucos segundos depois surgiu a resposta tão desejada: a sigla e o respectivo código sinalizavam a permanência de biomorfos de origem desconhecida nas proximidades da área atravessada pelo corredor ou em alternativa a presença de seres com a mesma estrutura de base mas claramente diferenciadas na sua agregação, apontando conclusivamente para um ser vivo totalmente adaptado ao sistema que o envolvia, facto esse que só poderia significar a existência de mais uma outra espécie – além do Homem – originária da região (e do planeta), vivendo em condições de quase completa ausência de luz. O Tobias queria acreditar mais na segunda opção apresentada, até pela associação mental feita pelo mesmo com os contos e lendas do Algarve, que muitas vezes mencionavam nas suas estranhas e fantásticas histórias de seres nunca vistos – como “os homens de pele muito branca” – que poderiam muito bem ser o que restava duma civilização ancestral de seres albinos entretanto desaparecidos, vivendo no interior do planeta e a grande profundidade, de modo a protegerem-se eficazmente da violência reinante no exterior num período muito distante e caótico da ainda não muito longa vida do planeta Terra.

 

Confirmaram mais uma vez a correcta colocação dos dispositivos anti-gravitacionais sob a superfície do skate, verificando de seguida o pequeno aparelho de propulsão a ele acoplado, o qual os iria ajudar no seu percurso através do subsolo algarvio. Com o mapa do percurso gravado na sua cabeça, lançaram-se então na sua viagem subterrânea, aproveitando uma grande galeria que se abria à saída do elevador no piso 0 e que se estendia por uma larga centena de metros à sua frente. A galeria estreitava progressivamente até atingir uma pequena caverna intermédia, que se dividia depois por outros túneis secundários saindo em várias direcções, alguns deles interrompidos por pequenos abatimentos de terra e outros acabando por se tornar intransponíveis pelo aparecimento de correntes de água subterrânea ou por serem extremamente estreitos para eles e como tal impossíveis de ultrapassar. Deviam já ter percorrido uma apreciável distância – provavelmente estariam nas imediações do leito da Ribeira do Gengibre, na parte em que esta corre face à elevação da Rocha da Pena – quando tiveram que parar repentinamente face ao local acidentado e perigoso que se vislumbrava em seu redor: estariam provavelmente numa zona do subsolo situada sobre um terreno que teria sido sujeito a grandes pressões vindas de níveis superiores, provavelmente por efeitos provocados por trabalhos de construção de grande envergadura, que teriam originado como reacção e movimento de terras uma derrocada em níveis inferiores. O que acontecia naquela pequena gruta em semi-derrocada, traduzia-se numa profusão de pequenos aglomerados de pedras e de rochas, espalhados um pouco por toda a superfície do chão da caverna, o que lhes iria dificultar deveras a passagem, já que era grande a confusão de materiais e de alguma fauna apanhada desprevenida durante a derrocada, bem visível sob a forte luz emitida pelas suas lanternas. No meio de centenas de pequenas pedras e de alguns montinhos de terra dispersos, ainda puderam verificar a presença dalguns repteis indígenas, duns quantos morcegos e até de um coelho vindo não se sabe bem donde que ao ouvir a nossa aproximação se escondeu de imediato. Com alguma dificuldade dirigiram-se para a parte central da gruta e aí descobriram uma abertura na sua parte superior, por onde entravam alguns raios de luz – estava Lua Cheia naquela noite – vindos do exterior situado mais lá para cima: Tobias tinha quase a certeza que a derrocada teria sido provocada durante a realização dum furo artificial no terreno, em mais uma tentativa de se encontrar água, produto tão importante – e cada vez mais escasso – para o desenvolvimento da construção e do turismo na região. Mas também ficava admirado com o abandono da construção do furo.

 

O Tobias e o companheiro decidiram então parar por alguns minutos para poderem descansar um pouco e aí escolherem cuidadosamente a direcção a seguir. Do lado sul a gruta parecia estar mais desobstruída, apresentando dois canais que pareciam ser a continuação lógica do túnel que seguiam desde o início, além dum poço vertical situado mais à esquerda e que se infiltrava terra dentro até uma espécie de sifão, contendo algum entulho resultante da passagem e erosão provocada pela acção da água nos dias de mais forte caudal. Acabaram por escolher o túnel que estava mais encoberto pelos destroços provocados pela derrocada, bem mais largo do que o outro e apenas com maior quantidade de entulho acumulado na sua entrada, mas que com a colaboração esforçada de Dog e dos seus poderosos membros anteriores rapidamente ficou desimpedido e livre para circulação. Devem ter atravessado toda esta zona em menos de meia hora, tendo interrompido o seu trajecto subterrâneo num único ponto, quando o cão saltou do skate sem avisar e se atirou a alguma coisa que se mexia à sua direita: um pouco marafado com a atitude irreflectida do companheiro o Tobias lá teve que interromper a sua marcha, dirigindo-se furioso para o sítio para onde este se tinha dirigido e onde se tinha posto (sem parar) a uivar e a saltar – uma pequena cavidade situada na parede e a alguns centímetros do chão, parcialmente preenchida com terra e algum lixo para ali atirados e que comunicava para além dela com o exterior através duma mão cheia de orifícios estreitos e circulares. O que tinha atraído o Dog fora uma pequena ratazana dos campos que ali se encontrava à procura dalguma coisa de comer e que ao ouvi-los se tinha posto logo em fuga, arrastando atrás de si algum dos desperdícios que ali se encontravam. Mas um outro pormenor muito mais interessante e intrigante logo ali se revelou: pela técnica de construção evidenciada e pela forma definida e precisa que a mesma apresentada, a cavidade teria que ser de origem artificial – ainda por cima apresentando um símbolo gravado na pedra mas já muito desgastado e agora incompreensível, que só poderia ter sido feito por um ser humano ou outro ser vivo desconhecido e inteligente.


Castelo de Paderne

 

O caminho virava agora um pouco mais para oeste, o que indicava que se dirigia em direcção ao Castelo de Paderne, onde as águas da Ribeira de Algibre e da Ribeira de Alte se uniam no itinerário conjunto que iriam partilhar a partir das Fontes de Paderne, até atingirem o seu destino final no mar de Quarteira.

Chegaram às imediações dum grande e pesado portão de ferro – que de longe e devido à sua largura parecia impedir a passagem e a prossecução da viagem de regresso a Albufeira – no exacto momento (registado em GPS) em que já deviam estar muito perto da zona central do relevo, onde se destacavam e erguiam as muralhas do Castelo de Paderne. Já mais próximos do portão repararam nos motivos decorativos que o mesmo apresentava, com trabalhos em ferro representando maioritariamente animais, que por acaso nunca tinha havido notícia de alguma vez por cá terem passado. Desmontaram do skate, desligaram os dispositivos que o mantinham suspenso no ar e dirigiram-se para o portão: apesar da fechadura continuar a funcionar impedindo os dois de passar para o lado de lá, alguém tinha recentemente aberto um túnel lateral, o qual contornava as vigas onde se apoiava a estrutura lateral de apoio do mesmo (cravada na parede). A parede tinha sido atacada com firmeza e violência num dos seus pontos mais fracos, acabando por dar origem ao aparecimento duma passagem fácil de transpor, mesmo para um ser humano adulto.

 

O portão dava acesso ao que parecia ser um centro habitacional de recurso com reduzidas dimensões e construído exactamente na base do monte que sustentava o Castelo, instalado numa ampla galeria onde se podia divisar alguma vegetação e até um curso de água que a contornava parcialmente, indo depois desaparecer num buraco existente debaixo duma ponte. Pelo aspecto geral ninguém andaria por ali há já muito tempo, com as poucas ruas que a atravessavam muito sujas e cobertas de terra, misturadas com as ervas que iam crescendo desordenadamente em muitos pontos do chão e sem que se verifica-se a ocorrência de qualquer tipo de movimento, que pudesse denunciar a presença dalgum ser vivo. Constatação mais tarde um pouco contrariada pela descoberta feita pelo Dog, que ao dirigir-se para a ponta mais afastada da galeria acabou por descobrir uma larga abertura, que pela luz que por ali entrava só podia natural e vir do exterior, agora que o Sol estava a começar a nascer: ainda viu o animal a fugir pela abertura, não conseguindo no entanto e devido ao choque provocado pela reacção visual à inesperada e instantânea alternância luz/escuridão, ver que animal seria.

 

A galeria subterrânea era iluminada interiormente por pequenos pontos de luz espalhados à sua volta, com maior concentração na sua parte superior, onde uma abóbada fosforescente emitia uma luz muito fraca mas agradável, que acabava por iluminar – como se fosse uma iluminação de emergência – toda a zona habitacional. O Tobias ainda reparou nalguns pontos de várias cores dispostos ao longo das poucas ruas existentes, que pelo material apresentado poderiam muito bem ser constituídos por componentes fluorescentes, tendo como função e objectivo representar um subsistema auxiliar de iluminação. Movimentaram-se então pelo interior do centro mas nada encontraram de assinalável: tudo o que viam mostrava já um longo período de abandono, não tendo nenhum deles encontrado qualquer tipo de vestígios de cadáveres humanos, a não ser os esqueletos dalguns animais que ali tinham ido morrer, como o confirmara pessoalmente o Dog ao ter reparado por acaso num dos cantos mais escuros e escondidos da galeria e aí ter descoberto uns quantos ossos aqui e ali espalhados pelo chão, que até o arrepiara um pouco inicialmente e com o susto, o fizera fugir a correr e sem olhar para trás o referido local. Apenas numa das habitações situada no centro da galeria – e que lhes despertou imediatamente a atenção pelo excelente relevo que decorava a parede e a sua porta de entrada – encontraram algo de interessante e valioso, principalmente dada a situação em que agora se encontravam, no local e no momento: em princípio seria um arquivo histórico relacionado com a região – debruçando-se sobre a evolução da sua fauna, flora, conhecimentos, tecnologias e migrações da sua população ao longo dos tempos – comportando no entanto uma secção também já muito destruída e com muitos documentos danificados (alguns espalhados pelo chão e totalmente deteriorados e sem recuperação) que se debruçavam sobre alguns casos estranhos e mesmo – num caso – preocupantes. O Tobias focou-se especialmente sobre três documentos em melhor estado de conservação e possíveis ainda de consulta e estudo. Referiam-se:

- O primeiro à história mais conhecida envolvendo o Castelo de Paderne e as suas zonas circundantes;

- O segundo à própria história rodeando a criação deste Mundo Subterrâneo (para todos nós desconhecido) localizado sob o monte que suportava o Castelo;

- E o terceiro e que mais preocupava o gato Tobias, um registo de informações vagas, desencontradas e não confirmadas (categoricamente), que mencionava duma forma muito confusa mas que denotava alguma surpresa e um sentimento de terror crescente, acções violentas desenvolvidas por seres humanos alterados mental e fisicamente e deslocando-se em grupos cada vez mais numerosos, que além de demonstrarem uma notória incapacidade de raciocínio analítico – quase os equiparando a animais irracionais – não poupavam ninguém que se atravessasse no seu caminho, havendo mesmo relatos persistentes de canibalismo associado. Os últimos apontamentos tinham em anexo uma derradeira entrada ao documento, em que já se falava duma possível evacuação com carácter de urgência e a realizar nos tempos mais próximos, assim como das importantíssimas tarefas prévias que se deveriam ir tomando de modo a evitar serem subitamente apanhados de surpresa: segundo informações oriundas dos batedores recentemente regressados – e referidos com letras maiúsculas na parte final desse anexo – os denominados Caminhantes da Morte estariam cada vez mais próximos, apesar de demonstrarem alguma desorientação e facilmente serem desviados do seu trajecto por pequenos pormenores, para alguns batedores ainda incompreensíveis.

 

Fim da 2.ª parte de 8

 

(imagens – WEB)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 16:14

Cenários Desenquadrados (1)

Segunda-feira, 07.10.13


O espelho exerceu desde sempre um grande fascínio sobre o espírito humano pois gera um espaço de ambiguidade: a imagem que reflecte é simultaneamente idêntica (ainda que invertida) e ilusória. O espelho assume, assim, sentidos radicalmente opostos: representa a verdade (símbolo mariano) e a aparência (símbolo demoníaco). A crítica de Platão (427-347 a. c.) sobre o simulacro assenta precisamente nesta relação entre o objecto real e o seu enganador reflexo. Inscrito no campo animado da experiência e da actividade psíquica, o espelho veicula o sentido de verdade equívoca, sendo considerado “o símbolo por excelência do Simbolismo”. (Michaud, 1949). Nesta medida, assume uma função estética de destaque em todos os campos artísticos. (Espelho – Tomás Baêna – Filosofia da Arte)

 

Ficheiros da Desintegração

As Necessidades Extraordinárias do Gato Tobias

(sob critério SMALL)

 

Recolha de indícios, de lacunas e de outras descompensações, entre os mundos imaginados e a realidade dos humanos.


A Negação de São Pedro

 

  • Ideias

 É a sucessão da criação de espaços diversos e renovados que suscita a falsa noção de tempo, quando na realidade apenas nos referimos e por associação, ao Movimento desses espaços em constante transformação: é que só existe Matéria e Energia e aquilo que as une não é decididamente a velocidade – variável dependente do tempo e como tal um parâmetro abstracto – mas a dimensão espacial do Salto realizado. No fundo só temos que nos projectar no espaço e instantaneamente teletransportarmo-nos por sobreposição para a nossa imagem, como fiel reprodutora do nosso object(iv)o original. E o que seria então o tempo, se a morte não existisse? Certamente uma monotonia, que nunca teria existido.

 

  • Tobias o ET

 O Tobias era um gato de meia-idade nascido numa noite de Verão no sul de Portugal, filho duma gata selvagem que resolveu dar à luz junto do muro de nossa casa e que um dia se escapou de junto dos seus irmãos, aparecendo perdido e esfomeado já no interior da nossa cozinha: curioso e atrevido aproximou-se sem medo de nós como se já nos conhecesse, roçou-se pelas nossas pernas, ronronou um pouco e logo à comida. Acabamos por ficar com ele não só por ser pequenino, engraçado e desenrascado, mas principalmente pelo agradecimento que nos demonstrou a seguir: virou-se para nós ainda a lamber os beiços com a sua língua bem comprida, “dizendo” para nosso espanto e para quem o ouviu e compreendeu, “obrigado patrão”. Com o seu miar imitou espectacularmente a voz dum humano e logo a Diana e a Daniela lhe deram o nome de Tobias, o ET: “de certeza que o gato tinha vindo do espaço para cumprir uma missão importante no nosso planeta”, disse então a mãe a sorrir.

 

  • As Ideias do Tobias

Geologia da Terra

 

Estávamos no primeiro dia de aulas e em casa tudo estava acelerado. Os pais já se tinham levantado há muito tempo, já tinham posto a casa em ordem da bagunça do dia anterior e até tratado do mais que importante pequeno-almoço, retemperador e calórico e obrigatório para toda a gente. Até o gato Tobias andava irrequieto com todo aquele movimento anormal, correndo dum lado para o outro meio louco e sem parar – para descarga da sua transbordante energia e alegria – e até subindo as paredes da casa, nas curvas mais apertadas do corredor.

 

Eram oito da manhã duma segunda-feira amena e de céu brilhante, quando todos saíram de casa enfiados numa 4L e se dirigiram até cada um dos seus respectivos depósitos institucionais: dois ficaram na escola, um ficou-se pelo mercado, outros dois seguiram para o emprego e até o pobre cão foi prestar voluntariado, ajudando a vizinha velhinha e fazendo-lhe companhia na horta. Em casa os gatos ficaram livres dos donos e sem alguém no controlo da situação, continuaram a sua implacável destruição: afinal de contas constava-se que eram irracionais e ainda por cima independentes.

 

Às dez já a Diana e a Daniela abandonavam a escola, com os alunos ainda sem aulas e sem os desejados professores e com estes últimos a aguardarem na bicha autorização de colocação: a bicha já se estendia por uns bons pares de metros num dos cantos exteriores do mercado, onde ainda há poucos dias se fizera uma outra concentração popular, mas aí para a distribuição de roupas e de alimentos a famílias necessitadas. Sem saberem o que fazer lá se decidiram ir até à zona do Mirante do Rossio, comprando no caminho um sumo e um pastel e indo ver como estava o mar azul de Albufeira. E foi perto do elevador que descia até à praia do Peneco, que as duas irmãs repararam que no areal lá em baixo um número considerável de pessoas pareciam rodear algo que não identificaram – caído e coberto com um tecido sobre a areia – curvando-se curiosas a observá-lo e não deixando espaço para espreitar.

 

Ficaram por uns minutos debruçadas sobre o muro do caminho que corria ao longo da falésia sobranceira ao mar, não conseguindo descortinar grandes pormenores que lhes indicasse verdadeiramente o que se passava. E como a escada de acesso à praia também estava bloqueada por obras e muitos mirones, decidiram contornar o problema – já que tinham algum tempo até à hora do almoço – dirigindo-se em passo acelerado até à Praia do Túnel e virando já no areal à direita em direcção ao rochedo do Peneco: já muito perto do rochedo e do ajuntamento de pessoas que tinham visto antes a partir do cimo da falésia, repararam que em dois ou três locais em seu redor a areia parecia ter afundado ligeiramente, apresentando um pequeno desnível num raio de dois a três metros, considerando um ponto imaginário como foco central. Nervosas as duas irmãs afastaram-se rapidamente desses pontos em forma de cone invertido, com medo de poderem ser engolidas e aí mesmo desaparecerem.

 

Aproximaram-se do local onde se situava a plataforma inferior da torre, no interior da qual circulava o elevador que transportava as pessoas entre a praia e o cimo da falésia, ficando as duas a olhar para a chegada dos bombeiros e de outros socorristas, que acabaram por levantar o tecido e contribuir para o fim do mistério: o que viram deixou-as espantadas e de boca toda aberta, vislumbrando-se do local onde se encontravam um buraco redondo na areia onde podia muito bem caber uma pessoa. Mas dali não se apercebiam da sua profundidade, o que as fazia tremer ainda mais de medo e desejar sair dali o mais rapidamente possível: se aquilo já era estranho, o que quer que fosse que o tinha provocado, certamente ainda mais esquisito seria.

 

Os pais da Diana e da Daniela acabaram por saber por colegas de trabalho o que se estava a passar na praia, até porque tinham ouvido a meio da manhã a sirene dos bombeiros a tocar: as pessoas falavam dum buraco bastante profundo descoberto na praia junto ao rochedo do Peneco, com algumas delas a comentarem desde logo o bizarro fenómeno e associando-o a quase tudo, desde as várias grutas subterrâneas – conhecidas e desconhecidas – que se distribuiriam pela zona litoral do concelho de Albufeira, passando pelo anterior abatimento – ocorrido ainda este ano – de parte do areal numa zona muito restrita da praia de Quarteira e chegando até à elaboração de teorias sobre a presença de extraterrestres no local, os quais seriam os únicos responsáveis pelo aparecimento daquele buraco no areal daquela praia.


O cão de Tobias

 

Ao meio-dia as duas irmãs já esperavam pelos pais à porta do café do mercado. Ainda comentavam com os colegas ali presentes aquilo que antes tinham visto na praia, quando eles chegaram: afinal de contas elas tinham visto o buraco ao vivo e tanto elas como os colegas não tinham resistido ao relato desta história fantástica e misteriosa – e com a realidade, logo ali tão perto. Só não podiam comentar com os seus pais, que nem imaginavam onde elas tinham estado antes.

 

No entanto todos falaram disso durante a hora do almoço, com os quatro e o tio Jorge debruçados sobre os seus pratos, mas sem deixar de participar no intrigante e acalorado diálogo. Os pais no final do almoço foram de seguida para o trabalho, com o tio a acompanhá-las até chegarem a casa e dirigindo-se de imediato a casa da velhota para recolher o cão das miúdas. Entraram em casa e foram logo ligar a televisão, com o Tobias muito atento a vê-las correr entre a sala e a cozinha ao mesmo tempo que iam vendo TV, enquanto comiam um pastel de natas e espreitavam para o computador: no facebook um colega de escola falava já na evacuação da praia.

 

O cão era um rafeiro que um dia tinha sido acolhido em casa, entregue às irmãs por um dos seus vizinhos de então, numa das muitas buscas que no passado tinham feito por causa do Tobias. Na altura ainda muito novinho e sempre com a mania de fugir até ao jardim para brincar com tudo o de vivo e com movimento que encontrasse, era com muita regularidade que o gato aproveitava por vezes a distracção de todos para se escapar para o exterior, deixando as irmãs sempre muito preocupadas e aflitas, pois como era muito novo e irrequieto facilmente se poderia afastar demasiado de casa acabando por se desorientar e perder. O que para as irmãs era impensável e impossível de suceder, pois para elas seria sempre possível que algo de mau pudesse acontecer-lhe e isso jamais elas permitiriam. Daí as constantes saídas destas na sua procura e o acaso do encontro e posterior adopção do pequenito rafeiro, perdido e sem dono. O nome escolhido e unanimemente adoptado por todos – além de sugerido pelo tio Jorge e decidido pelo gato – foi simplesmente e duma forma britânica e não redutora, DOG (referindo-se ao cão do Livro de Tobias). E por associação dirigida – mais uma vez por acção indirecta do gato – à sua imagem reflectida no espelho: GOD.

 

As aulas acabaram por volta das cinco da tarde. Como não tinham nada de importante a fazer e ainda por cima os pais só chegariam lá para as sete, resolveram não ir logo directamente para casa, onde o tio as esperava para o lanche e foram com os colegas ver como estava o buraco. Desde que tinham entrado nas aulas da tarde tinham perdido o fio à meada e convinha porem-se de novo actualizadas com o que se estava a passar. No cimo da falésia o número de curiosos era bastante elevado, impedindo-os mesmo de olhar para o areal situado abaixo e ver o que ali se passava: o local parecia um circo, com os espectadores nas bancadas a olharem atentamente para o que se passava lá em baixo, enquanto ao mesmo tempo e trocando impressões e sugestões sobre o acontecimento que iam visionando, bebiam uns sumos e umas cervejolas. O filme era o buraco, que apesar de não ser visível das filas de trás, era fortemente apontado pelo público, não só pela sua estranheza mas também pela sua dimensão. O que se comentava agora entre os espectadores mais comunicativos e efusivos com este inopinado acontecimento que tinham estado a presenciar, era o que aconteceria daqui a algumas horas quando a maré começasse a subir: engoliria o buraco toda a água que ali chegasse ou seria que algo fora do comum sairia dali disparado com a presença desta? Mas antes de poderem ver ou compreender algo mais, o tio Jorge telefonou-lhes deveras chateado com a ausência de ambas e logicamente tiveram de ir para casa.

 

O gato Tobias não era um gato qualquer, mas apesar da sua compostura e sabedoria fora do normal que com alguma atenção e independência mental qualquer um de nós poderíamos facilmente constatar, os seus donos talvez como medida de protecção e segurança contra as mais que prováveis bocas irónicas e provocatórias dos outros, nunca o tinham querido reconhecer: afinal de contas era um ser irracional, locomovia-se na horizontal e ainda por cima não sabia falar. Quanto ao cão do Tobias era um ser prestável e sociável, algo lento na acção e um pouco confuso nas suas etapas sucessivas de compreensão, mas muito útil em trabalhos mais pesados e que envolviam a massa muscular: em resumo um bom amigo e uma utilíssima companhia, sem necessidade de ser um estranho assalariado, maltratado e mal pago.

 

Após o jantar o resto da noite foi passada a realizar as últimas tarefas ainda por cumprir, acabando todos por se retirar ainda antes das onze da noite para os seus aposentos e aí se entretendo a ver as últimas notícias e novidades chegadas pela Net, com o particular interesse de ver se falavam do estranhíssimo buraco que entretanto surgira na praia. Mas nada lhes chegou aos ouvidos enquanto pesquisavam na Web, na rádio e na TV, acabando todos por adormecer levados por mais um dia cansativo de trabalho – para os adultos – e de aventura – para as crianças e restantes animais. Porém para o Tobias a noite ainda mal começara.


O Buraco

 

Como já era habitual, à medida que se aproximava o fim-de-semana e o cansaço acumulado no trabalho aumentava exponencialmente – tornando-se mesmo insuportável e irresistível ao poderoso sono redentor – por vezes o pai das duas irmãs acabava por adormecer em frente da televisão, ficando a dormir no sofá e continuando com a TV ligada toda a noite. Nessas alturas e quando não tinha nada para fazer ou o tempo frio e chuvoso não propiciava as condições ideais para sair, o Tobias gostava muito de se esticar ao longo do sofá, deixando-se levar pelas imagens que iam saindo do aparelho. Com o tempo fora-se habituando a algumas séries que iam passando periodicamente na TV e até já estabelecera mentalmente uma lista de prioridades para os programas: ultimamente deliciava-se muitas das vezes a acompanhar séries científicas como as que passavam nos canais Odyssey e Discovery – o canal History só quando se queria divertir com as estranhas teorias alienígenas e conspiracionistas dos humanos e do que eles imaginavam que os estrangeiros quereriam deles – estando desde a semana anterior a acompanhar sempre que podia e duma forma fiel e pontual, uma série irreal, extravagante e fora do comum, mas que o tocava profundamente como era caso de “The Walking Dead” – especialmente pela capacidade ilimitada que o Homem demonstrava na sua luta diária pela sobrevivência, mesmo em ambientes difíceis e inimagináveis: seria essa capacidade mesmo real e um factor intrínseco ao seu processo evolutivo ou apenas mais uma demonstração inequívoca do seu processo degenerativo e que o levaria à extinção? É que a violência acabava sempre por estar presente em todos os actos significativos em que participava, sobrepondo-se invariavelmente a todos os outros sentimentos e suas respectivas aplicações práticas.  

 

Na garagem o cão ia escavando persistente e metodicamente em volta do monte de entulho que se amontoava num dos seus cantos, tentando criar um desequilíbrio na sua base que provocasse a derrocada de tudo o que se sobrepunha quase até ao tecto. A estratégia adoptada pelo cão tinha sido muito boa e o Tobias esperava que dentro de poucos minutos todo o monte entrasse em derrocada, espalhando todo o seu conteúdo a céu aberto sobre o chão circundante: assim seria muito mais simples e rápido de encontrar o velho skate há muito tempo abandonado pelas irmãs das suas brincadeiras juvenis e que o Tobias procurava encontrar no mais curto espaço de tempo, para o utilizar já na sua próxima missão nocturna. Encontraram o skate de imediato, transportando-se para o outro lado da garagem perto da porta elevatória de acesso ao quintal, local onde o seu dono guardava as ferramentas e onde o Tobias escondera o dispositivo, num esconderijo (indetectável) localizado na parede junto ao interruptor do ponto de luz colocado sobre a bancada de trabalho e onde ninguém suspeitaria de nada. Aplicado o dispositivo na parte inferior do skate saíram da garagem, dirigindo-se para o exterior e fechando atrás de si o portão da casa, que agora os separava da protecção do ventre familiar e os libertava mesmo que temporariamente para as aventuras nocturnas e solitárias de dois nómadas irracionais mas não irreflectidos, à procura da aventura e do significado da vida.

 

Já passava da uma hora da madrugada quando retornaram ao Cerro de Malpique, onde tinham anteriormente e por precaução escondido o skate – não interessava nada as pessoas verem durante a noite um cão e um gato a empurrarem um objecto pela rua – antes de irem dar uma espreitadela até à Praia do Peneco e ver com os seus próprios olhos o que por ali se passava. O buraco lá continuava agora coberto por uma enorme lona, com a água da maré-alta a aproximar-se cada vez mais do local onde este se encontrava e contando ainda com a presença de alguns funcionários municipais e da protecção civil, que terminavam por esta noite o seu trabalho e a montagem duma forte barreira protectora que impedisse acidentes imprevistos com o crescente número de curiosos – agora em número cada vez mais reduzido e constituído essencialmente por estrangeiros em férias. Como ali não havia nada a fazer no momento e como o Tobias já suspeitava um pouco das condições particulares que tinham contribuído e proporcionado aquele abatimento de areias, decidiram abandonar o local e dirigirem-se de novo para o cerro onde recolheram o seu futuro transporte e se prepararam para a viagem.

 

Não era a primeira vez que o Tobias fazia a sua viagem até ao interior do Algarve. Numa consulta rápida à sua bio-agenda inserida no seu pequeno cérebro e localizada numa das suas zonas activas responsável pelo processamento inato das suas memórias, o gato apenas confirmou a realização dessa mesma viagem na altura – para si já de médio curso – como a sua primeira, com um itinerário que partia de Albufeira, passava pelo Castelo de Paderne e terminava na vila de Alte, com a visão da Rocha da Pena (com 480 metros no seu ponto mais elevado) lá ao fundo já em plena Serra do Caldeirão, entalada entre Alte e Salir. Partia agora mais uma vez, mas agora em direcção à Rocha da Pena, uma zona mágica tanto a nível histórico como geológico e talvez “o único relevo verdadeiramente vigoroso de toda a Orla Algarvia” (Feio). Os fenómenos ocorridos desde há tempos muito distantes sobre este relevo único do Barrocal Algarvio, eram uma boa hipótese de trabalho e de estudo a seguir, para qualquer curioso interessado nos efeitos da erosão sobre relevos de origem calcária. Mas para o Tobias o que verdadeiramente o atraía situava-se numa zona de fronteira entre o barrocal e a serra algarvia – o Algarve Calcário – num sector da serra virada para Salir e que apresentava um número apreciável de fracturas profundas no seu relevo, com ligações através de canais interiores e descendentes – criados pela força das águas que anteriormente aí circulariam – até grutas mais profundas, que segundo os seus arquivos de memória poderiam ainda hoje estar “transitáveis”, podendo mesmo terminar no mar.

 

A Terra era formada do seu interior para o seu exterior por três camadas concêntricas de materiais rodando a velocidades diferentes, que se estendiam desde o seu núcleo central (1.º) constituído por ferro no seu estado sólido e apresentando um raio de 2.400 quilómetros de diâmetro (e temperaturas na ordem dos 6.000 °C) – dispondo complementarmente de um núcleo externo líquido, com um diâmetro de 7.000 quilómetros – até à fina e exterior superfície do planeta, que representava a crosta terrestre (3.ª). No meio estaria o manto (2.ª), uma camada constituída por inúmeros e aparentes “rolamentos”, que diminuíram o atrito provocado pelo movimento e contacto entre placas. No caso específico das elevações calcárias do barrocal algarvio como a da Rocha da Pena, esta apresentava uma curiosidade particular e exclusiva: terminar num planalto com cerca de dois quilómetros de comprimento. Apresentando fracturas provocadas pela acção erosiva e persistente das águas sobre o frágil material de origem calcária e dando origem ao aparecimento de canais e de grutas subterrâneas: como seria a gruta do Algar dos Mouros localizada no cimo da Rocha da Pena, local onde se teriam refugiado os mouros fugitivos após a conquista de Salir por D. Paio Peres Correia.

 

Ligado o dispositivo electromagnético colocado anteriormente sob a superfície de fibra que suportava a estrutura do skate, este começou a planar sob o terreno. A criação dum campo electromagnético pluridireccional, anulara não só o efeito exercido pela força da gravidade sobre o skate e seus potenciais passageiros, como também pusera ao dispor de ambos – do gato e do cão – de um meio de transporte super-rápido e económico, aplicando duma forma simplificada um único momento propulsor e aproveitando em exclusivo os efeitos da inércia, suscitados por efeitos reflectores e electromagnéticos criados. Em poucos minutos estavam à entrada da pequena Aldeia da Pena.

 

Fim da 1.ª parte de 8

 

(imagens – WEB)

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Terrorismo

Domingo, 06.10.13

“Terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica, através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população governada, de modo a incutir medo, terror, e assim obter efeitos psicológicos que ultrapassem largamente o círculo das vítimas, incluindo, antes, o resto da população do território. É utilizado por uma grande gama de instituições como forma de alcançar seus objectivos, como organizações políticas de esquerda e direita, grupos separatistas e até por governos no poder”. (Wikipedia)


Alguma vez há-de ser de vez

 

O fecho das Agências Federais norte-americanas enviando perto de 1.000.000 de indivíduos para casa sem salário para sobreviverem e sem saberem quando voltarão a ter trabalho, além de ser o sonho de qualquer Estado que não se preze e que respeite selvaticamente a necessária e fundamental iniciativa privada – perceba-se as grandes Corporações Mundiais, agora que o Estado se encontra em insolvência – acaba por demonstrar cabalmente e especialmente para quem não quer ver:

- O crescimento exponencial, sem controlo e irreversível, da dívida norte-americana – por inadaptação da estrutura social e económica do governo dos EUA, ao respeito pelos direitos mínimos de sobrevivência dos seus cidadãos;

- O fim do estado de graças dos investidores internacionais para com o Tesouro Norte-Americano e o risco a ele associado de perda de confiança no dólar – até agora e apenas, a moeda de referência mundial;

- Como consequência o aparecimento dum enorme contingente de indivíduos anteriormente ligados às mais diversas agências federais, agora desempregados, sem dinheiro, nem qualquer tipo de perspectivas futuras;

- Finalmente a possibilidade de se estar já a construir um cenário que levará a consequências catastróficas para o Estado e para a esmagadora maioria dos seus cidadãos – talvez deliberado e projectado conjuntamente entre forças internas e externas aos EUA – criando o caos social e levando-o à queda definitiva e irreversível e abrindo as portas para o acesso livre e sem restrições da iniciativa privada, ao controlo sem justiça nem direitos de todo e qualquer cidadão desde que registado (excluindo desde logo os indivíduos excedentários e sujeitos a requalificação).


Objectivo da velhinha: receber a renda

 

E no meio de toda esta confusão a velhinha Europa lá continua a ser governada por uma mulher vinda do lado de lá do muro, por um velho psicologicamente afectado e por um país de novo vitorioso – primeiro militarmente, depois economicamente – que um dia depois de se auto-perdoar pelos seus crimes e atrocidades cometidas sobre todos os seus familiares e vizinhos europeus, se auto-proclamou como o novo protector da Europa – tal como os EUA relativamente ao resto do mundo – passando em seu nome uma procuração de todos os outros países, para os poderem orientar racionalmente com a sua experiência recente de reconstrução. Só que agora o plano era muito simples:

- Tomar conta do Banco Central Europeu e em seu nome projectar e impor a Alemanha como o seu Único Gestor, recebendo esta dinheiro-livre vindo de todo o mundo sem fiscalização e controlo – essencial para a lavagem de dinheiro – e emprestando-o a juros acrescidos aos seus associados, em princípio ilegalmente já que deveriam ter o mesmo estatuto de igualdade; nunca esquecendo que é esta Plataforma de Guerra que suporta hoje o poder económico asfixiante e paralisante da Alemanha – com a sua Indústria já em decadência e o mercado financeiro a aniquilar e a asfixiar todo os restantes negócios – sobre toda a Europa, fazendo-nos lembrar por associação a imagem duma velhinha já sem grande esperança e objectivos de vida, que inteligentemente e não se preocupando mais com os outros vivendo à sua volta, resolve vender a sua fábrica (com os seus vizinhos lá dentro) e viver dos seus rendimentos.


Contra os polícias e ladrões

 

No meu país?

- Os Chefes curvam-se para obterem uma gorjeta da velha (para mostrarem que aprenderam);

- Os Outros entretêm-se a olhar para o cu de quem se curva (para mostrarem que querem aprender).

 

Note-se que não são mencionados os elementos excedentários sujeitos a requalificação, reforçados agora por elementos vindos dos Outros e agora em processo de expulsão, por apoio indevido ao grupo anteriormente mencionado e estatisticamente inexistente.

 

(imagens – Web)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 21:40