Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Pulsações (3/3)

Sexta-feira, 07.02.14

Ficheiros Secretos – Albufeira XXI

(Mundo Sequencial – Transmissão Indiferenciada por Pulsação e Contacto)

 

“Acordei às oito no cumprimento do dever: duas horas depois abdiquei definitivamente dos meus direitos”. Simplesmente por Intervenção Exterior: Divina, Alienígena ou Humana.

 

Simplesmente por Intervenção Exterior: Divina, Alienígena ou Humana

 

...

A partir das janelas as vítimas só tinham visto um rápido flash, seguido de imediato e sem dor pela violenta implosão registada no local. As notas do seu diário tinham a última entrada registada no início da manhã desse dia e que apenas dizia: “Parece que tudo mudando não muda, comigo constantemente perdido da frente para trás e de trás para a frente. Não sei mesmo o que agora me espera”. Entretanto a BCRS (Biologic and Cybernetic Reproduction Systems) já se tinha protegido previamente das futuras sequelas do passado e a sua intervenção – como o futuro o comprovava – tinha sido um sucesso completo: a linha de ADN tinha sido eficazmente preservada e positivamente continuada.

...

A pequena particularidade tinha sido finalmente ultrapassada. Desse modo o programa pode continuar a desenvolver-se tranquilamente, com o operador a ausentar-se rapidamente e a ir a correr almoçar: a cantina estava prestes a fechar e só passadas umas quatro horas é que voltava a abrir. Sentou-se sozinho no canto da mesa perto da janela e daí, enquanto comia, pode apreciar a vasta e iluminada superfície lunar, carregada de crateras e com umas quantas elevações espalhadas mais para norte. A sua superfície era árida e deserta, só se vendo na planície situada mais a norte uma nuvem de poeira que se erguia lentamente sobre o solo, talvez originada pelo transporte de algum carregamento de minério. Já perto do fim da refeição o intercomunicador tocou: era chamado pelo seu supervisor de programação para discutirem em conjunto o aparecimento da particularidade – dentro de uma hora – solicitando-lhe este que viesse acompanhado do relatório sumário e preliminar de danos causados/solucionados, relacionados com a mesma. Saiu da sala e voltou ao trabalho: tudo estava a funcionar normalmente. Levantou-se e foi fazer o relatório: só não sabia ainda, como explicar o sucedido.

...

Desde que a VIRGIN se lançara em direcção à Lua, o conglomerado liderado por Mister RH tomara nas suas próprias mãos o início da colonização lunar: enquanto a Rússia e a China brincavam com os seus veículos telecomandados, espalhando-os sem critério e por puro espectáculo pela imensa vastidão do espaço, a empresa privada decidira substituir-se à poderosa organização espacial ligada ao estado norte-americano – a NASA – e dirigir todas as suas baterias para a conquista dum único e proveitoso objectivo, a Lua. Com todas as prioridades de investimento dirigidas para o satélite da Terra e contando com o apoio técnico e financeiro de retaguarda por parte do estado – a NASA serviria como backup oficial, garantindo a presença e toda atenção por parte do estado – em poucos meses foram montados os módulos que constituiriam o núcleo central da base, a partir dos quais mais tarde se chegaria à constituição da primeira urbe lunar. Mas a grande explosão de desenvolvimento registada nos anos que se seguiram sobre a superfície da Lua, não veio bem da parte de cima mas sim do seu subsolo: primeiro foram os minérios, depois os vestígios da presença anterior de outras civilizações, depois a descoberta da Máquina e finalmente o momento tão desejado e no entanto tão adiado, o ponto cronológico estabelecido para o início do contacto. Com a Máquina na sua posse e a neutralidade tácita dos estrangeiros, o acesso a outras tecnologias foi só mais um passo, não para a Humanidade como era hábito anterior, mas para o fortalecimento do conglomerado dominado por Mister RH. Agora que tinham acesso a velocidades superiores à da Luz dominavam as grandes distâncias, podendo lançar-se para lá da fronteira dos planetas interiores, à conquista de outros mundos e de outras direcções inovadoras. O sonho da utilização de projecções opcionais em situações de realidades desfavoráveis, modelando-as sem as alterar era o próximo alvo a atingir: a partir daí seriam eles próprios a criar e implementar a simulação. Nada de extraordinário num mundo infinito de sobreposições sucessivas.

 

...

Do outro lado da Lua as criaturas de Allen Hills controlavam até ao mínimo pormenor todas as acções realizadas pelos terrestres sobre a superfície da Lua, ao mesmo tempo que monitorizavam todos os movimentos em que estes pudessem por em causa o acordo previamente estabelecido, sobre limites e áreas de influência: o primeiro aviso dirigido aos terrestres fora efectuado aquando das suas primeiras visitas tripuladas ao satélite, especialmente a partir da primeira alunagem efectuada pelos astronautas das missões Apollo. Inicialmente com uma presença não muito evidente – mas deliberada e impositiva – aquando da chegada dos veículos pioneiros vindos do planeta Terra, a sistemática intromissão dos terrestres sobre este satélite estratégico e ali colocado com uma função de observação e acompanhamento temporário e preparação das condições futuras para um novo salto orbital, começou a tornar-se cada vez mais insuportável: uma reunião restrita e secreta fora realizada no próprio planeta Terra, com as criaturas de Allen Hills a imporem tudo o que queriam aos terrestres e a criarem um período alargado de proibição de entrada na Lua ou na sua órbita de influência de qualquer tipo de missão tripulada. Em troca ofereciam tecnologia avançada a este grupo restrito de terrestres – privilegiando-os nesse sentido – o que para as criaturas não constituía qualquer tipo de perigo para a sua segurança, dado o nível rudimentar para a sua civilização dos aparelhos e elementos fornecidos. Os terrestres acabaram por aceitar o acordo proposto pelas criaturas instaladas na Lua, pois começavam agora a compreender todo o poder e avanço tecnológico desta civilização da qual já suspeitavam da sua existência há quase trinta anos, desde que em Dezembro de 1984 tinham descoberto o meteorito de Allen Hills na zona gelada da Antárctida: na prossecução do Projecto ANSMET um grupo de exploradores tinha aí descoberto o célebre meteorito de Marte – apresentando estruturas evidentes de vida extraterrestre muito semelhante às existentes na Terra – além de muitos outros artefactos não revelados e desde aí secretamente analisados e mesmo em certos casos ensaiados.

...

A primeira projecção conhecida do Sistema Solar apresentava-o como um grande estrutura espalhando-se por milhões de anos-luz, com uma jovem estrela no seu centro e trazendo todo este conjunto atrás de si numa viagem por todo o Universo: mas a particularidade que o tornava especial era a presença de vida no planeta situado mais próximo dessa estrela. O planeta orbitava a estrela com um período de translação constante, levando atrás de si um outro corpo celeste que, também orbitando a estrela, orbitava ao mesmo tempo esse planeta: tratava-se de um satélite artificial criado e aí colocado para acompanhar toda a evolução da vida nesse sistema ao longo de todo o seu processo reprodutivo e evolutivo. Após a fecundação desta zona-óvulo do Espaço por impacto directo de uma fantástica e brutal quantidade de matéria excitada, pelo movimento e pela energia libertada durante este verdadeiro acto sexual de prazer e procriação, o novo Ser surgiu expondo a sua marca e identidade: a Vida.

...

O sistema poderia ser visto duma forma simplificada e perceptível para todos, como uma simples partícula um átomo – com o centro aparentemente estático e pesado a ser orbitado por um conjunto variável doutros corpos “excêntricos”, mais livres e dinâmicos.

...

“Desde o início dos tempos a espécie desenvolveu-se em torno da sua estrela-mãe o Sol, aproveitando sofregamente a paisagem luxuriosa que o planeta graciosamente lhe oferecia – num processo que parecia intemporal e sem fim claramente visível (por passividade na acção) – e usufruindo duma forma egocêntrica e levada até ao limite, de todas as delícias que este paraíso original lhe ia proporcionando, nunca pedindo algo em troca. Acompanhava-a um outro corpo celeste, responsável pela manutenção temporária do equilíbrio ambiental que sustinha a evolução desta nova espécie e pela preparação do seu salto seguinte no seu quadro evolutivo de aperfeiçoamento e expansão: a Lua, esse corpo celeste eremita colocado no centro do Sistema Solar por uma raça diferente mas inovadora e criativa, capaz de construir mundos mesmo que simulados e edificar construções (artificiais) únicas e extraordinárias. A Lua era uma dessas construções. Com o decorrer do seu processo evolutivo o Sol foi estendendo a sua área de influência, forçando a nova espécie a emigrar para corpos celestes similares entre saltos planetários e sempre acompanhada pela Lua: como um electrão residente num átomo activo e excitado, esta procurava libertar-se do poder centralizador do seu núcleo central, saltando entre órbitas e procurando continuamente o exterior, o desconhecido, talvez um parceiro. E esse seria o futuro desta nova espécie, se ela fosse capaz de se impor aos seus medos”.

 

Fim da 3.ª parte de 3

 

(imagens – Web)

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por Produções Anormais - Albufeira às 01:35

Pulsações (2/3)

Sexta-feira, 07.02.14

Ficheiros Secretos – Albufeira XXI

(Mundo Sequencial – Transmissão Indiferenciada por Pulsação e Contacto)

 

“Acordei às oito no cumprimento do dever: duas horas depois abdiquei definitivamente dos meus direitos”. Simplesmente por Intervenção Exterior: Divina, Alienígena ou Humana.

 

Duas horas depois abdiquei finalmente dos meus direitos

 

 

Duas horas depois o meu despertador tocou o alarme: eram agora seis horas da manhã. Mas o quadro que me rodeava deitado na cama no meio da penumbra do quarto parecia-me algo estranho e deslocado: pensava que era um pouco mais tarde do que a hora que o relógio indicava e tinha a sensação de que já o ouvira a tocar antes. Mas na verdade o despertador só estava programado para as seis ou para as oito. Acendi a luz do candeeiro e pus-me a olhar para a janela: lá fora ainda era de noite e não se via ninguém a circular. Levantei-me e dirigi-me até à cozinha. Ao passar perto do hall de entrada a campainha exterior soou e alguém bateu ao de leve do lado de lá da porta, chamando-me com um sussurro pelo meu primeiro nome. Ainda um pouco confuso com a situação e dada a insistência na minha presença, ignorei um pouco a minha segurança e lentamente abri a porta: três elementos parecendo fardados esperavam-no à sua porta, apresentando-se como pertencendo a uma organização governamental de segurança ambiental e solicitando para que eu os ouvisse. Espantado com esta situação que agora vivia e presenciava, nem me lembrei sequer de me opor à sua entrada: sentaram-se os três no amplo sofá da sala – um dos elementos era do sexo feminino – abriram os fortes sobretudos que os protegiam talvez de frio – e aí eu reparei nas armas que transportavam consigo – e logo foram ao assunto que ali os tinha trazido – eu. Segundo a sua apresentação inicial a terra donde os três vinham não seria a minha, não deixando no entanto as duas de pertencerem à mesma Terra. Logo aí fiquei ainda mais confuso e comecei de imediato a perguntar-me no meio de quem me teria enfiado: já antes tinha deixado em pleno bar alguns amigos bem despachados e não era agora que tinha vontade de os ouvir. No entanto eles continuaram com uma conversa que não consegui acompanhar na sua totalidade, em que falavam dum acidente que iria cronologicamente ocorrer dentro de muito pouco tempo e que poderia ter consequências terríveis para uma das linhas reprodutivas e evolutivas fundamentais do que seria a base da humanidade futura: e eu faria parte dum desses links fundamentais a preservar antes da concretização temporal desse acidente, razão pela qual justificavam a sua presença no local e a necessidade urgente de darem início à sua intervenção preventiva. Apresentaram-se então a Máxima – muito parecida com uma miúda com a qual trocara alguns olhares no interior da Universidade – e explicaram-me de seguida o que tínhamos que fazer. Resumidamente e para não causar muita confusão, o que me diziam e pediam que fizesse era apenas isto:

- Os três elementos ter-se-iam deslocado do seu futuro para o meu presente – que pelos vistos pertenceriam ao mesmo mundo e sequência – com o único objectivo de manter intacto no seu futuro uma ligação aparentemente imprescindível para o funcionamento das suas estruturas e que por diversas ligações e cruzamentos iam dar a um ponto do passado em que ele era o foco assinalado na sequência genética a defender. A Máquina Preservadora havia detectado uma possibilidade de incidente numa das curvas passadas do tempo, como consequência da tentativa de intrusão agressiva no sistema de segurança da base de dados centrais, que se suspeitava ter sido bem sucedida e poder estar relacionada com uma tentativa de eliminação dum ramo inteiro dum grupo de orientadores importantes, tentando criar o caos social e uma janela de oportunidade para a concretização das suas ambições no futuro de onde vinham. Mas sendo ele o ponto vermelho assinalado como o mais que provável foco deste incidente passado, os técnicos vindos deste futuro em perigo e sequencial e desconhecendo a data dessa intervenção intrusiva (que deveria estar mesmo muito próxima), só viam a aplicação dum método preventivo directo e contando com a presença dos dois principais interlocutores, como a única solução viável. Então desisti de vez de compreender o que se estava na realidade a passar e enquanto dois dos elementos abandonavam o apartamento dirigi-me pela mão de Máxima para a cama do quarto. O espaço-tempo de sexo foi de mais e acho que foi a partir daí que cheguei à conclusão que tinha mesmo de conhecer a miúda com a qual trocara olhares na Universidade.

 

Abdiquei provavelmente de muitos momentos de felicidade, mas aquele não sabendo bem porquê, parecera que sempre fizera parte de mim: só que não percebia muito bem se tinha sido pelo momento passado, se por outra coisa qualquer que me sugerisse algo no futuro, que não conhecendo ainda parecia querer dizer algo. O corpo dela ainda se enrolava quente e ávido em torno do meu, tentando puxar-me de novo para a luxúria e para a volúpia contorcionista dos nossos corpo ávidos de contactos e de novas e poderosas sensações, quando repentinamente me desequilibrei, cai da cama e acordei: eram oito horas da manhã.

 

 

Finalmente chegara o dia em que eu previra antecipadamente que caíra no chão proveniente desta cama traiçoeira: os lençóis tinham a tendência para caírem sempre para o mesmo lado – talvez por ser por este lado que na maior parte das vezes entrava na cama – enquanto o colchão se deslocava em sentido contrário, criando uma ligeira depressão susceptível de causar acidentes. E eu tinha caído num deles e batido mesmo que levemente com a cabeça no chão: estendido no soalho sob a acção dos primeiros raios do Sol que atravessavam a janela e que pareciam já querer começar a trabalhar em módulo extra, aquecendo o meu corpo e despertando-me a alma, comecei progressivamente a recordar-me do sonho vivido na noite passada, lembrando-me do tempo passado com a gostosa e simpática “miúda da universidade” e dos seus dois acompanhantes, ausentes da cena principal mas pertencendo ao grupo dela. Parecia tudo tão real neste sonho persistente e incoerente, que a própria realidade ambiental que me envolvia ainda mais me confundia – sentimento causado por uma mistura sem critérios de todos os parâmetros de tempo e de espaço envolvidos, mas nem todos descortinados e compreendidos – dado esta ser para além do mais sempre a mesma, mas com algumas alterações pontuais (de imagens) projectadas. Dirigi-me à casa de banho e fui molhar abundantemente a cabeça para ver se arejava a mente e organizava um pouco mais as ideias: as pessoas começavam já a aparecer nas ruas e a vida regressava de novo à cidade. Pensei em arranjar-me e ir dar um salto até à Universidade. Certamente que os meus amigos me iriam contar o que tinham feito no resto da noite após os deixar, tal como eu estava ansioso por lhes falar desta minha experiência. Foi aí que notei no quarto dois pequenos detalhes que me despertaram a atenção: a cama estava fora do sítio e mais desarrumada do que seria normal e junto a ela, já encoberta pela placa que quase ao nível do chão suportava o colchão, encontrava-se uma pequena bolsa que não era minha contendo pequenos objectos e uma identificação com retrato – a imagem da miúda que agora não me largava.

 

Dos meus direitos pelos vistos ninguém queria saber. Telefonei para alguns dos meus amigos e ninguém me atendeu. Tentei ligar o computador mas a rede apresentava-se sempre “não acessível”. Se antes o cenário ilusório dos sonhos me proporcionara momentos agradáveis e repetíveis, a realidade pura e dura que eu agora percepcionava pouco se importava comigo, muito menos com os meus inoportunos e inconfessáveis desejos: tinha que me desenrascar sozinho e esperar que o guião se melhorasse. Liguei então a TV e apanhei-me a olhar fixamente para uma notícia transmitida por um canal informativo local, que se referia ao avistamento nos últimos segundos de um pequeno meteorito atravessando os céus em direcção ao centro da cidade. Desloquei-me até à janela e pus-me a olhar para os céus: o Sol já iluminava a cidade e em todo o seu redor o céu apresentava-se claro e azul, prenúncio de mais um dia de bom tempo e duma vida agradável. Do lado oposto surgiu um pequeno rasto luminoso, acompanhado dum ruído em crescendo, muito semelhante ao dum avião. Em menos de dez segundos o objecto que atravessava os céus explodiu, lançando dezenas de fragmentos em todas as direcções e provocando múltiplos impactos sobre a superfície que agora atravessava. A sua grande maioria não trouxe consequências significativas para a cidade, mas três fragmentos de maiores dimensões ainda atingiram zonas industriais e habitacionais: dois deles com locais de impacto situados muito próximos um do outro e atingindo uma fábrica abandonada e um bloco de habitações em construção e o terceiro mais grave além de bem visível e que teria provocado algumas vítimas num prédio habitacional no centro da cidade.

 

Fim da 2.ª parte de 3

 

(imagens – Web)

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por Produções Anormais - Albufeira às 01:19

Pulsações (1/3)

Sexta-feira, 07.02.14

Ficheiros Secretos – Albufeira XXI

(Mundo Sequencial – Transmissão Indiferenciada por Pulsação e Contacto)

 

“Acordei às oito no cumprimento do dever: duas horas depois abdiquei definitivamente dos meus direitos”. Simplesmente por Intervenção Exterior: Divina, Alienígena ou Humana.

 

Todos os sistemas eram suportados por estruturas redundantes de simulações paralelas e coincidentes, criadas com o objectivo de proteger e defender os operadores do aparecimento de determinadas particularidades – maioritariamente acidentais e produtos do acaso – e assim evitar o aparecimento de derivações de controlo incerto e susceptíveis de suspensão. Os custos dessa suspensão eram extremamente elevados – a criação e eliminação de cenários poderia levar à desqualificação de actores e outros artefactos potencialmente válidos e extremamente efectivos – além de que todos os pontos introduzidos e mesmo que posteriormente eliminados da execução do programa, permaneciam indefinidamente no sistema. Detectada a particularidade arrancava de imediato o programa substitutivo de segurança, o qual só terminaria após a detecção da inconformidade no holograma e a conclusão (e impressão por sobreposição) do novo cenário (disponível por replicação). Utilizando um método de cálculo matemático baseado em sucessivas interpolações repetindo-se até ao ponto de referência pretendido – resultado de intersecções múltiplas de planos do espaço, mas com um ponto comum na estrutura – foi com relativa facilidade e num curto espaço de tempo que detectaram a origem do problema.

 

Acordei às oito no cumprimento do dever

 

 

Acordei por volta das cinco horas da madrugada, sobressaltado por um sonho pelo qual estava a passar no momento e que incluía uma adaptação bem realística, duma cena vivida na noite anterior: à saída do bar fora atingido por um balão vindo não se sabe bem de onde, que ao colidir com o meu corpo rebentara, espalhando de imediato sobre mim uma fina película meia plástica e viscosa, que por momentos pareceu aderir perfeitamente à pele mas logo de seguida desapareceu. Na altura ainda estranhei a situação – se fosse plástico e ao contrário do que sucedeu, o material deveria ter encolhido – mas levado pelo riso e pela diversão que tinha provocado na minha companhia, ignorei-a rapidamente e também mergulhei na brincadeira. No meu sonho a única diferença residia na identificação da origem do acontecimento, num caso real e no outro imaginário: se no primeiro caso a origem da intervenção teria que ser forçosamente humana – o balão era uma criação do Homem, ali colocado em consciência e com um determinado objectivo a cumprir – na concretização do sonho e dado estar inserido duma forma inconsciente noutra realidade, tudo indiciava a participação neste novo cenário de objectos transformados em imagens duma Entidade Diferenciada. A imagem duma paisagem caótica e ondulante, indiferente aos limites definidos para cada um dos seus elementos – o que levava a que certos espaços pudessem ser partilhados, utilizando a teoria da existência e do paralelismo dos mundos – proporcionara a ocorrência no decorrer e evoluir do sonho, duma mistura de cenários complementares à realidade que o provocara, mostrando no meu caso o meu corpo a ser envolvido num manto nebuloso, a desaparecer subitamente e a reaparecer noutro mundo do mesmo mundo. E até contando com a presença de mortos e de outras disparidades (como a Alma e outras espécies não identificadas) nesta produção dirigida. Tornei a adormecer.

 

Às oito horas da manhã o despertador tocou o alarme: de certeza que me esquecera de o desligar, já que nem me lembrava sequer de o ter visto, quando me tinha ido deitar. Ainda mal a começar a abrir os olhos, inclinei o meu corpo para a esquerda e com as mãos procurei encontrar a mesinha ou então a beira da cama. Não havia maneira de as encontrar com segurança no meio daquela escuridão e se caísse da cama ainda se poderia magoar. Mas algo não batia certo nesta situação ou então era eu que ainda não tinha acordado completamente: por vezes o momento de ligação entre o sonho e a realidade deixavam-me um pouco confuso no tempo e perdido no espaço. Além de começar a apresentar uma estranha e crescente sensação de desequilíbrio – sentia-me como se estivesse a ser puxado para cima desafiando a lei da gravidade – fiquei admirado quando ao olhar pela janela do quarto verifiquei que a luz do Sol ainda não tinha chegado, vislumbrando apenas no exterior e espreitando através do vidro, um céu intermédio de claridade, de nascer ou pôr-do-sol. Pelo menos até ontem o Sol começava a aparecer por aqui vindo de leste depois das seis e às oito já era dia. Mais habituado à penumbra que me envolvia tentei de novo levantar-me, mas para meu espanto senti que o sangue e quase todas as minhas forças pareciam deslocar-se em direcção à cabeça, fragilizando os membros inferiores e dificultando-me o apoio nos mesmos. Era como se tivesse os pés no lugar da cabeça e estivesse enfiado num buraco negro! Olhei de novo para o relógio e confirmei as horas: tinha passado quase meia hora desde que acordara mas a luminosidade não se alterara. Ligou a rádio, a TV e o seu PC mas o resultado foi sempre o mesmo: os respectivos emissores apresentavam-se todos fora de serviço e até o telefone estava mudo. Mas tinha electricidade.

 

 

No cumprimento do processo evolutivo de replicação de partículas obtidas através da junção da matéria e das suas características activas de movimento e de energia, o mundo expandira-se em todas as direcções a partir dum ponto original, aqui referenciado iniciaticamente como o zero absoluto. Num episódio reportado a um dos universos já disponíveis e com o seu período de incubação integralmente cumprido e em módulo de espera, a partícula fundamental abandonou finalmente o seu estado de neutralidade activa, emitindo instantaneamente e duma forma consecutiva energia sem precedentes para o seu exterior e dando origem por colisão a processos idênticos de transferência e de transformação de energia, que levaram ao “Grande Estouro”: lançada pelo espaço agora disponibilizado para este novo conjunto, a matéria agora fragmentada começou a distribuir a sua massa em todas as direcções, expandindo-se a grande velocidade e criando com a sua energia pontos de concentração diferenciada, que foram de acordo com o seu desenvolvimento dando origem a novas diversidades, entre mundos e novas espécies. Em sentido contrário outros universos em etapas diferenciadas da sua evolução estariam agora no seu período de contracção e de fecho da sua curva, de início expansiva (deslocando-se de dentro para fora e libertando energia) e no seu final contractiva (deslocando-se de fora para dentro e absorvendo energia): a noção de infinidade era dada por este contínuo e eterno retorno (à origem), provocando inícios distintos por impossibilidade contrária, mas sempre utilizando no seu processo de transformação, curvaturas diferentes e espiraladas. O conjunto teria pontos dispersos de manutenção de equilíbrios, necessários para a resolução de certos problemas existentes na dispersão de matéria e de energia pelo espaço e que seriam provocadas por certas acumulações inesperadas de “espaços excessivamente preenchidos” e que poderiam dificultar o movimento geral do conjunto do (s) Universo (s): esses ponto seriam os conhecidos “buracos negros”, colocados estrategicamente antes do conjunto U ser activado e que teriam como função assegurar o escoamento de todos os excedentários produzidos durante a execução da tarefa atribuída à máquina e equilibrar os diferentes conjuntos interligados (por intersecção) e actuando entre si, como constituintes dum cenário mais amplo, com parâmetros flexíveis e de dimensões indeterminadas (infinitas). Permitindo deslocações entre determinados parâmetros do espaço, entre tempos e entre lugares”. (excerto do livro: O Construtor de Universos – Origens Filosóficas – Particularidades Pré-Instaladas – Os Redemoinhos Espácio-Temporais)

 

Do dever a única reflexão que retiro (desse termo) é que o mesmo deveria ser utilizado como um instrumento filosófico dedicado à conservação da vida e nunca para ser propiciador de situações preocupantes senão mesmo perigosas: os riscos que corremos com as constantes adaptações de termos como valores, princípios, respeito e ética (entre muitos outros, senão mesmo todos) têm que ser considerados definitivamente como tendencialmente suicidas, pelo menos enquanto continuarmos a entregar o nosso futuro a psicopatas com tendências auto-destrutivas, só porque estes nos seleccionaram preferencialmente como seus pioneiros, para a execução voluntária das suas práticas de oportunidade interessadas e pessoais. O que se passava comigo era algo semelhante: talvez por obediência à mudança de planos do seu próprio autor, alguém reconstruíra um cenário já consolidado e pré-existente, não se preocupando minimamente com os actores a que já tinha dado vida – alterando completamente a distribuição dos adereços que os rodeavam e nos quais se identificavam – nem sequer com o esforço de todos os restantes colaboradores que o tinham criado e mantido em funcionamento. O meu delírio colocava-me nessa altura num espaço estranho e alienado da realidade, mas que não pertencendo nem ao mundo dos sonhos nem ao mundo das ilusões, me inseria agora num intervalo virtual, como se fosse uma dádiva (extra) aí graciosamente inserida, descartável tipo apêndice; e que em qualquer momento dispondo dum argumento rodeado de incertezas se poderia alterar ou mesmo inverter na sua totalidade. No fundo não queria acreditar no que me estava a acontecer e o meu mais profundo desejo era voltar a adormecer e voltar a acordar de novo. Mas a situação com que me deparava não se alterava por mero desejo ou intenção e lá continuava eu no interior daquele quarto no qual entrara na noite anterior vindo dum exterior vivido e conhecido, agora exposto a um mundo que se abria lá fora e com o qual não sentia nenhuma afinidade – só estranheza e receio. Aí o telefone, tocou deixando-me estático e ainda mal convencido (do que me estava a acontecer) a olhar fixamente para ele. Olhei mais uma vez à minha volta, confirmei a paisagem que se divisava para além da janela e dando uns passos inseguros levantei o auscultador: como se fosse uma molécula de água entre muitos outros milhões existentes e fazendo parte dum organismo agregador mais vasto e poderoso, caí subitamente num precipício escuro e profundo, que me colocou numa trajectória circular e concêntrica em direcção ao outro lado, no qual desapareci e reapareci, com uma sensação estranha vinda do exterior como se um sistema de forças actuasse sobre o meu corpo e o impulsionasse para outro ponto deste ou doutro lugar. Senti-me como uma massa de água inerte depositada num lavatório duma qualquer casa comum, que depois de retirada a tampa que a sustinha (separando-a do túnel de comunicação que lhe sucedia), era levada por uma corrente violenta e espiralada em direcção a um buraco que não nos puxando, apenas deixava exercer sobre ele a força da nossa massa transportando-nos para outras realidades paralelas e complementares. O Universo era o mesmo e a realidade uma parte dele.

 

Fim da 1.ª parte de 3

 

(imagens – Web)

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por Produções Anormais - Albufeira às 01:05