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Jorge Lima Barreto

Sexta-feira, 07.11.14

UM ROUXINOL NA ORDEM ZERO
(Por Vítor Rua)

 

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Jorge Lima Barreto
(e Vítor Rua)

 

“Não ouvi e não gostei”
@Jorge Lima Barreto

 

Esta frase dita por uma pessoa qualquer, pode parecer pretenciosa, reaccionária, injusta. Quando proferida por Jorge Lima Barreto, tinha a ver com gosto e tempo. Para quê perder tempo a ouvir a chamada música gastronómica? (como Umberto Eco chamava à Muzak). Ele sabia o que era "bom" e o que era "mau". Tinha "faro" para essas coisas. Assim, escutar "má" música era tempo perdido. Depois vem o gosto. O Jorge só ouvia o "melhor"! O melhor jazz, o melhor rock, a melhor música electrónica, concreta, acusmática, espectral; as melhores músicas etnográficas; a melhor clássica ou contemporânea. "Melhor", para ele, era o mínimo múltiplo comum.

 

Apropriando-nos de uma citação de Zappa, diríamos que falar sobre Jorge Lima Barreto é como dançar sobre arquitectura. Como descrever em palavras toda a sua genialidade criativa?

 

Uma palavra que surge incessantemente é "pioneiro". O Jorge foi pioneiro até ao fim. Foi pioneiro no uso do sintetizador em Portugal. O seu LP Anarband, com Rui Reininho, é o primeiro disco de música experimental em Portugal. Encounters, com Saheb Sarbib, o primeiro em que se cruzam as músicas jazz e electrónica. Em 1981 - faz agora 30 anos -, cria comigo os Telectu; fomos pioneiros na introdução da música minimal-repetitiva em Portugal. Aliás o termo minimal-repetitiva é invenção sua. É a única língua (o português) em que melhor se descreve este tipo de música. No inglês temos minimal music, e no francês musique répétitif. O problema é que existe música minimal não-repetitiva, e existe música repetitiva não-minimal. O Jorge reparou isso; corrigiu a terminologia existente, tornando-a mais exacta. Procedimento de um musicólogo activo. Em 2008, cria com o jovem e talentoso músico Jonas Runa o projecto Zul Zelub, onde pretendeu fundir de forma pioneira o som acústico do seu piano à electrónica sensível de Jonas Runa, evitando sempre qualquer conotação com a chamada música de laptop.

 

Como musicólogo, escreveu sobre jazz - o primeiro livro de jazz em Portugal; escreve sobre rock e droga; sobre música concreta, electrónica, contemporânea erudita; música de dança; música improvisada. Sempre de forma original e pioneira. Deu conferências em todo o mundo, do Brasil à China e à URSS - vi-o em Moscovo, vestido de talhante de Praga, com medalhas douradas metálicas, a dar uma conferência em que estavam o compositor do Tarkovsky, Artmiev, e o musicólogo russo Dimitri Uchov; o Jorge falava e todos hipnotizava com o seu saber e humor.

 

Foi - mais uma vez -, pioneiro na concepção e realização de música para performance, teatro, instalação, pintura, poesia, vídeo-arte, cinema. Trabalhou com artistas como Ernesto de Sousa, Ernesto Melo e Castro, Eugénio de Andrade, Luís Miguel Cintra, António Barros, Luís Camacho ou António Palolo.

 

Como músico, e com os Telectu, toca e grava com os maiores músicos internacionais de jazz, improvisada e contemporânea. Chris Cutler, Elliott Sharp, Jac Berrocal, Louis Sclavis, Evan Parker, Daniel Kientzy, Giancarlo Schiaffini. Só olhando a bateristas, temos o Sunny Murray, o Eddie Prevóst, Gery Hemingway, Barry Altschul, Paul Lytton, Han Bennink... Está aqui toda uma História da bateria. E não era o Jorge que se integrava na musicalidade dos outros: ele era sempre o impulsionador de novas e estranhas ambiências ou paisagens sonoras.

 

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Jorge Lima Barreto
(numa fotografia de Nuno Martins)

 

Inimitável

 

Como pedagogo, era ímpar. Não tinha escola ou alunos porque todos aprendíamos com tudo o que ele dizia e nos mostrava. O Jorge mudou a vida de muitos de nós para melhor: para um novo mundo sónico. António Pinho Vargas ou Rão Kyao - no jazz - foram dois músicos para quem foi fundamental. Eu e o Nuno Rebelo (do rock) fomos outros. E tantos, antes e depois. Mas o Jorge não nos ensinava a tocar como ele ou a pensar como ele. Ensinava-nos a criar e desenvolver a nossa própria gramática e sintaxe: a nossa linguagem musical.

 

Tal como Monk, não é imitável. O seu estilo, quer nos sintetizadores e samplers, quer no piano de cauda, é idiossincrático. A sua maneira de raciocinar a música é não-linear. O Jorge é livre e musical, como um rouxinol. Livre, porque sempre fez e lutou por fazer o que queria. E transmitia-nos essa sua força. Incentivava-nos a fazer o mesmo. A não prostituirmos a nossa arte.

 

A referência à ordem zero do físico Markov vem do facto de saltar de um livro para outro ou de um disco para outro, aparentemente sem qualquer relação entre eles, com a intenção de a um evento acrescentar outro, e mais outro, só pelo simples facto de serem belos, auto-suficientes e lhe darem prazer.

 

Erro e caos eram o segundo nome do Jorge: com eles, estava em casa. Criava sistemas musicais onde através de um aparente caos deixava de existir o erro.

 

"Novo expressionismo" - era como Salvatore Sciarrino designava o novo tipo de virtuosismo como o que ele nos presenteava. Um virtuosismo tal que nos parecia "fácil", "simples", "errático", "débil", enfim, tudo adjectivos não-abonatórios ao que, na realidade, era precisamente o contrário: a simplicidade que gera a complexidade; a originalidade ou identidade; gestos revolucionários; técnicas inovadoras. Sweet violence.

 

Recorria muitas das vezes ao uso de autocolantes nas teclas dos teclados, para criar partituras visuais que muitas vezes só ele parecia decifrar. E escrevia meticulosamente os parâmetros dos sintetizadores, para que mais tarde ele ou alguém interessado na execução daquela obra a pudesse interpretar de novo. Ordem no caos.

 

O seu jornalismo musical era sempre do mais alto nível e sempre corrosivo e revolucionário. Na rádio, com Rui Neves, cria os Musonautas, programa mítico, no ar uns 20 anos. Em Macau tem o programa Onda Jazz.

 

Milhares de concertos em todo o mundo, da China ao Brasil, de Cuba a Hong Kong, de Nova Iorque à Rússia, e quase toda a Europa, nos melhores festivais, e com os melhores músicos, fazem dele uma figura ímpar no panorama musical português, só comparável a um músico como Carlos Zíngaro.

 

As suas caricaturas BD são conhecidas por amigos íntimos e são de uma qualidade fabulosa de sarcasmo, humor e sátira contundente.

 

Um dia normal na vida do Jorge podia ser acordar às seis da manhã para ir escrever e assim ficar até às 11h45, altura em que se preparava para sair para almoçar ao meio-dia em ponto. Uma dose para dois. Depois de almoço uma visita às escadinhas do Duque para ver e comprar umas BD. Regressa pelas 15h00 e volta à escrita. Sempre a ouvir música. Ensaio com Telectu das 17h00 às 19h00. Jantar. Depois do jantar, um improviso no piano. Depois audição musical (muitas das vezes jazz).

 

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TELECTU

 

Enciclopédico

 

A sua enciclopédica sapiência fazia com que num momento estivesse a falar de fractais e logo a seguir de vídeo-arte; uma conversa que começasse por discutir ópera podia terminar com uma análise à música dos cantos sussurrados do Burundi, abordar a dromologia de Paul Virilio e a entrevista que fez a Frank Zappa.

 

O Jorge nunca se acomodou, nunca andou a pedir pelos gabinetes do Estado, nunca recebeu apoios, tudo o que fez foi por ele conquistado. E é difícil fazer o que ele fazia, o que ele dizia, o que ele representava, e conseguir ser-se ouvido. Muitas das vezes era silenciado.

 

Contam-se pelos dedos as entrevistas ao Jorge Lima Barreto nos media e as aparições em televisão. O Jorge não alinhava em playbacks nem em "palhaçadas", como chamava à generalidade dos programas de TV ou rádio. Eram raras as excepções.

 

É amigo e faz música (com os Telectu) para quase todos os grandes performers portugueses: Manoel Barbosa, Silvestre Pestana, Fernando Aguiar, Carlos Gordilho, Elizabete Mileu, Rui Orfão e muitos outros.

 

São precisos 30 anos para o Jorge tirar o doutoramento, depois de diversas peripécias. Estava agora a entregar o seu projecto de pós-doutoramento. Um lado académico nada convencional e até de guerrilha.

 

Jorge Lima Barreto foi um rouxinol na ordem zero.

 

O músico e compositor Vítor Rua foi co-fundador dos Telectu com Jorge Lima Barreto

 

(Publicado em 12.07.2011 no jornal Público/público.pt)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 10:38

USA – Nevada – Sismos

Sexta-feira, 07.11.14

Todos nós já ouvimos falar do termo BIG ONE, que sempre associamos à cidade de São Francisco e ao estado da Califórnia. Estado esse localizado na região ocidental dos Estados Unidos, bastante famosa por ser especialmente propícia a fenómenos sismológicos. Como o foram os dois grandes terramotos de 1857 (7.9) e de 1906 (7.8), com este último a atingir violentamente a cidade São Francisco, danificando mais de 80% dos edifícios e provocando à volta de 3.000 mortos. Nunca esquecendo a presença a cerca de 1.500km de distância (uma ninharia) do maior super-vulcão do mundo (Yellowstone).

 

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São Francisco – Sismo de 1906
(imagem – Casey & Clancy)

 

Nos Estados Unidos da América e durante os últimos dias desta semana, voltaram de novo a intensificar-se os registos sismológicos que tem vindo a afectar o noroeste do estado do Nevada – com uma sucessão de pequenos sismos a serem assinalados desde meados de Julho. Sabendo-se que neste período se registaram na região mais de 600 eventos sismológicos (com apenas 7% de magnitude superior a 3) e considerando-se mesmo assim estar-se perante uma situação aparentemente controlada, a magnitude atingida nos últimos sismos nesta zona noroeste do Nevada, tem vindo em sentido contrário a preocupar de uma forma crescente toda a comunidade científica. Para já foram quatro os sismos assinalados na última semana (num total de 127) de magnitude igual ou superior a 4: 4.1 (10/30), 4.0 (11/4), 4.6 (11/5) e 4.7 (11/6). Tendo metade desses sismos sido assinalados hoje (dia 6).

 

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Noroeste do Nevada – 127 Sismos nos últimos 7 dias
(imagem – USGS)

 

No entanto convém ser sempre cauteloso quando se lida com fenómenos naturais tão imprevisíveis como estes, já que se por vezes casos semelhantes podem ser causados por movimentos da crosta terrestre considerados normais e sem consequências de maior, noutros casos essas movimentações poderão representar os primeiros sinais de possíveis situações futuras muito mais alarmantes. No entanto a informação recentemente divulgada pelo Instituto Sismológico do Nevada é para já tranquilizante:

 

"Following any sequence of earthquakes similar to what is occurring in northwest Nevada, there is a small increase in the probability of a larger event. Whether a larger event will occur in the northwest Nevada swarm cannot be predicted or forecast. However, large earthquakes can happen anywhere in Nevada, and we encourage citizens to take steps to prepare for the potential for strong ground shaking."

 

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Relação entre escalas – Mercalli e Richter
(imagem – geografiaetal.blogspot.com)

 

No caso de Portugal Continental o último sismo detectado (dia 6 pelas 22:48) verificou-se a norte de Melides (registando uma amplitude de 1.1).

 

Actualização: mais 19 pequenos sismos registados nesta zona do Nevada (com o mais forte a atingir 4.2) – 11/07/2014 00:50

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 00:56