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Crendices e Abusos

Quinta-feira, 05.02.15

Um trabalho perfeitamente idiota (mas que neste mundo pode tornar-se real).
Mas ainda na expectativa de se transformar numa fonte de consulta de uma qualquer tese de mestrado ou de doutoramento (preferencialmente na área da Saúde/Contabilidade).
No mínimo incluído num workshop, numa acção de formação sem grande conduto ou em qualquer PowerPoint a ser disponibilizado neste país.

 

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Face às fortes críticas ultimamente lançadas sobre o Ministério da Saúde relativamente à sua posição em torno dos doentes com hepatite C e correndo perigo de vida (necessitando ser tratados o mais rapidamente possível, com um medicamento inovador e eficaz, mas extremamente caro), encomendei a um especialista no ramo do cálculo estatístico e incapaz de se deixar influenciar pelo delicado tema em reflexão, uma sondagem rigorosa, imparcial e que estivesse assente em parâmetros reais.

 

Dada a impossibilidade de uma rápida apresentação de resultados caso se tivesse de recorrer à consulta personalizada de um determinado universo de indivíduos, o referido especialista e tendo em atenção a importância do rigor nos valores a recolher, optou por escolher como seu instrumento de trabalho um “Gerador de Números Aleatórios”, um produto reconhecido do Grupo Intemodino.

 

E dessa forma gerando aleatoriamente 100 números compreendidos entre 1 e 4 (ou entre as letras A e D), obtive a seguinte tabela de resultados (sondagem efectuada a um Universo de cem indivíduos virtuais, postos perante um Ministério em tempos de dificuldades orçamentais):

 

OpçãoAtitude do MinistroSituação em que fica o DoenteConsequência para o Doente%
APermite acesso livre ao fornecimento de tratamentos inovadores e eficazesPondo de lado o aspecto financeiro e tudo o que isso implica, a melhor solução para os doentesSalvação da esmagadora maioria dos doentes25
BPermite com condições mais flexíveis fornecer tratamentos inovadores e eficazesPondo de lado o aspecto financeiro e tudo o que isso implica, uma solução dependendo do grau de flexibilidadeSalvação da esmagadora maioria dos doentes24
CPermite em determinadas condições fornecer tratamentos inovadores e eficazesPondo de lado o aspecto financeiro e tudo o que isso implica, a solução para os doentes com sorteCondenação da maioria dos doentes à morte22
DRecusa fornecer tratamentos inovadores e eficazesPondo de lado o aspecto financeiro e tudo o que isso implica, a pior solução para os doentesCondenação à morte e a prazo de todos os doentes29

(O Universo de consulta englobava cem elementos que escolheriam entre quatro possibilidades aquela que claramente apoiavam)

 

Como já era matematicamente previsto dado o aleatório também ser limitado (a média é o seu destino fatal), a distribuição final de percentagens foi muito equilibrada. Segundo esta sondagem recorrendo à geração aleatória de números, logo rigorosa e imparcial, o Ministério da Saúde teria a razão pelo seu lado: 29% dos virtuais inquiridos apoiavam a sua decisão, de condenação à morte e a prazo dos doentes. Apesar de estar tudo muito dividido (51/49), o que continuava a aconselhar extrema cautela.

 

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Assim se comprova como qualquer tipo de argumento utilizando números, cálculos, estatística, previsões, sondagens e até mundos reais e imaginários, é invencível e eternamente prevalecente (devido à força mágica dos dígitos e de tudo o que deles depende), mesmo que o guião seja o mais sacana e imbecil ou não passe de mais uma treta.

 

“Democracia: é uma crendice muito difundida, um abuso da estatística.”
(Jorge Luis Borges)

 

(imagens: blogdoserido.com.br/saturnov.com)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 16:22