ALBUFEIRA
Um espelho que reflecte a vida, que passa por nós num segundo (espelho)
PORTO
Há cinquenta anos a imagem do Porto já era esta. Hoje ninguém poderá negar a beleza desta imagem, mas também não poderão esquecer que atrás deste mundo colorido, ainda existe um outro mundo com pessoas esquecidas e desprezadas e com uma vida de sacrifícios e toda de preto e sem um pouco de branco compreensivo e solidário.
O Porto seria mais belo se tivessem estimado melhor o seu povo trabalhador
O Porto é a cidade onde nasci, frequentei a primária/1.ºciclo e conclui o preparatório/2.ºciclo. Vivi durante estes anos numa habitação situada na Rua do Bonfim – perto da Igreja – e ainda me lembro de ver através da varanda do 1.ºandar – ou então do sótão onde eram os quartos das crianças – o majestoso Rio Douro perto da zona do Freixo, correndo carregado de água entre as suas margens e com a verdejante serra do outro lado, carregada de um arvoredo cheio de vida e de fauna, como pano de fundo de um maravilhoso quadro de criança. Muitas vezes me punha a observar aquela bela e misteriosa terra que envolvia a cidade, cercando um intrincado conjunto de casas amontoadas constituintes desta urbe e que como amante dela me parecia tão perto de mim – à distância de um olhar – mas ao mesmo tempo tão longe fisicamente, não só por me parecer inalcançável devido à distância e a não poder lá estar, mas porque o rio se armava em seu defensor e não me deixava lá chegar. O rio era sempre a minha referência geográfica e do sótão da casa dos meus avós maternos, muitas vezes passava algum tempo a observá-lo, através daquela a que eu chamei em criança “A Janelinha do Douro”. Muitas recordações me ficaram ainda da minha infância, como as fortes trovoadas de Inverno que faziam a casa estremecer – e o medo que elas nos provocavam ao serem acompanhadas por relâmpagos como já não existem –, os incêndios que mais tarde começaram a atingir a serra talvez por interesses imobiliários e ainda a azáfama da vida e dos negócios das pessoas, que trabalhando sem parar até anoitecer, procuravam uma vida melhor do que aquela que tinham na altura e do qual o estado novo pouco se importava.
Nas margens do Rio Douro o casaria já começava a crescer e a subir vertiginosamente, mesmo nas suas margens mais perigosas e inclinadas, aproximando-se rapidamente das zonas da Ribeira – e também do lado de Gaia – e colocando-se frente-a-frente aos barcos rebelos e aos armazéns ligados ao florescente comércio de vinhos, de que o Vinho do Porto era a sua excelência, por interferência e interesse de mercado dos nossos amigos Ingleses. Isto tudo porque ainda me lembro da passagem de carro sobre o tabuleiro superior da Ponte de D. Luís, necessário para se poder atingir a outra margem do Rio Douro e a partir daí poder descobrir o mundo que se estenderia para lá dela e que nos provocava sempre e em criança, um misto de receio e fascínio – pela sua elevada e inusual altura – que nos transportava para um mundo de vertigens, perigo e aventura, ao mesmo tempo conjugado com o maravilhoso espetáculo de assistir de cá de cima – do céu – os carrinhos de brincar que lá em baixo faziam fila pela marginal até ao tabuleiro inferior da ponte, sempre a andarem e sem se verem pessoas, como numa pista de carrinhos de plástico, em que os condutores seriamos nós: aqui seria a nossa imaginação, a criar este mundo de brincar.
(imagem – dipity.com)