ALBUFEIRA
Um espelho que reflecte a vida, que passa por nós num segundo (espelho)
Cenários Desenquadrados (8)
Ficheiros da Desintegração
As Necessidades Extraordinárias do Gato Tobias
(sob critério SMALL)
Recolha de indícios, de lacunas e de outras descompensações, entre os mundos imaginados e a realidade dos humanos.
Era como se as nuvens do céu tivessem caído sobre o mar
(e avançassem decididas em direcção a terra)
As despedidas foram rápidas tendo todos optado por um até logo em vez das tradicionais cenas de desgosto e de pesar: a vida era demasiado curta e os amigos não se perdiam apenas porque estavam distantes – o que interessava era aquilo que por pouco que fosse, cada um deles transportasse dentro de si, sendo também e por patilha uma parte do outro e também de todos os restantes, conhecidos ou ausentes. Desse modo nunca nenhum deles seria esquecido, nem mesmo morreria.
O momento da chegada do Tobias a casa foi duma alegria sem fim para o seu amigo cão: não o largava nem por um segundo e foram mesmo as duas irmãs que o vieram salvar, quando o viram pela janela que dava para o jardim a chegar calmamente e a saltar por cima do portão, já com toda a família reunida à mesa e a começar a comer. Tinha estado ausente demasiado tempo e se por um lado as saudades da aventura já eram imensas, o sentimento de dever cumprido e de estar no meio do seu grupo de amigos e de companheiros, tudo fez esquecer, ficando ainda com mais fome do que a que já tinha anteriormente, mas agora não só de comida mas de companhia também. Mais tarde quando todos já se tinham ido deitar, lá se encontraram os dois amigos na parte mais alta do telhado, mesmo em cima da chaminé e enquanto olhavam para oeste onde a Lua se punha e à hora combinada, lá viram um relâmpago muito curto e uma luz que instantaneamente atravessou o céu nocturno e desapareceu.
Na cidade o silêncio era absoluto, enquanto que a verdadeira parede de nuvens que se instalara ao fim do dia cobrindo tudo e não deixando ver um palmo à frente, parecia querer finalmente começar a dissipar-se.
A realidade de dependência e de miséria que hoje em dia nos é imposta pelo Estado e seus discípulos, sob as ordens das grandes Corporações que os formam e nomeiam – completando assim um Ciclo Infernal de controlo e de domínio absoluto, duma minoria invisível sobre toda a população mundial – utiliza determinados artefactos repescados da tradicional memória e cultura popular para, invertendo o sentido de orientação espacial do povo o confundir e como consequência, poder enquanto este se encontra paralisado e sem saber bem o que fazer introduzir-se nele, com o objectivo deliberado de misturar realidade e ficção, servindo-se desta imagem fabricada e distorcida para substituir o objecto. Um desses artefactos é o Espelho: representando um objecto real num mundo virtual o espelho é utilizado para fazer reverter nessa realidade algumas virtudes da sua imagem, construindo à volta dela uma realidade artificial que tudo arrasta à sua frente, não só pela pressão com que nos é imposta esta imagem tratada por esta sociedade sedenta de espectáculo e violência, como também porque ela até pode ser bela e aceitável se convenientemente maquilhada e elogiada. Além do mais o espelho apesar de nos oferecer apenas a nossa imagem, permite-nos alargar os nossos horizontes visuais e confirmar definitivamente a nossa existência: só nos vemos nesse período ignorando-nos antes e depois.
As Ilusões também se abatem
A desintegração não resulta assim de nenhum conflito existente entre aquilo que para nós é a realidade e aquilo que imaginamos: as duas fazem parte do mesmo e são um só objecto, tal como os sonhos fazem parte da nossa vida, correndo ao lado dela como dois mundos paralelos que muitas vezes se sobrepõem e comunicam. É a manutenção dessa comunicação que o Homem tem que impor e exigir, se quiser manter alguma seriedade e noção do mundo em que vive e está inserido ou então o seu futuro será unidireccional e com um único dever sem direitos, o de servir – tal como o cavalo ao qual o dono coloca uma pala para melhor o controlar, protegendo-o na sua função deste mundo real e hostil. A desintegração resulta sim duma utilização desproporcionada duma imagem idealizada para o Homem – proposta por poucos homens, que a pretendem utilizar sobre os restantes – que acaba por distorcer a própria realidade, por alteração da imagem original num cenário que nem sequer existe: um dia a película reflectora irá partir e para lá dela não mais nos veremos, perdendo-nos no resto do espaço existente para além dele. Talvez aí olhemos para o que o corpo nos oferece e que somos e vejamos também nos outros, tudo aquilo que já fomos: se a Bruxa estivesse do lado de lá o que diria ela de nós?
Em Albufeira a manhã nascera clara e cheia de Sol. Na praia os turistas já passeavam pelo areal e alguns mais destemidos já tinham mergulhado no mar, saboreando a tranquilidade das águas e a beleza das casas brancas que cobriam as falésias. Na praia do Peneco o buraco já fora todo tapado e a máquina já se tinha retirado. Enquanto isso no porto de abrigo os poucos pescadores que ainda sobreviviam da arte rodeavam algo caído no chão, pretensamente descoberto por um colega durante a sua faina nocturna e que ficara preso nas suas redes, quase que fazendo virar o seu pequeno barco a motor: retiradas as redes que se tinham emaranhado à sua volta, os presentes reconheceram logo que deveria ser um corpo humano já em adiantado estado de decomposição, apresentando ferimentos profundos e um ou outro pormenor que poderia indicar ter estado sujeito a actos de violência. Só com uma mais atenta observação é que os pescadores repararam nuns pormenores que os espantaram e assustaram: a forma e a estrutura do cadáver apesar de semelhante não era humana, sendo o seu corpo mais baixo e estreito que a média humana e os seus membros muito mais musculosos, com os seus dedos a terminarem em fortes garras que faziam lembrar a de certos roedores de maiores dimensões. Mas fora o olhar e os seus fortes maxilares bem preenchidos por grandes e fortes caninos, aquilo que mais os tinha impressionado. Até o miúdo se assustou quando os pescadores lhe abriram a boca e correndo até ao avô que ao fundo reparava as redes, gritou assustado que tinham apanhado um zombie.
Fim da 8.ª parte de 8
(imagens – WEB)