ALBUFEIRA
Um espelho que reflecte a vida, que passa por nós num segundo (espelho)
Encontro de Realidades
Ficheiros Secretos – Albufeira XXI
(A Liberdade em Cenários Simulados)
A reunião estava marcada para um ponto específico do Sistema Solar, situado para além da cintura de asteróides. Juntava num mesmo local e durante um intervalo de tempo previamente estipulado, representantes máximos das hierarquias administrativas das duas galáxias adjacentes e que futuramente se intersectariam – neste caso a Via Láctea e a galáxia de Andrómeda – de modo a em conjunto e preventivamente elaborarem estratégias futuras de intervenção e de desenvolvimento, para o médio e longo prazo: no caso particular do CEO de Marte este estaria num período fulcral da sua avaliação e possível progressão na carreira, sendo sujeito a um teste que já estaria a decorrer (sem conhecimento do próprio) e cujos resultados seriam apresentados a um júri especializado que certificaria ou não a sua actuação e apresentaria os resultados ao Conselho Superior. Este deliberaria pela sua manutenção, despromoção ou subida hierárquica: o local escolhido para a reunião fora um dos satélites naturais de Júpiter Europa – uma das princesas pela qual Zeus se apaixonara – descoberto por Galileu há mais de quatrocentos anos e sendo hoje em dia (por coincidência) um dos locais mais prováveis para a existência de vida extraterrestre.
O Intruso
O problema surgiu com o aparecimento dum cogumelo de nome Apothecia num dos lotes de terreno recentemente concessionados para a montagem de cenários reais a partir da superfície de Marte, já as filmagens em directo se tinham iniciado nesse sector e a principal personagem se passeava livremente pelo terreno, enquanto que na Terra os técnicos operavam o controlo remoto do artefacto – a que se referiam como Rover – e lhe traçavam uma rota de actuação. Neste compromisso comercial estabelecido duma forma equilibrada entre duas partes, as imagens da realização cinematográfica seriam enviadas para a Terra e utilizadas pelos terrestres como se fizessem parte duma missão exclusivamente sua, mas desse modo e com este método revolucionário de intervenção concessionada a privados internos ou externos, economizando brutalmente no seu investimento financeiro esmagadoramente concentrado na produção e na viagem da sonda e de todo o equipamento associado.
O CEO colocado em Marte não compreendia como tal poderia ter acontecido. Os lotes eram constantemente inspeccionados e mesmos limpos e certificados antes de serem entregues à exploração. Ocorrera algo de estranho e se não identificasse o problema estava metido numa grande alhada. E agora ainda vinham os concessionados confrontá-lo com a situação, só porque um idiota qualquer no seu planeta afirmara que aquilo era um cogumelo. Desde que os terrestres tinham começado a viajar no espaço as suas intrusões por vezes incompreensíveis no espaço exterior tinham prejudicado o avanço do seu projecto de se tornar o primeiro prestador de serviços de todo o Sistema Solar: a autorização só chegara depois da realização dum acordo prévio entre partes, estabelecida através da realização duma reunião através dos canais de comunicação via satélite e nos quais apresentava o seu catálogo de preços, diferentes modelos e locais de intervenção. Inicialmente limitar-se-ia aos planetas principais, com hipóteses para algumas luas e até outros corpos celestes.
Alien Bolden
Em contacto com os terrestres o CEO marciano estabeleceu uma estratégia de actuação que teria que ser perfeita e irrepreensível. No edifício subterrâneo onde se situavam os módulos centrais do seu Estúdio Solar estabeleceu logo ali os três parâmetros a que teria que obedecer a sua intervenção, para se tornar definitiva e inquestionável, além de respeitadora do compromisso estabelecido: teria que ser tomada rapidamente, não colidir minimamente com os factos já divulgados (e absorvidos pelos destinatários da operação) e encaixar-se no cenário agora proposto, sem qualquer tipos de incongruências ou de lacunas interpretativas – através duma projecção agora explicada e documentada – utilizando unicamente as mesmas imagens não alteradas. Só tinha mesmo de explicar o sucedido introduzindo agora e naturalmente no contexto visual já disponível imagens mais detalhadas e trabalhadas (na apresentação da próxima edição solicitada), contemplando os mais cépticos com um esclarecimento, pelos próprios considerado irrefutável e inatacável. E esse era um programa muito simples de aplicar – dada a tecnologia de edição a que tinha acesso – e como tal impossível de erro.
Contactou através dum canal dedicado de telecomunicações o administrador da NASA Charles Bolden e com ele combinou todos os pormenores conjuntos de actuação correctiva (e até preventiva). Foi aí que o representante da agência espacial norte-americana apresentando-se como legítimo procurador dos interesses dos EUA e do seu Presidente e no estrito cumprimento do contrato estabelecido e das suas cláusulas indemnizatórias, lhe propôs uma nova concessão doutro lote marciano, mas agora para uma área até agora considerada pelo concessionária considerada interdita e inegociável: uma zona no pólo norte de Marte com vestígios evidentes da presença de água. Tal actuação era justificada pelos terrestres como necessária para a presença de poderosos financiadores no seu projecto espacial, cativando-os com investimentos virtuais directos e exteriores com retorno futuro assegurado; o que só iria dificultar ainda mais as suas conversações com as diferentes entidades representantes do planeta Terra – além dos norte-americanos – cada vez em maior número e pretendendo mais e mais concessões. Europeus, russos, chineses, japoneses, indianos, iranianos, norte-coreanos e até algumas corporações privadas multinacionais, corriam desenfreadamente pela obtenção de concessões em zonas por eles consideradas prioritárias, alguns mesmo sem objectivos claros pré-definidos. Teria que acalmar Charles Bolden em mais um dos seus delírios administrativos.
Rastos do NAC-MT4
Na impossibilidade de actuar no local em questão utilizando o Rover associado ao lote concessionado e já em plena actividade privada contratual, só lhe restava recorrer a um outro artefacto que se encontrasse disponível em stock e que fosse capaz de se deslocar ao local e intervir em zonas interiores e envolventes ao cenário. Recorreu ao agente cibernético NAC-MT4 – inspirado no primeiro astronauta terrestre (Neil Armstrong) a pisar o solo doutro corpo celeste mais precisamente a Lua – activando-o de imediato e pondo a correr o seu plano de execução: pôs os concessionados ao corrente da sua intervenção localizada, garantiu-lhes não visibilidade na sua actuação operacional e lançou o agente no terreno. O agente NAC-MT4 só teve que se deslocar ao local, introduzir vestígios adicionais em pontos de confirmação da versão dos factos a introduzir – que posteriormente seriam explicados como elementos adicionais pretensamente já existentes – e retirar-se em poucos segundos e sem nunca ser visível da zona concessionada. Cumprida com sucesso absoluto, a intervenção ainda fez sorrir o CEO: com uns simples saltos do agente cibernético NAC-MT4 nas imediações da ocorrência – o mais utilizado por ser o mais experiente quantitativamente em intervenções de risco – este simulara perfeitamente com os sulcos das suas botas o rasto deixado pelo Rover na sua deslocação sobre a superfície marciana. No fim a culpa seria atribuída a uma intervenção involuntária do Rover, que ao deslocar-se sobre a superfície marciana e com as suas rodas, teria inadvertidamente levantado uma rocha do solo deixando-a cair mais adiante: simples, eficiente e só possível num génio como ele. Por isso ser CEO e ambicioso e ter a certeza de que amanhã a sua estratégia de intervenção comercial seria recompensada e alargada, a outros espaços mais vastos e lucrativos.
Na Terra a agência espacial confirmava a versão explicativa utilizando como bode expiatório as rodas do Rover, anexando à edição marcas deixadas no terreno pela ocorrência de tal fenómeno considerado na altura estranho e bizarro, mas tão fácil de perceber agora que todas as imagens eram disponibilizadas, podendo ser profundamente analisadas e confirmadas. Calavam-se assim aqueles que afirmavam coisas absurdas senão mesmo ridículas – chegando mesmo a ameaçar expor pretensas incorrecções ou mentiras por parte da NASA – como era o caso do Dr. Rhawn Joseph; e ao mesmo tempo restabelecia-se a calma nas transmissões e a tranquilidade entre os espectadores.
Sentado no seu posto de comando o CEO regressou à sua actividade normal e quotidiana, enquanto que ia apreciando os novos pedidos de concessão que iam chegando cada vez em maior número à sua secretária e se entretinha num convívio cada vez mais profundo e interligado com o seu modelo preferido, inspirado na cultura comunicativa e extremamente intrusiva e sensitiva aplicada naquele pequeno planeta, por estes curiosos e interessantes seres vivos: a agente cibernética de apoio HB-T1 uma réplica adaptada da actriz Halle Berry.
(imagens – space.com e Web)