ALBUFEIRA
Um espelho que reflecte a vida, que passa por nós num segundo (espelho)
Normalidade
“Mesmo que o caminho seja único, existe sempre alternativa – e a morte não é impedimento ou desculpa, apenas uma porta de entrada”
Normalmente estariam numa situação anormal
O João despertou do seu coma profundo quando se encontrava no último andar dum arranha-céus em construção situado bem no centro da capital. Ao seu lado encontrava-se um cão que na altura ele não reconheceu, suportado como se fosse um humano em dois dos seus membros, enquanto atentamente observava o cenário que se abria diante de si. Usavam ambos óculos – o João e o cão – e ambos olhavam espantados: debaixo do céu avermelhado ninguém se mexia.
Estavam no centésimo andar. Enquanto o cão perscrutava por simples instinto e por necessidade de perda de tempo o horizonte, o João deixara-se ficar estrategicamente paralisado, não mexendo nem piando. À volta deles não viam ninguém. Enquanto isso o silêncio era asfixiante, aqui e ali apenas perturbado por uma mais intensa e ruidosa rabanada de vento ou por um súbito mas curto som indefinido e não localizável.
O João ainda deu uma dezena de passos em frente, mas a força do vento e a falta de barreiras de protecção na elevada construção, levou-o rapidamente até ao mundo das vertigens e à sensação de queda eminente no abismo. Interessado o cão continuava a analisar a situação em que se encontrava, olhando para todos os lados, espreitando sem desequilíbrio para baixo e até cheirando a união duma das vigas laterais: pelo seu odor a novo – típico de todo o material produzido recentemente – e pela perfeição de todos os seus acabamentos o edifício não representava qualquer tipo de perigo.
O piso não tinha qualquer tipo de acesso: nem escadas, nem elevador nem outro tipo qualquer de transporte vertical. Não se percebia como era possível ter-lhe acesso, nem sequer como é que os dois lá tinham ido parar. O cão parecia rir-se de contente, olhando por vezes de soslaio para o João e parecendo estar a divertir-se com a situação: talvez num momento de aflição o João ainda o viu a levantar uma das suas patas traseiras, urinando com um esgar de prazer e de satisfação em direcção ao abismo. Alguém gritou lá em baixo mas certamente não seria por estar a chover e se sentir molhado.
Passada uma hora ainda se encontravam sensivelmente no mesmo sítio, cem andares acima do solo. Ninguém dera pela sua falta nem gritara fosse pelo que fosse. E o frio apertava à medida que ia anoitecendo, com a fome e a sede a serem cada vez mais difíceis de suportar. Para piorar o cenário e abatê-los aos dois um pouco mais, lá em baixo e bem iluminada no interior da praceta anexa ao centro comercial, a casa de hambúrgueres explodia de gente com o próprio drive-in esgotado e um cheiro profundo e brutal a elevar-se nos ares.
Em conjunto e após um curto período de reflexão chegaram finalmente à conclusão de que aquela situação era verdadeiramente insuportável e que teria que ter uma resolução imediata. Era inaceitável estarem limitados aquele espaço, não tendo sequer aceso às áreas adjacentes que o suportavam: a liberdade era um direito alienável e nada nem ninguém os poderia impedir de a usufruir à sua vontade. Olharam para baixo, deram as mãos e atiraram-se de cabeça: sabiam andar, sabiam nadar e certamente que se arranjariam a voar. A carne picada chamava por eles.
(um dia o João – um jovem tranquilo, simpático e conversador, vivendo num ambiente familiar comum e sem sinais visíveis de anormalidade – perdera definitivamente a cabeça ao ver pela enésima vez os miúdos da sua rua a atirarem pedras ao pequeno cão, que o seu pai lhe dera quando concluíra com empenho e distinção o seu percurso na escola primária; levado por um impulso repentino e actuando duma forma inconsciente pegara então na espingarda do seu progenitor e pusera-se a disparar indiscriminadamente sobre quem lhe aparecia pela frente; só foi interrompido na sua saga ininterrupta e assassina quando foi atingido à queima-roupa em cheio e em pleno crânio pela bala da pistola disparada por um vizinho; em coma foi então enviado de urgência para o hospital da cidade onde viria a falecer pouco tempo depois; atingido no tiroteio por uma bala perdida também o seu cão acabaria por ter destino idêntico sensivelmente pela mesma hora)
(imagem – Web)
Autoria e outros dados (tags, etc)
Anormalidades Promocionais
Cidadão anormal à espera de colocação governamental, num centro de emprego temporário do distrito de Lisboa:
Candidato a 1.º Ministro
Solução milagrosa encontrada por este candidato a 1.º emprego governamental, de modo a nunca poder ser reconhecido e responsabilizado pelas suas políticas incompetentes:
O Sensacional e Científico Capacete da Marvel
Em exclusivo as primeiras imagens reais deste candidato desconhecido, por incapacidade de identificação devido à falta da cabeça inicial e que após a implantação do maravilhoso capacete Marvel, recriou num espaço cósmico miniaturizado e paralelo, um cérebro de aplicação imediata, provisória e descartável:
Com cabeça recentemente implantada
Finalmente a reacção do nosso querido líder espiritual – que nos acompanha sem descanso desde o baptismo – face a este problema tipicamente português, de inadaptação psicológica à responsabilidade dos cargos que quiseram, exercem e impõe como seu poder:
O dedo apenas indica o caminho