ALBUFEIRA
Um espelho que reflecte a vida, que passa por nós num segundo (espelho)
O Outro Lado do Espelho
Eu não quero ir parar no meio de gente maluca.
Não adianta tu quereres ou não. Nós aqui somos todos loucos. Eu sou louco. Tu és louca.
E como é que tu sabes que eu sou louca?
Bem, tu deves ser ou então não terias vindo para aqui.
Ficheiros Secretos – Albufeira
Comunidades
A comunidade vivia numa zona entre o litoral e o barrocal algarvio ocupando uma pequena área de terrenos superficiais secos e arenosos no meio do qual existia uma pequena barragem utilizada para aproveitamento das águas da chuva – fornecendo água para consumo e calor e energia eléctrica por utilização de energia solar – tornando deste modo o grupo autónomo em relação a fornecimentos exteriores.
Tinham-se fixado no Algarve por meados dos anos setenta aproveitando o curto período de liberdade e revolução que o país vivia por essa altura, uns bons dez anos antes da entrada do país na CEE e do início da destruição sistemática de toda a sua estrutura económica – industria, agricultura, pescas, etc – em troca de uns largos milhões de euros apropriados por uma minoria de políticos ligados à criminalidade legal.
O que tinham construído era fruto do amor profundo pelo trabalho e uma indicação inequívoca de que tudo se pode construir – até um sonho – desde que haja ligação com a terra que nos acolhe e correspondência com os desejos de viver entre os outros e não com os outros ou para os outros.
O aspecto geral do terreno e da construção nele implantada era muito agradável, fazendo lembrar uma mistura entre um parque temático de diversão e de divulgação cultural – como o festival da areia realizado anualmente na vila de Pêra – e os aglomerados provisórios de edificações construídas para darem apoio às centenas e centenas de prospectores de minérios, aquando do período mais alto da desenfreada caça ao ouro.
Mas um dia outro acontecimento passou a ocupar o pensamento de todas as pessoas que compunham a comunidade. Num dos extremos da propriedade – com pouco mais de 4 hectares – e num local com um declive acentuado e rodeado por largas pedras provavelmente aí guardadas e acumuladas, um elemento do grupo com a responsabilidade de detectar e registar tudo o que achasse de interessante ou até de estranho, reparou numa pequena fenda que parecia querer alargar-se na parte traseira de um desses amontoados de pedras.
Servindo-se do equipamento de apoio que transportavam consigo e de uma máquina que se encontrava nas proximidades a trabalhar a terra, o grupo conseguiu limpar esta zona profusamente coberta de arbustos e afastar definitivamente as pedras que bloqueavam a entrada desse buraco.
A fenda ocultava uma pequena entrada que parecia ter sido construída entre pedras sobrepostas e que dava acesso a um buraco comunicando na vertical com uma ampla cavidade subterrânea – parecia uma sala enorme e de outro mundo, iluminada no cimo por uma tímida mas decidida luz, que se infiltrava como um líquido pelas fendas – que depois se dividia por espaços e caminhos daí derivando em todas as direcções.
Parecia impossível como a gruta não tinha sido detectada até agora – passados quase quarenta anos sobre a chegada dos primeiros pioneiros ao Algarve – com tantos adultos e crianças a passarem por lá regularmente, por vezes ficando mesmo por ali e a apreciar à distância, os repteis que se esticavam todos ao Sol aproveitando os seus raios quentinhos e retemperadores.
O regresso foi efectuado com os elementos do grupo entusiasmados com o sucedido e ansiosos por divulgarem à restante comunidade a sua espectacular e inusitada descoberta. Muitos deles pareciam mesmo umas crianças, falando sem parar da sua recente aventura e de como tudo isto ainda poderia proporcionar-lhes muitas horas de mistério e divertimento.
A reunião para dar conhecimento às entidades responsáveis do sucedido no dia anterior e fazer um balanço e um ponto de situação deste caso original – que já estava a despertar a curiosidade de toda a comunidade – realizou-se na antiga construção edificada perto da barragem, que era um símbolo da força e do querer dos primeiros pioneiros que tinham fundado esta comunidade, abrindo-a a toda a gente, a todos os povos e a todas as raças fossem elas locais ou até alienígenas.
Os líderes administrativos estiveram todos presentes neste grande acontecimento, assim como todos os eruditos e autodidactas, pessoas boas da terra e outras personalidades de referência.
Todos assistiam maravilhados e expectantes ao desenrolar deste episódio, enquanto se aguardava a chegada e a presença da Entidade Bicéfala – constituída por um terrestre e por um extraterrestre – que iria aconselhar e partilhar com os presentes o evento e contribuir com um artefacto que possuíam e que poderia ser útil para melhor compreender o sucedido: uma gravura antiquíssima em madeira representando a árvore da vida e associada à cultura Maia, que poderia estar associada à história de uma civilização antiga, ao seu perdido mundo subterrâneo e a associações com outros seres vindos de outros mundos – paralelos ou sequenciais.
A comunidade manteve sempre uma ligação privilegiada com diversas forças em actividade na região do barrocal e da serra algarvia, estabelecendo com elas contactos regulares e profundos de modo a contribuir eficazmente para o seu desenvolvimento sustentado e eficaz, contribuindo para diminuir o sofrimento das suas populações abandonadas que o agravar da crise inevitavelmente provocava.
Se a opção pelo método saudável e artesanal proporcionada pela vida no campo contribuía para uma estabilização das relações interpessoais no interior do grupo, este não excluía a prossecução dos contactos e relações institucionais com outros grupos exclusivamente concentrados no desenvolvimento científico e tecnológico, como contributo precioso à manutenção da evolução de todo o conjunto humano de uma forma consentânea com o meio ambiente envolvente e ainda como forma de ter acesso de uma forma acompanhada a novos instrumentos e aparelhos de transporte e comunicação.
A proposta apresentada pela organização técnico-científica sediada no Algarve e agrupando um conjunto de entidades terrestres e extraterrestres já há muitos anos trabalhando em conjunto, foi feita após estes terem tomado conhecimento da descoberta efectuada no interior da zona exclusiva onde vivia a comunidade em causa e para o caso de ser necessária a realização de perfurações profundas, em zonas do subsolo com características de resistência à penetração muito elevada.
Mas nada fazia pensar que a utilização de tal máquina seria para já necessária. Tudo não passava ainda da simples descoberta de uma gruta no subsolo e o resto não passava de rumores ou de meros boatos especulativos. De uma forma ou de outra tudo se iria esclarecer e até a organização de uma visita de estudo ao local onde a gruta tinha sido descoberta, estava desde já a ser equacionada.
A comunidade sabia antecipadamente que todos as movimentações consideradas fora do contexto oficial e realizadas na região por grupos de indivíduos excedendo um determinado rácio Unidade/M², estariam sempre sob forte vigilância da Rede de Telecomunicações Aeroespaciais (RTA), ainda mais agora que esta organização era controlada pelo anterior presidente autárquico Dióspiro Silva, um conhecido aliado das mais poderosas corporações mundiais de composição mista, criadas conjuntamente por humanos e alienígenas com o objectivo da implementação e concretização de um modelo de desenvolvimento sustentado para a região.
Nesse contexto foi natural a aceitação da situação criada pelo desenvolvimento do processo de inspecção, controlo e certificação de eventos em territórios periféricos não catalogados – exercida pelas autoridades regionais responsáveis pela manutenção do status quo temporal – o que levou à concretização de um acordo tácito de cooperação bilateral e à criação de uma comissão online de verificação e confirmação, do programa previamente pensado e estabelecido. É que nem sempre quem autoriza, tem o poder para o fazer e quanto às peças do mecanismo, muito poucas são previsíveis.
A deliberação foi transmitida através da rede de antenas de áudio e de imagem pertencentes à RTA, através de um canal codificado de segurança aberto a todas as organizações colaborantes com a intervenção alienígena, de modo a evitar possíveis introduções não desejadas na rede e o surgimento inesperado de incidentes aleatórios. Na transmissão ficou bem patente o poder exercido pelos apoiantes do presidente da RTA em toda a sociedade algarvia, com o envio à comunidade de uma mensagem emitida por um representante seu nos mundos exteriores – acompanhado por duas tradutoras – exigindo a emissão constante de relatórios actualizados e das suas perspectivas activas de afirmação futura.
A consciência da comunidade tinha uma impressão digital colectiva, que só poderia ser detida através de uma intervenção violenta e irracional, que levasse à amputação da sua alma. E a comunidade sabia que a força das ideias e dos actos, era mais forte do que a força da palavra e do seu tempo.
A visita foi muito bem preparada. A comitiva era constituída por três grupos de outros tantos elementos – um grupo de batedores, um grupo de especialistas e um outro grupo responsável pela montagem das bases intermédias – acompanhados na retaguarda por mais dois grupos de apoio, destinados a actuar em operações de manutenção e na ocorrência de possíveis situações de emergência. Existiria ainda no exterior da entrada da gruta um conjunto de voluntários, prontos a executar todas as tarefas que lhes fossem requisitadas.
Os batedores desceram até à gruta e aí optaram por seguir pelo caminho que se abria à sua esquerda. À primeira vista parecia ser a escolha mais acertada já que o espaço parecia mais aberto e desimpedido e com um menor número de desníveis abruptos de terreno, o que poderia dificultar futuramente a sua marcha e prolongar sem necessidade a sua viagem no tempo. E a opção parecia ter sido acertada, já que o caminho seguia em linha recta para um novo túnel – bem visível ao fundo da cavidade – surgindo a sua entrada sob uma pequena abobada natural, de onde parecia provir uma pequena aragem e um pequeno e ondulante sussurro. Entrados no túnel a caminhada foi de curta duração: após alguns minutos de caminhada o túnel virou à direita, iniciando aí uma descida acentuada em forma de escada que levou os batedores até uma plataforma rochosa, diante da qual encontraram surpreendentemente o leito de um rio subterrâneo de águas frias e cristalinas, seguindo tranquilamente entre as margens do subsolo rochoso deste real mundo paralelo.
Os batedores deixaram-se ficar maravilhados a observar este belo rio escondido do mundo dos vivos, enquanto aguardavam a chegada dos elementos dos outros dois grupos. Aí foi montada a primeira base de apoio e daí partiram de novo os batedores num pequeno insuflável, logo seguidos pelo grupo de especialistas, entusiasmados com o que já tinham visto diante de si neste tão curto espaço de tempo.
Os especialistas presentes nesta exploração eram profundos conhecedores dos fenómenos associados à vulcanologia e à espeleologia. Vivendo há muito tempo nesta região sul de Portugal, tinham já uma profunda experiência na investigação e exploração do mundo subterrâneo português, principalmente da zona de Lisboa – Complexo Vulcânico de Lisboa – até à zona do Algarve – especialmente da zona de Monchique até à zona de Lagos. E o que viam parecia querer indicar que isto era apenas o início da confirmação das suas teorias sobre a existência em épocas anteriores de vulcões na região, que teriam criado nas suas épocas de maior actividade, intrincadas redes de túneis subterrâneos que se interligariam de Monchique até Lagos. Então a visão da gruta de estalagmites e estalactites surgindo repentinamente sob a forte luz do projector, foi de um assombro simplesmente fabuloso. Aí foi montada a segunda base de apoio.
Após alguma troca de dados e impressões registadas nesta exploração – e de um retemperador intervalo para se saciarem e comerem alguns alimentos – acabaram por chegar a uma área bem profunda no subsolo, acedendo a esta por um estranho trilho que se introduzia obliquamente na rocha, terminando numa saída que ia dar a uma enorme caverna suportada por fortes e poderosas colunas, rodeadas por uma verdadeira floresta de cogumelos gigantes: pareciam mesmo os protagonistas da obra de Julio Verne na sua famosa Viagem ao Centro da Terra!
O registo de altitudes até ao momento era bem claro, indicando-lhes uma profundidade situada um pouco acima dos cem metros, conforme constava nos dados já assimilados:
Localização | Altitude (nível da água do mar) |
Fenda de acesso à gruta aí descoberta | + 039m |
Gruta descoberta pela comunidade | + 010m |
Rio subterrâneo | - 035m |
Gruta de estalagmites e de estalactites | - 061m |
Caverna da floresta de cogumelos | - 111m |
Na sede da Rede Telecomunicações Aeroespaciais (RTA) o movimento na secção responsável pelo Controlo de Situações Internas (CSI) era mais intensa do que era usual, com o coordenador operacional de comunicações movendo-se rapidamente entre os operadores sob o seu comando, de modo a manter-se continuamente ao corrente do evoluir da situação na zona fronteiriça do sector Silves/Monchique. A iniciativa da comunidade tinha preocupado desde o início as chefias da RTA – não por não entenderem a prioridade que este grupo tinha atribuído a este projecto extravagante, nem sequer pela possibilidade do que pudessem descobrir na sua exploração, mas pelos danos colaterais que poderia provocar no equilíbrio passivo e estratégico mantido durante estes últimos anos no território – e mobilizado a atenção das diversas secções técnicas de análise de dados e da sua simulação em tempo real, já que a área onde iriam actuar se encontrava nas proximidades de uma área reservada e protegida, assinalada a vermelho e com um número de contenção de segurança atribuído de nível máximo. A alternativa escolhida para encontrar uma medida preventiva e segura que evitasse a violação da zona assinalada a vermelho, foi o da utilização do último modelo de simulador de realidade virtual fornecido pela Aliança Alienígena, o Projector Interactivo de Realidade Virtual 3D – com alta resolução e profundidade. Na zona tampão a realidade seria simulada, sem que os seus utilizadores tivessem consciência desse facto e sem qualquer tipo de possibilidades de a poderem contornar e voltar a trilhar a realidade inicial.
Antes mesmo de iniciarem a caminhada na enorme caverna que se estendia diante deles, todos sentiram que algo de errado se passava. O ambiente que a caverna oferecia parecia desprovido de acções que motivassem os seus órgãos dos sentidos, a luz que se infiltrava pelas fendas abertas parecia artificial e até a vida parecia ter dali fugido definitivamente. Só se avistava um terreno sem fim pejado de terra e de pedras, numa atmosfera seca e carregada de poeiras mas sem correntes de ares que justificassem a suspensão dessas partículas e onde até os cogumelos gigantes aparentemente para nada serviam, rígidos e frios como seres vivos mortos e petrificadas. Parecia um labirinto aberto mas sem fim, fora do contexto e da realidade das personagens, transformando-nos calculadamente em seres irracionais inconscientes rodopiando freneticamente em círculos perdidos, à procura de uma passagem inexistente.
A situação em que o grupo se encontrava era surreal e todos os seus elementos se sentiam como objectos animados colocados numa sala, com o solo em movimento e rodeada de espelhos. Por mais que se movimentassem na imensa caverna, voltavam sempre a cenários idênticos e aparentemente sem saídas alternativas. E todo o objecto que os envolvia era árido e seco como um deserto, sem pontos de referência que os obrigasse a repensar a sua estratégia escolhida de acção e acima de tudo, sem que nada nem ninguém mesmo que involuntariamente se intromete-se.
A comitiva estava agora reduzida a quatro indivíduos – um batedor, dois especialistas e um organizador – tendo os restantes elementos retornado à segunda base de apoio para a realização de tarefas de manutenção das estruturas provisórias aí instaladas e para a elaboração do relatório actualizado da visita organizada pela comunidade, previamente exigido pelas autoridades máximas da RTA. Após mais uma caminhada inglória pela floresta de falsos cogumelos tinham acabado por parar de novo, neste caso devido a um pequeno ferimento no batedor – no seu joelho direito – após uma queda provocado por uma pequena pedra escondida num monte de terra e poeira, onde ele acabara inesperadamente por tropeçar.
Foi então aí que algo de estranho se passou, mas de que ninguém se apercebeu inicialmente. Ao encostar-se na parede para efectuar o seu curativo no joelho, o batedor raspou inadvertidamente com os seus instrumentos – utilizados em perfurações e escavações – numa parte menos deformada da parede da caverna, fazendo cair uma placa inteira constituída por materiais sedimentares agregados e que ali se tinham fixado com o passar do tempo. Por trás dela apercebia-se agora uma pequena reentrância de forma ovalada, com zonas mais claras ou mais escuras, demonstrando a existência de relevo com diferentes profundidades. Ao aproximarem-se do local e depois de passado algum tempo de análise e reflexão sobre a forma e o conteúdo desta descoberta, os especialistas chegaram à conclusão de que se tratava da imagem de uma máscara – cravada na pedra – como se esta fosse vista pela parte de trás. A descrição dos seus contornos e relevos coincidiam com as das máscaras dos ídolos em marfim descobertos no complexo Arqueológico dos Perdigões, situado próximo de Reguengos de Monsaraz – e curiosamente associado ao Complexo Vulcânico de Lisboa – complexo esse utilizado na Pré-História para a prática de cerimónias rituais relacionados com culto dos mortos e dos antepassados, propondo nessa época com estas realizações, novas visões para o Mundo e para o futuro do próprio Homem.
Terminada a limpeza da máscara e da zona da parede que a envolvia, o que ressaltava logo à primeira vista de qualquer observador – mesmo que distraído – eram os dois orifícios escuros e da largura de um dedo que esta apresentava. Até poderiam ter algum significado importante do qual ainda não se tinham apercebido. Isto pesar de alguns textos associarem estas máscaras e respectivas estatuetas, à representação de Divindades, de Entidades Superiores ou mesmo de Entidades Alienígenas, entre o fim do Neolítico e o início da Idade do Bronze. Mas o que fazer com a máscara? Um dos especialistas presentes resolveu então introduzir um dedo num dos orifícios, mas nada sucedeu. Introduziu-o no outro orifício mantendo-se a situação anterior. Ao introduzir simultaneamente os dedos nos dois orifícios da máscara sentiu momentaneamente uma pequena picadela que o fez instintivamente afastar a mão do local, mas de resto nada mais acontecendo, que pudesse mudar a monotonia do momento em que todos tinham mergulhado. E que tal enfiar a cabeça no buraco e ao contrário da avestruz que o faz para não ver o que se passa à sua volta, abrir a nossa cabeça a um novo mundo do qual nem suspeitávamos da sua existência? Foi tiro e queda: ao colocar a sua cara naquela máscara cravada na terra fazendo coincidir os seus olhos bem abertos com os orifícios que a mesma apresentava, o batedor sentiu por uns instantes umas levíssimas picadas na vista, ao que se seguiu um movimento imprevisto que pelas consequências que daí resultaram – e a que todos puderam assistir e acreditar – deixou os elementos presentes nesta fase avançada da sua aventura, completamente estupefactos e paralisados: a parede desapareceu como se esta se tivesse diluído numa pequena película transparente e dando acesso para o outro lado, visionando-se para lá dela um pequeno e estreito corredor, que terminava num compartimento no qual estava inserido o que parecia ser um elevador.
“Entramos, carregamos aleatoriamente num dos botões que se aparentavam por semelhança com os por nós utilizados – nos elevadores das nossas habitações – e fomos dar a um local situado bem nas profundezas da terra (bem para lá dos 500 metros) deparando-nos com uma formidável estrutura subterrânea e em excelente estado de preservação, que só poderia estar associada a uma civilização muito antiga e tecnologicamente muito superior à nossa e que entretanto provavelmente e por causas desconhecidas, a teria definitivamente abandonado” – afirmaram os elementos da comunidade. Ou não seria assim?
A estrutura que fazia lembrar um estado-cidade equipado com todas as polivalências necessárias ao seu pleno funcionamento e transformação, era de grandes dimensões e estendia-se equilibradamente por muitos quilómetros do subsolo da região algarvia. Face a estas brutais dimensões do evento em presença, o grupo sentiu-se um pouco assustado e sem saber como proceder perante o que lhes tinha acontecido, procurando ansiosamente e ainda durante um largo período de tempo, uma solução que tornasse viável a conclusão da sua visita e o início do caminho de regresso.
Tudo se alterou com a chegada repentina de um animal voador de grande porte, que apanhando de surpresa esta pequena comitiva em movimento, pôs todos os seus elementos em pânico e numa fuga descontrolada, terminando todos estendidos no solo e sem sentidos, sob a acção de um produto desconhecido lançado do ar e que mais tarde souberam ter fortes efeitos anestesiantes. Entretanto o alarme tinha soado fortemente aos ouvidos dos dirigentes máximos da RTA e as medidas correctoras tinham sido aplicadas de imediato, tentando deste modo não provocar sobressaltos que pudessem pôr em causa o motivo da presença pretensamente desinteressada dos alienígenas no planeta Terra (e na nossa região).
A viagem decorreu tranquilamente enquanto todo o grupo ainda se encontrava num estado de profunda inconsciência. Acordaram simultaneamente numa encosta situada num terreno montanhoso localizado nas proximidades da cidade de Lisboa, sem saberem de que forma lá tinham ido parar, nem a razão pela qual se tinham para lá dirigido. As últimas recordações que persistiam incessantemente nas suas memórias, consistiam nas imagens fugazes do voo picado da grande ave subterrânea sobre eles e do cheiro sufocante e nauseabundo que subitamente os engolira, atirando-os sem qualquer tipo de protecção ou de dúvida para um mundo artificialmente inconsciente e sem direcções.
Foram localizados na periferia do Complexo Vulcânico de Lisboa por um grupo de simpatizantes associados ao grupo dos Alienígenas Anónimos – trabalhando em colaboração com forças populares de terrestres e alienígenas vindos propositadamente em sua busca da não muito distante região do Algarve – sendo seguidamente observados e sujeitos a testes de concordância, antes de retornarem por via aérea e sob controlo da RTA à sua comunidade de origem, via aeroporto de Faro.
Na lenta viagem de regresso a casa, alguém falou no outro lado do espelho e no misticismo que as lendas e tradições populares portuguesas têm aportado à maravilhosa história do nosso eterno imaginário. Como a história do ser maléfico conhecido como O Homem de Chapéu de Ferro e da mítica alma penada A Velha da Égua Branca, armada de um toucado infernal e de faca pronta na mão. Contos para todos os gostos e para todo o tipo de interpretações, sejam eles seres interiores ou sejam eles seres exteriores.
O Homem de Chapéu de Ferro
"Aparece logo que dá meia-noite e o galo canta, à beira das estradas, por baixo das oliveiras, das figueiras ou junto às fontes. Vagueia até à terça noite umas vezes acompanhado de um porco preto que grunhe de momento a momento, outras de um grande veado cuja armadura toca o zimbório das torres ou ainda de um galo negro como a noite de trovões. Todos estes animais que acompanham o homem do chapéu de ferro, cada um na noite que lhe foi destinada, são o Diabo que toma diversas figuras. Esta entidade mítica tem o poder de afrontar a tempestade, de fazer parar o raio e de arrasar o mundo, caso o galo, o porco ou o veado o inquietem. Também, para se vingar dos homens que odeia, assalta-os, rouba-os e mata-os. Depois tudo é fumo e labaredas que saem da terra como vulcões. Traz um enorme chapéu de ferro enterrado na cabeça. E' uma figura colossal, tem a boca rasgada como a de um monstro, deitando chamas quando se enche de raiva, e a sua cor é a do bronze. Todavia foge quando avista a velha da égua branca."
A Velha da Égua Branca
«Aparece nas noites de luar montada numa égua branca, fazendo um barulho infernal pelos campos, e soltando os bois que ruminam debaixo das alpenduradas. Todo o barulho é feito com tachos e panelas de arame. — É a velha da égua branca o terror da meia-noite em pino.»
(texto: introdução/ final – Lewis Carroll/Wikipédia; imagens: google.com)