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Sou Português – Por Favor Levem-me!

Terça-feira, 13.11.12

          

Após anos de conforto, o animal foi abandonado à sua sorte pela sua família de adoção

 

O animal foi abandonado à sua sorte, depois de anos a viver no conforto do lar da família que o tinha adotado. Desde pequeno que os seus donos o tinham acarinhado e apaparicado, não passando um dia em que não o penteassem, o levassem a passear e lhe apresentassem os seus colegas de correria e de brincadeira, com realce para aquela cadela betinha, mas toda peluda e orelhuda. Ao fim de semana davam-lhe banho e o cheiro dos sais aplicados no seu corpo delicado, espalhava-se deliciosamente pelo ar, enquanto se deslocava feliz e saltitante pela casa dos seus queridos e velhos amigos, que com todo o amor deste mundo, o tinham acolhido e protegido: era ver quem mais o queria sentir e cheirar, enquanto as crianças cavalgavam frenéticas e aos gritos pelo labirinto da casa, tenteando-o apanhar e segurar. Até o gato enlouquecia nestas alturas, fugindo espavorido por entre a pequena frincha de uma porta, saltando como uma mola pela janela e refugiando-se no emaranhado de ramos da árvore mais alta do jardim.

 

          

Um momento injustificado de desnorte, no quotidiano banal de um grupo

 

No outro dia do Verão passado, estavam as férias já a acabar e as crianças viviam os seus últimos dias de praia, um reboliço tremendo passou pelo interior daquela casa normalmente tranquila, ouviram-se pratos a quebrar, gritos e choros na cozinha, portas batendo com violência e estrondo e como seria de esperar, um grito de pânico do gato da casa fugindo com o pelo todo eriçado, depois de lhe pisarem o rabo e de um pontapé consciente e certeiro, vingativo mas muito mal dirigido. Um momento injustificado de desnorte no quotidiano usual e banal daquele grupo – desde sempre protegido e privilegiado – levara-o a uma reação só possível naqueles que nunca compreendendo o mundo, achavam-se em certos momentos com o direito supremo de proteger os seus animaizinhos domésticos e adquiridos – desgraçados e miseráveis por nascimento – para lhes demonstrar a sua bondade, caridade e compaixão, acolhendo-os no seu regaço artificial mas por vezes temporário.

 

          

Uma pequena alteração psicológica, afetara um dos seus membros proeminentes

 

O problema residira numa pequena alteração psicológica que afetara um dos membros proeminentes da família, posto perante uma nova e nunca sugerida situação que ele pensava psicoticamente ser uma anomalia no seu quotidiano lucrativo de ociosidade financeira – baseada em condutas de mercado meramente especulativas e lucrativas, mas fortemente destrutivas do individuo e da economia – em que poderia estar em causa a sua liberdade e o normal desenrolar de tudo o que tinha sido previamente programado, mantendo a indiferença pelo meio envolvente e reforçando os seus muros de proteção ideológicos: a utopia destinava-se aos loucos, os projetos aos dirigentes e os desperdícios não recicláveis à restante fauna e flora, não se esquecendo nunca dos importantes mas sempre renováveis tratadores, nomeados para garantir o normal funcionamento deste jardim zoológico e para assegurar o sucesso de bilheteira, deste espetáculo sempre eterno e de caracter religioso.

 

          

O animal foi abandonado sem a presença de nenhum dos seus antigos amigos

 

À volta o animal foi abandonado na velha estrada municipal, perto do Mercado dos Pobres e sem a presença de nenhum dos seus antigos amigos. A vida já não dava para ele e com o regresso aos tempos das velhas regras do isolamento capitalista – amigos amigos negócios à parte – a família resolvera optar por outra postura oficial, mantendo na base desta essência, o seu banal, indiferente e garantido tipo de vida. Cabisbaixo pelo sofrimento provocado pela perda súbita e cruel a que o tinham sujeito, ainda-por-cima sem aviso prévio ou qualquer tipo de explicação, o animal lá se foi arrastando pela berma, molhado, sujo, perdido e esfomeado. Nem sequer teve tempo de chegar às casas do bairro de lata que cercavam o decrépito mercado – já em avançado estado de ruínas, mas ainda parcialmente ativo – sendo rapidamente apanhado pelo rodado traseiro do carro camarário e aí deixado ao abandono e em agonia, vivo ou morto. Como nós!

 

(imagem – Google)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 16:53