ALBUFEIRA
Um espelho que reflecte a vida, que passa por nós num segundo (espelho)
Duas Prendas De Natal
“O problema não está na Justiça, nem em todos os seus actores – está em leis publicadas, por alguns fora-da-lei!”
1ª Prenda de Natal:
Nuno Costa – militar da unidade de trânsito da GNR de Vila Real
Por vezes as histórias que lemos acabam por nos fazer rir e chorar de alegria, por ainda existirem pessoas que transportam consigo os valores da amizade e da solidariedade, seja onde for que exercem a sua vida e profissão. E como agradecimento, só temos que contar isto aos outros.
O militar da GNR salvou uma criança vítima de uma queda do viaduto da A24 em Vila Pouca de Aguiar – em que a mãe foi vítima de tentativa de suicídio, tendo ao colo a sua filha – acabando por se afeiçoar imediatamente à jovem que acabara de salvar e indo-a visitar diariamente ao hospital onde se encontra, oferecendo-lhe até um presente de Natal, para alegria da pequena Sofia. O facto que aqui interessa focar é que o militar, apesar de ter sido pai recentemente e de ter também que viver com os problemas com que nós nos deparamos todos, no nosso dia-a-dia, de uma forma altruísta, soube subordinar – como um verdadeiro profissional – as suas prioridades para o cumprimento da lei, ao respeito pelos outros e pelos problemas por vezes inesperados com que a vida nos atinge. Não podemos ignorar a vida dura de outros, muito menos das crianças. E a satisfação que este militar demonstrou com o acto que praticou (e que continua a praticar com a criança) é uma prova do seu mérito em receber o prémio de “herói”, por parte da família de Sofia.
2ª Prenda de Natal:
Fernanda Paula – professora catedrática de direito penal
Outras vezes gostamos de ler na íntegra o que dizem certas pessoas – em princípio com mais responsabilidades do que nós – que no meio da generalização da selva onde nós todos temos que viver, ainda têm opinião própria e esperança em que usufruamos todos, do que a vida nos oferece.
Sentir o Direito
Natal no Aleixo
O Bairro do Aleixo está a implodir. Isso significa várias coisas: a técnica de implosão está desenvolvida em Portugal; acabou o lugar de um centro de criminalidade; tornou-se possível construir casas de luxo com uma localização magnífica; mas desapareceram as casas em que muitas pessoas nasceram e viveram, para o bem e para o mal.
Não discuto se a eliminação daquele bairro terá alguns efeitos benéficos – admito que sim, na medida em que as suas dimensões negativas poderão ser, pelo menos, minimizadas. No entanto, o que impressiona são as razões que justificaram a implosão: as subjacentes e as invocadas.
Ninguém fica convencido de que a razão tenha sido a mera destruição de um centro de tráfico de droga e de crime. Tal razão não justificaria a implosão de um bairro tradicional. As Avenidas de Roma ou da Boavista implodiriam se, por acaso, se tornassem o abrigo de muitos criminosos?
Também ninguém se convence de que a razão da implosão tenha sido a recuperação de algumas pessoas ou o afastamento dos mais jovens de uma subcultura de delinquência. Se fosse esse o objectivo, muitos outros bairros implodiriam em nome de uma política social.
Mesmo a razão da reabilitação urbana, em face da degradação do bairro, teria determinado outras intervenções prioritárias. E justificar-se-ia uma apropriação colectiva do espaço para um prolongamento da cidade, com mistura de todas as classes.
O que resta, numa explicação sincera, é uma razão económica determinante, que menospreza critérios de igualdade e justiça social. Pela mesma lógica, alguns países ricos nossos credores também poderiam fazer implodir o nosso país, com empresários e trabalhadores, devido à ineficácia económica.
O que fere o sentido de um Direito ancorado na dignidade da pessoa humana não é a destruição de um bairro disfuncional. São, antes, o princípio e a praxis subjacentes à decisão – a finalidade que justifica, para o senso comum, a decisão política.
As decisões puramente morais nem sempre permitem resolver problemas sociais. Porém, a teoria da justiça de um autor conservador como John Rawls faz depender sempre a justificação das decisões que criam desigualdades da melhoria da situação de todos, incluindo os mais desfavorecidos.
Esse é o segundo princípio da justiça de Rawls e esse é benefício que os moradores do Aleixo não conseguem visionar. O primeiro princípio da justiça – a igual dignidade da pessoa – comemora-se, hoje, à volta de um estábulo que não chegou a implodir.
(artigo de opinião – CM))