Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


Arte e Cultura I

Segunda-feira, 01.08.11

Mestre Frederico Monteiro, o último ferrador de Albufeira

 

Homenagem do filho

 

Quem percorrer Albufeira velha não fica indiferente a uma pequena casa térrea, ostentando um painel cerâmico, em relevo, com dois cavalos e de porta sempre aberta para quem por ali passa. E, quem passar pode ter o privilégio de falar com Frederico Martins Monteiro, nascido em 1924, 85 anos, ferrador que há meia década ocupa aquele espaço e nele guarda as suas memórias. Filho de antiga família que de Alcantarilha escolheu Albufeira para desenvolver a sua arte, pois João Monteiro, seu avó, António João Monteiro, seu pai, um tio do pai e um irmão Otílio Monteiro, todos eles trabalharam ferro, não esquecendo que a bigorna da oficina de Frederico «tem mais de duzentos anos» e era do seu bisavó, dilatando de forma afectiva a ligação familiar ao ferro.

 

Frederico Monteiro, não foi tão pouco à escola. Começou neste ofício aos 12 anos, aqui em Albufeira, na «oficina das escadinhas», com o pai e o irmão, onde trabalhou vinte anos. O pai disse-lhe «vais para a oficina» e aí começou por «segurar nas bestas, nas patas e arrancar ferraduras». Mas, com 15 anos «já trabalhava a fazer tudo».

 

Com a morte do pai, veio para a casa, sita na Av. da Liberdade, onde está há cinquenta anos e a sua memória da paisagem local descreve-nos um «ribeiro», «terra batida», «não havia casas nenhumas, nada!». Lá está ele na casa onde ferrava burros a 4$00, machos a 24$00 e cavalos a 40$00; «vinham ferrar do campo», «era o dia inteiro» cavalos, charretes, carroças, carros de frete, salienta com orgulho, o homem que tem «pena de não puder trabalhar» naquilo de que gostou muito; aliás, «se não gostasse, não tinha ido para lá», para a oficina do pai. Às vezes, certos tratamentos e injecções «até os veterinários mandavam para o Frederico dar». O seu orgulho estende-se à chamada de atenção repetida que nos faz, apontando para a sua «Carta de Ferrador» do ano de 1965, a qual se estampa na parede de sua oficina, acompanhando outras recordações de antigamente. Frederico faz questão de sublinhar: «Sou encartado. Fui à escola de Lisboa» fazer o exame.

 

Sabendo do que fala, mestre Frederico lá nos vai ensinando. Na sua oficina, onde sempre trabalhou sozinho, ia à forja, malhava, ferrava 10, 12 bestas por dia… «à inglesa» (colocar a ferradura a quente), «à portuguesa» (a frio), trabalhava com ferraduras de coração, rampões, meia-cana, pitões, arpões, ferrava animais «difíceis», como os que tinham água-mete (sangue descendo para o casco) o que obrigava à adaptação da ferradura. «Havia animais que tinha de injectar-se, noutros punha o azial e torcia-se o beiço ou a orelha e eles ficavam como um borrego, outras vezes punha-se cordas nas pernas», e acrescenta até «chegámos a ferrar alguns deitados na praia com uma manta para não ir areia para os olhos». Não admira que este mestre de ofício, por várias vezes, tenha demonstrado pena dos animais …

 

Frederico, o ferrador

 

No interior desta casa da memória o local da forja, o tecto e as paredes estão marcados pelo negro, como se o suor do ferrador, o ganha-pão, ficasse ali para sempre, qual marca dos tempos de «vida difícil» em que «não se ganhava para comer» e «trabalhava-se muito»; correias, ferramentas, fotos doutros tempos lembrando o seu amigo cavalo «Gaiato», …lembranças da actividade que a memória e recordação fazem lacrimejar; milhares de ferraduras, formam um amontoado, que calculamos em mais de uma tonelada de ferro, mas que para Frederico merecem um único comentário: «Veja lá o que não ferrei!».

 

O ferro comprava-o nos armazéns do «Grémio da Lavoura», em Albufeira, e cortava-o aos bocados; «media a palmo, a dedo», só com o seu saber, só com a sua arte, o que viria a ser uma ferradura, passados quinze minutos; depois levava cerca de 1h30m a ferrar o animal. Ferrou até aos 82 anos, pois ultimamente, embora ferrasse só dois, três animais por dia «já não aguentava»; também apareceram os tractores e gado do campo já não havia, embora durante muitos anos o viessem chamar para ferrar, «cheguei a ferrar no Porto Santo e em Lisboa, vinham buscar-me».

 

Outros tempos em que «vinham à vila vinte, trinta bestas» ferrar e o pessoal do campo, dos arredores, os proprietários e as «casas ricas» de Albufeira como os «Paiva» e «Mascarenhas» tinham charretes e cavalos. E, este percurso pela sua vida, esta constante lembrança, faz com que Frederico apresente as suas ferramentas, memória material do seu labor….facas para cavalos, turquez para o ferro, saca-rebites, ponteiros, pedra-de-afiar, martelo de forja…Entre as ferramentas um documento escrito de cavalo roubado na Espanha, alertando para o facto. E, era assim a vida, a ferragem do animal durava dois, três meses, passados os quais o Sr. Frederico era procurado novamente.

 

Agora procuramos nós, este mestre que nos recebe abertamente, demonstrando ser um homem com qualidades, saber e memória, para nos ensinar sobre a cidade onde vivemos. E ele também sabe porque, no fim da nossa conversa, lá nos confidenciou: «Gostava de manter isto!»

 

Augusto Vinagre – A Avezinha – 09.07.2009

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por Produções Anormais - Albufeira às 22:30