ALBUFEIRA
Um espelho que reflecte a vida, que passa por nós num segundo (espelho)
Cenários Desenquadrados (2)
Ficheiros da Desintegração
As Necessidades Extraordinárias do Gato Tobias
(sob critério SMALL)
Recolha de indícios, de lacunas e de outras descompensações, entre os mundos imaginados e a realidade dos humanos.
Rocha da Pena – Algar de Mouros
Pouco tempo depois de terem abandonado Albufeira chegaram à Aldeia da Pena. Esconderam o seu veículo improvisado e anti-gravidade numa zona com uma boa densidade vegetal, dirigindo-se de seguida para uma das entradas da aldeia e atravessando-a em direcção à elevação da Rocha da Pena. Já muito perto da saída da aldeia o Tobias dirigiu-se para o que parecia ter sido um armazém de produtos e máquinas agrícolas agora completamente abandonado e em ruínas, pedindo ao Dog para se despachar e deixar de andar a cheirar tudo o que encontrava pelo caminho, pois teriam que regressar a casa antes dos seus donos acordarem. Num canto do armazém em que o telhado há muito que já começara a abater, alguns raios provenientes da Lua Cheia iluminavam muito discretamente um antigo forno de pão agora desactivado: e enquanto o cão continuava a cheirar e a investigar, mantendo-se a pedido do Tobias em constante estado de alerta contra possíveis perigos e intrusões inesperadas, por sua vez o gato todo desenvolto e elástico dirigiu-se para a entrada do pequeno forno, saltou na sua direcção, transpôs numa passada a entrada e desapareceu no seu interior. Aí o Dog começou a tremer e vendo-se sozinho naquela armazém isolado, em ruínas e para ele carregado de medos e de fantasmas, começou a uivar aterrorizado como se a noite o fosse engolir. Mas calou-se quando o Tobias reapareceu já todo equipado e com algum material preso à sua cintura – parecia mesmo um espeleólogo – locomovendo-se verticalmente como o faziam os seus donos humanos e apetrechado com um capacete dispondo duma lanterna, que iluminava com bastante intensidade todo o terreno à sua frente: a sua postura só lhe dava maior credibilidade e segurança, o que acabou por acalmar o cão – juntamente com um miar estridente e irritado lançado pelo Tobias, pois o cão estava a colocar em causa e sem motivos a segurança de ambos – afastando-o dos seus infundados medos e receios e levando-o mesmo a ser o primeiro a sair do armazém e da aldeia com destino ao algar que o Tobias minutos antes referenciara.
Chegaram ao planalto situado no topo da Rocha da Pena, onde logo descobriram algumas depressões no terreno que pisavam, aparentemente com formas circulares, de maiores ou menores dimensões, mas sempre mais largas do que profundas (as dolimas) e apresentando aqui ou ali algumas pequenas entradas ou cavernas. O Tobias conhecia muito bem aquela zona onde se situava a Caverna do Poço dos Mouros (Algar de Mouros) – uma das mais extensas cavidades conhecidas na zona – tanto pelas lendas que à volta dela tinham sido criadas e escritas, como ao grande número de morcegos que encontrava sempre que ali entrava: só tinha pena do estado cada vez mais precário em que esta se encontrava, danificada pelas inúmeras visitas realizadas ao longo de muitos anos por “curiosos e especialistas na destruição do seu património cultural e das memórias dos seus antepassados”. Mas a entrada que ele procurava não era a do Algar dos Mouros, mas uma outra gruta situada numa dolima localizada mais a leste e que comunicava através duma fenda vertical de mais de 300 metros de extensão com uma caverna de média dimensão, dispondo dum pequeno lago de águas frescas e cristalina originadas na infiltração da água em terrenos de camadas superiores e que mais à frente se infiltravam na terra, perdendo-se nas suas profundezas desconhecidas e misteriosas. No caso da gruta do Tobias, ela era a porta de entrada para o outro mundo do animal: um mundo subterrâneo existira por ali há muitos milhões e milhões de anos, quando a vida à superfície deste planeta era completamente insustentável e impossível, sendo que o único refúgio na altura disponível para todos os organismos vivos existentes e lutando pela sua replicação e sobrevivência, estava no profundo e interior útero da terra-mãe. Rapidamente o Tobias encontrou a entrada, iniciando aí a sua descida lenta e cuidadosa com o seu colega de viagem o cão, até à gruta situada 300 metros abaixo.
No fim da longa descida chegaram a uma gruta bastante húmida e fresca, que ligava a outras três secções subterrâneas adjacentes: uma seguia por um canal estreito por onde corria a maior parte da água infiltrada em estratos superiores do relevo exterior e que parecia descer ainda mais profundamente no interior da terra perdendo-se na sua escuridão; outra secção situada do lado oposto da anterior bifurcava-se em dois ramais independentes, continuando um deles em direcção a sul sem fim à vista, enquanto o outro terminava abruptamente num conjunto de pedras que pareciam ser o resultado de alguma derrocada anterior; finalmente a terceira secção – a escolhida pelo Tobias para a prossecução da sua viagem e missão – estava escondida dos olhares dos viajantes num pequeno nicho curvo num dos cantos inferiores das paredes da caverna e só o conhecimento prévio da sua localização tinha permitido ao Tobias, encontrá-la e transpô-la em viagens realizadas anteriormente. O que o Tobias sabia era que estas secções subterrâneas não tinham sido todas definitivamente abandonadas e mesmo hoje em dia muitas delas ainda eram utilizadas para o desempenho das mais variadas funções e pelos mais variados motivos e povos, constituindo para muitos deles um ponto fulcral de apoio, de protecção e de sustentabilidade pelo conhecimento da nossa evolução: na caverna estranhamente equipada e decorada um elevador esperava por eles.
Desceram até ao nível P5, onde os esperava um velho robot humanóide duma geração já há muito ultrapassada e contando mais de cem anos de serviço ininterrupto, que os recebeu educadamente e os conduziu até ao posto central de Divergências, onde estavam instalados os terminais informáticos de comunicação e outro equipamento essencial à manutenção deste espaço activo e seus componentes – todos dirigidos por duas entidades mecânicas auto-controladas e reverificadas à distância e por uma entidade biomecânica itinerante que ali se deslocava apenas quando se verificavam situações extraordinárias ou então na data fixada periodicamente para a inspecção geral rotineira. A entidade biomecânica responsável pelo sector onde se situava a Rocha da Pena era um amigo dalguns anos do gato Tobias, que o ajudara na primeira incursão investigativa que este fizera na zona, acabando por o salvar duma queda de dezenas de metros numa das fendas situadas à sua volta, causada pelo susto provocado pelas comunidades de morcegos aí residentes ao saírem a voar para o ambiente exterior.
Utilizando os terminais do posto de Divergências nesse instante disponíveis, facilmente o gato Tobias concluiu que haveria um ramal subterrâneo que derivaria junto de São Bartolomeu de Messines, sendo que um deles – parecendo estar ainda parcialmente desobstruído – se dirigia e terminava perto das praias do litoral de Albufeira, ramificando-se aí nalguns canais não identificados e catalogados, podendo um deles ter ligação com o fenómeno ocorrido na Praia do Peneco. A única questão que no entanto ainda se levantada e que parecia ser irresolúvel, era perceber o que levara a esta ocorrência invulgar e porquê naquele sítio: eram conhecidas as fontes de água existentes no mar na zona costeira junto a Olhos de Água, mas do aparecimento dum buraco destas dimensões em pleno areal, até hoje não houvera notícias conhecidas da ocorrência de casos semelhantes.
A bio-agenda do Tobias não estava limitada a marcadores virtuais, tal como acontecia com os humanos: o parâmetro tempo não era aí utilizado duma forma abstracta e com o único objectivo de delimitar os horizontes de vida dos humanos, estendendo pelo contrário e livremente os seus bancos de memória, a períodos anteriores e posteriores ao instante (volátil) considerado presente. Assim, analisando globalmente o episódio ocorrido no dia anterior em Albufeira e recorrendo à memória remota e futura impressa no seu ADN – por hereditariedade, contacto ou influência – foi fácil para o Tobias chegar a três hipóteses explicativas e resolutivas para o sucedido:
- Um desequilíbrio natural provocado por um diferencial excessivo de pressões entre dois pontos, poderia ter originado o aparecimento de forças internas com grande intensidade vertical, que teriam dado origem ao aparecimento do referido buraco, por simples expulsão das areias colocadas num nível superior e funcionando como tampa (“duma panela de pressão”); esta era a hipótese mais aceitável por ser a explicação mais natural;
- Algo de desconhecido teria provocado acidental ou intencionalmente a ocorrência do fenómeno, tendo o mesmo origem em acções exercidas interiormente, o que deixava logo no ar a seguinte e estranha questão: quem o teria realizado e com que objectivo inicial, já que não se conheciam informações sobre a existência de qualquer tipo de seres vivos inteligentes vivendo no subsolo nas proximidades do litoral – apesar de em tempos muitos remotos se falar dum povo de pele extremamente clara que teria habitado em galerias subterrâneas, algumas delas muito extensas, que atravessariam de este a oeste toda a região do Algarve; e que os primeiros a registarem isso teriam sido os mouros, aquando da sua recente permanência na Península Ibérica, inicialmente nos seus passeios filosóficos, iniciáticos e refundadores realizados na região e posteriormente na sua fuga apressada durante a reconquista definitiva do sul da península, levada a cabo pelos reis cristãos – talvez assim se explicando algumas histórias estranhas, que atravessavam os contos e lendas de toda a região; seria essa uma acção dessa raça imaginária e agora interventiva de seres albinos vivendo no nosso subsolo? Mas porquê agora? Esta hipótese seria a menos credível, até porque não se encontrava explicação lógica para o sucedido (e para o momento);
- Uma intervenção planeada e exterior à região: sendo Tobias um exercício levado a cabo por forças exteriores ao planeta, não era de descartar a possível presença doutros elementos estrangeiros na região, que inadvertidamente ou não, não teriam conseguido encobrir as suas actividades no subsolo, provocando o incidente; se tal se confirmasse – e esta hipótese poderia ser mesmo viável segundo algumas informações sobre a actividade registada no subsolo obtida a partir de satélites e que nos últimos meses revelava algumas movimentações estranhas e indefinidas – o cuidado a ter com este problema sugeria um caso particular de intervenção qualificada e levada a cabo por entidades responsáveis, colocadas num nível hierárquico superior; o que não era o caso dele, actuando como simples agente de acompanhamento (e aconselhamento não pré-dirigido) presencial.
Galerias e grutas em rocha calcária
Devia passar já das três horas da madrugada quando o Tobias decidiu finalmente o que iria fazer de seguida. Estivera um pouco hesitante desde que observara o mapa detalhado de toda esta zona central do Algarve, detendo-se atentamente nas suas particularidades geológicas, nos aquíferos conhecidos e em todos os pontos que assinalassem uma forte possibilidade da existência de galerias e de cavernas ou de outro tipo de estruturas subterrâneas. O plano idealizado na sua cabeça passava por um regresso a casa utilizando se possível e em toda a sua extensão um trajecto exclusivamente subterrâneo, que começaria ali – na Rocha da Pena – indo apanhar um pouco à frente a zona da Ribeira de Algibre – cuja carta indicava estar rodeada por uma intrincada rede de túneis de escoamento de águas pluviais vindas dos mais diferentes e distantes locais (muitos desses túneis há muito inactivos e secos) – possivelmente intersectando no seu caminho para o litoral as enormes e extensas galerias das minas de sal-gema situadas em Loulé e acabando já mais perto do litoral por apanhar um canal estranhamente assinalado a vermelho e que se dirigia desde as proximidades da vila de Paderne até à zona da Orada já em Albufeira: no seu percurso a Ribeira de Algibre reforçava-se com as águas que se lhe juntavam em Paderne vindas da Ribeira de Alte, terminando a sua viagem em Quarteira, antiga terra de pescadores e à vista de Vilamoura, segundo os especialistas terra modelo do turismo algarvio.
Antes de tomar a sua decisão final necessitava no entanto de verificar o que significava aquele canal assinalado a vermelho na parte final do trajecto. Em todos os ficheiros e documentos que consultou pouco ou nada obteve de assinalável: apenas uma menção geral à cor vermelha assinalada no mapa e que indicaria zonas desaconselháveis por não actualização de dados ou outras razões não especificadas de segurança – o que não significava que estivessem inacessíveis ou apresentassem perigos declarados, já que não existiam informações adicionais e importantes até agora registadas incidindo sobre esta zona – e outro pormenor estranho que o deixou intrigado e pensativo por aquilo que poderia representar. Consultando com mais atenção o mapa, esse corredor estava assinalado com uma sigla específica que os transportava para um documento apresentado em anexo, onde se lia uma sucessão de letras e de algarismos parecendo representar um código significativo, mas só acessível à sua compreensão utilizando uma tabela designada por TDE (tradutor de simbologia encriptada). A questão estava agora em encontrar essa tabela. E foi ao introduzir essas três letras na sua bio-agenda, que poucos segundos depois surgiu a resposta tão desejada: a sigla e o respectivo código sinalizavam a permanência de biomorfos de origem desconhecida nas proximidades da área atravessada pelo corredor ou em alternativa a presença de seres com a mesma estrutura de base mas claramente diferenciadas na sua agregação, apontando conclusivamente para um ser vivo totalmente adaptado ao sistema que o envolvia, facto esse que só poderia significar a existência de mais uma outra espécie – além do Homem – originária da região (e do planeta), vivendo em condições de quase completa ausência de luz. O Tobias queria acreditar mais na segunda opção apresentada, até pela associação mental feita pelo mesmo com os contos e lendas do Algarve, que muitas vezes mencionavam nas suas estranhas e fantásticas histórias de seres nunca vistos – como “os homens de pele muito branca” – que poderiam muito bem ser o que restava duma civilização ancestral de seres albinos entretanto desaparecidos, vivendo no interior do planeta e a grande profundidade, de modo a protegerem-se eficazmente da violência reinante no exterior num período muito distante e caótico da ainda não muito longa vida do planeta Terra.
Confirmaram mais uma vez a correcta colocação dos dispositivos anti-gravitacionais sob a superfície do skate, verificando de seguida o pequeno aparelho de propulsão a ele acoplado, o qual os iria ajudar no seu percurso através do subsolo algarvio. Com o mapa do percurso gravado na sua cabeça, lançaram-se então na sua viagem subterrânea, aproveitando uma grande galeria que se abria à saída do elevador no piso 0 e que se estendia por uma larga centena de metros à sua frente. A galeria estreitava progressivamente até atingir uma pequena caverna intermédia, que se dividia depois por outros túneis secundários saindo em várias direcções, alguns deles interrompidos por pequenos abatimentos de terra e outros acabando por se tornar intransponíveis pelo aparecimento de correntes de água subterrânea ou por serem extremamente estreitos para eles e como tal impossíveis de ultrapassar. Deviam já ter percorrido uma apreciável distância – provavelmente estariam nas imediações do leito da Ribeira do Gengibre, na parte em que esta corre face à elevação da Rocha da Pena – quando tiveram que parar repentinamente face ao local acidentado e perigoso que se vislumbrava em seu redor: estariam provavelmente numa zona do subsolo situada sobre um terreno que teria sido sujeito a grandes pressões vindas de níveis superiores, provavelmente por efeitos provocados por trabalhos de construção de grande envergadura, que teriam originado como reacção e movimento de terras uma derrocada em níveis inferiores. O que acontecia naquela pequena gruta em semi-derrocada, traduzia-se numa profusão de pequenos aglomerados de pedras e de rochas, espalhados um pouco por toda a superfície do chão da caverna, o que lhes iria dificultar deveras a passagem, já que era grande a confusão de materiais e de alguma fauna apanhada desprevenida durante a derrocada, bem visível sob a forte luz emitida pelas suas lanternas. No meio de centenas de pequenas pedras e de alguns montinhos de terra dispersos, ainda puderam verificar a presença dalguns repteis indígenas, duns quantos morcegos e até de um coelho vindo não se sabe bem donde que ao ouvir a nossa aproximação se escondeu de imediato. Com alguma dificuldade dirigiram-se para a parte central da gruta e aí descobriram uma abertura na sua parte superior, por onde entravam alguns raios de luz – estava Lua Cheia naquela noite – vindos do exterior situado mais lá para cima: Tobias tinha quase a certeza que a derrocada teria sido provocada durante a realização dum furo artificial no terreno, em mais uma tentativa de se encontrar água, produto tão importante – e cada vez mais escasso – para o desenvolvimento da construção e do turismo na região. Mas também ficava admirado com o abandono da construção do furo.
O Tobias e o companheiro decidiram então parar por alguns minutos para poderem descansar um pouco e aí escolherem cuidadosamente a direcção a seguir. Do lado sul a gruta parecia estar mais desobstruída, apresentando dois canais que pareciam ser a continuação lógica do túnel que seguiam desde o início, além dum poço vertical situado mais à esquerda e que se infiltrava terra dentro até uma espécie de sifão, contendo algum entulho resultante da passagem e erosão provocada pela acção da água nos dias de mais forte caudal. Acabaram por escolher o túnel que estava mais encoberto pelos destroços provocados pela derrocada, bem mais largo do que o outro e apenas com maior quantidade de entulho acumulado na sua entrada, mas que com a colaboração esforçada de Dog e dos seus poderosos membros anteriores rapidamente ficou desimpedido e livre para circulação. Devem ter atravessado toda esta zona em menos de meia hora, tendo interrompido o seu trajecto subterrâneo num único ponto, quando o cão saltou do skate sem avisar e se atirou a alguma coisa que se mexia à sua direita: um pouco marafado com a atitude irreflectida do companheiro o Tobias lá teve que interromper a sua marcha, dirigindo-se furioso para o sítio para onde este se tinha dirigido e onde se tinha posto (sem parar) a uivar e a saltar – uma pequena cavidade situada na parede e a alguns centímetros do chão, parcialmente preenchida com terra e algum lixo para ali atirados e que comunicava para além dela com o exterior através duma mão cheia de orifícios estreitos e circulares. O que tinha atraído o Dog fora uma pequena ratazana dos campos que ali se encontrava à procura dalguma coisa de comer e que ao ouvi-los se tinha posto logo em fuga, arrastando atrás de si algum dos desperdícios que ali se encontravam. Mas um outro pormenor muito mais interessante e intrigante logo ali se revelou: pela técnica de construção evidenciada e pela forma definida e precisa que a mesma apresentada, a cavidade teria que ser de origem artificial – ainda por cima apresentando um símbolo gravado na pedra mas já muito desgastado e agora incompreensível, que só poderia ter sido feito por um ser humano ou outro ser vivo desconhecido e inteligente.
Castelo de Paderne
O caminho virava agora um pouco mais para oeste, o que indicava que se dirigia em direcção ao Castelo de Paderne, onde as águas da Ribeira de Algibre e da Ribeira de Alte se uniam no itinerário conjunto que iriam partilhar a partir das Fontes de Paderne, até atingirem o seu destino final no mar de Quarteira.
Chegaram às imediações dum grande e pesado portão de ferro – que de longe e devido à sua largura parecia impedir a passagem e a prossecução da viagem de regresso a Albufeira – no exacto momento (registado em GPS) em que já deviam estar muito perto da zona central do relevo, onde se destacavam e erguiam as muralhas do Castelo de Paderne. Já mais próximos do portão repararam nos motivos decorativos que o mesmo apresentava, com trabalhos em ferro representando maioritariamente animais, que por acaso nunca tinha havido notícia de alguma vez por cá terem passado. Desmontaram do skate, desligaram os dispositivos que o mantinham suspenso no ar e dirigiram-se para o portão: apesar da fechadura continuar a funcionar impedindo os dois de passar para o lado de lá, alguém tinha recentemente aberto um túnel lateral, o qual contornava as vigas onde se apoiava a estrutura lateral de apoio do mesmo (cravada na parede). A parede tinha sido atacada com firmeza e violência num dos seus pontos mais fracos, acabando por dar origem ao aparecimento duma passagem fácil de transpor, mesmo para um ser humano adulto.
O portão dava acesso ao que parecia ser um centro habitacional de recurso com reduzidas dimensões e construído exactamente na base do monte que sustentava o Castelo, instalado numa ampla galeria onde se podia divisar alguma vegetação e até um curso de água que a contornava parcialmente, indo depois desaparecer num buraco existente debaixo duma ponte. Pelo aspecto geral ninguém andaria por ali há já muito tempo, com as poucas ruas que a atravessavam muito sujas e cobertas de terra, misturadas com as ervas que iam crescendo desordenadamente em muitos pontos do chão e sem que se verifica-se a ocorrência de qualquer tipo de movimento, que pudesse denunciar a presença dalgum ser vivo. Constatação mais tarde um pouco contrariada pela descoberta feita pelo Dog, que ao dirigir-se para a ponta mais afastada da galeria acabou por descobrir uma larga abertura, que pela luz que por ali entrava só podia natural e vir do exterior, agora que o Sol estava a começar a nascer: ainda viu o animal a fugir pela abertura, não conseguindo no entanto e devido ao choque provocado pela reacção visual à inesperada e instantânea alternância luz/escuridão, ver que animal seria.
A galeria subterrânea era iluminada interiormente por pequenos pontos de luz espalhados à sua volta, com maior concentração na sua parte superior, onde uma abóbada fosforescente emitia uma luz muito fraca mas agradável, que acabava por iluminar – como se fosse uma iluminação de emergência – toda a zona habitacional. O Tobias ainda reparou nalguns pontos de várias cores dispostos ao longo das poucas ruas existentes, que pelo material apresentado poderiam muito bem ser constituídos por componentes fluorescentes, tendo como função e objectivo representar um subsistema auxiliar de iluminação. Movimentaram-se então pelo interior do centro mas nada encontraram de assinalável: tudo o que viam mostrava já um longo período de abandono, não tendo nenhum deles encontrado qualquer tipo de vestígios de cadáveres humanos, a não ser os esqueletos dalguns animais que ali tinham ido morrer, como o confirmara pessoalmente o Dog ao ter reparado por acaso num dos cantos mais escuros e escondidos da galeria e aí ter descoberto uns quantos ossos aqui e ali espalhados pelo chão, que até o arrepiara um pouco inicialmente e com o susto, o fizera fugir a correr e sem olhar para trás o referido local. Apenas numa das habitações situada no centro da galeria – e que lhes despertou imediatamente a atenção pelo excelente relevo que decorava a parede e a sua porta de entrada – encontraram algo de interessante e valioso, principalmente dada a situação em que agora se encontravam, no local e no momento: em princípio seria um arquivo histórico relacionado com a região – debruçando-se sobre a evolução da sua fauna, flora, conhecimentos, tecnologias e migrações da sua população ao longo dos tempos – comportando no entanto uma secção também já muito destruída e com muitos documentos danificados (alguns espalhados pelo chão e totalmente deteriorados e sem recuperação) que se debruçavam sobre alguns casos estranhos e mesmo – num caso – preocupantes. O Tobias focou-se especialmente sobre três documentos em melhor estado de conservação e possíveis ainda de consulta e estudo. Referiam-se:
- O primeiro à história mais conhecida envolvendo o Castelo de Paderne e as suas zonas circundantes;
- O segundo à própria história rodeando a criação deste Mundo Subterrâneo (para todos nós desconhecido) localizado sob o monte que suportava o Castelo;
- E o terceiro e que mais preocupava o gato Tobias, um registo de informações vagas, desencontradas e não confirmadas (categoricamente), que mencionava duma forma muito confusa mas que denotava alguma surpresa e um sentimento de terror crescente, acções violentas desenvolvidas por seres humanos alterados mental e fisicamente e deslocando-se em grupos cada vez mais numerosos, que além de demonstrarem uma notória incapacidade de raciocínio analítico – quase os equiparando a animais irracionais – não poupavam ninguém que se atravessasse no seu caminho, havendo mesmo relatos persistentes de canibalismo associado. Os últimos apontamentos tinham em anexo uma derradeira entrada ao documento, em que já se falava duma possível evacuação com carácter de urgência e a realizar nos tempos mais próximos, assim como das importantíssimas tarefas prévias que se deveriam ir tomando de modo a evitar serem subitamente apanhados de surpresa: segundo informações oriundas dos batedores recentemente regressados – e referidos com letras maiúsculas na parte final desse anexo – os denominados Caminhantes da Morte estariam cada vez mais próximos, apesar de demonstrarem alguma desorientação e facilmente serem desviados do seu trajecto por pequenos pormenores, para alguns batedores ainda incompreensíveis.
Fim da 2.ª parte de 8
(imagens – WEB)