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Um Deserto Normal É Onde Vivem Camelos

Quinta-feira, 21.03.13

“Muitas vezes não me interessa o que um conjunto de palavras significa: o mais importante é a melodia biológica que esse conjunto me transmite”

 

O deserto é um ponto de origem e de destino de um trilho real desaparecido, numa encruzilhada infinita de rectas caóticas mas sequenciais – imaginadas e montadas no nosso cérebro previamente estruturado – e formando planos infinitos que se intersectam indefinidamente, criando o grande espaço fundamental e facultando-o ao aparecimento do seu complemento simétrico – a matéria – por excitação da mesma e alteração do seu estado teoricamente passivo.

 

Abaixo do rio Tejo – terras do sul terra de mouros – só deserto sem fim e alguns camelos perdidos

 

Margem Sul

 

O Tejo atravessava Portugal da fronteira até Lisboa, dividindo o país em duas zonas bem distintas: a norte viviam os portugueses descendentes de Viriato mais puros e originais, enquanto que a sul a miscigenação com os mouros do norte de África – devido à invasão árabe da península ibérica – tinha produzido uma raça de portugueses mais lentos, preguiçosos e acastanhados. E eu posso comprovar tudo isto socorrendo-me de uma das maiores e mais influentes personalidades do submundo empresarial nortenho, também conhecido como o Papa e detentor de um formidável projecto individual de vida, devidamente embrulhado e apresentado num intocável, invisível e inexistente saco azul. Segundo o Papa do Norte o problema geral que afecta o nosso país só será solucionado quando se acabar de vez com a presença dos mouros – e seus descendentes e apoiantes vítimas de contágio – em Portugal, tal como preconiza Jardim na Madeira nas suas homilias contra os cubanos (uma mistura estranha e perigosa entre mouros e outras raças limitadas, vivendo em ilhas fechadas e de costas voltadas para o mundo).

Como colaboração pessoal e desinteressada para o desenvolvimento deste tema tão importante e há ainda tão pouco tempo motivo de análise de toda a inteligência ligada ao poder e aos grandes subsídios patrióticos de estado, só posso confirmar alguns destes pensamentos e ideologia predominantes, fazendo o pino, deixando afluir o sangue à cabeça e soltando a língua de imediato, antes de bater com os cornos no chão: os povos do sul deste reino vivendo além Tejo até às fronteiras do mar, são nossos pais, filhos e irmãos, partilhando neste espaço toda a experiência de uma existência vivida e sentida, sem exigir nada em troca, além da amizade, do respeito e da alegria. Como todos os portugueses ainda não corrompidos pelo poder e pela falta de vergonha.

 

No início o camelo era feliz e atrevido e até lhe tinham prometido, andar de comboio e de avião

 

Camelo Filósofo

 

E foi então com o Homem do Leme – vindo do Algarve mouro – que os portugueses partiram a caminho do Oásis. Aí todos nos transformamos em perfeitos camelos, partindo em caravana e numa corrida desenfreada, à procura da prometida e certificada gruta de Ali-Bábá. Muitos enriqueceram – os Quarenta Ladrões – e outros lá se foram safando – chantageando os ladrões para quem tinham trabalhado – mas a esmagadora maioria apenas foi alternando – como uma reles prostituta – entre a fome como regra e a fartura como excepção. E lá se foram passando anos a fio com os camelos correndo desorientados entre o Inferno e o Purgatório – agora promovido a Céu suportado pela revolução tecnológica – completamente alienados dos seus projectos de vida por direito, em troca de uma simples e enganadora miragem por dever. O camelo até que é na maioria dos casos um animal dócil e pouco exigente, suportando condições extremas de trabalho e apenas pedindo em troca comida, água e descanso. No entanto se acreditar em miragens tem o seu destino traçado.

Com o passar insuportável do tempo e esmagados sob o peso brutal de uma infinita sucessão de ilusões – nunca concretizadas nem sequer explicadas – os camelos começaram então a desmobilizar e a partir, dirigindo-se de seguida em passo lento e não muito convencido, em direcção a um novo grupo que entretanto se formara e que rapidamente ia engrossando a cada minuto que passava.

Chegava a nova época de caça e iniciava-se uma nova e inovadora era de diálogo entre o caçador e a sua vítima; com um pequeno interregno de desnorte entre a escolha pela opção objecto (caçador) ou a escolha pela opção sujeito (vítima), resolvida num abrir e fechar de olhos a partir do momento em que o sujeito foi possuído pelo objecto e enviado para a Europa como couve de Bruxelas – na realidade um nabo português. E aí surgiu o novo Salvador, o Messias da reaproximação entre os diferentes estratos da nossa pirâmide social, reunindo polícias, ladrões e vítimas de ambos, todos reunidos num esforço final e supremo de aproveitamento máximo de todas as migalhas ainda disponíveis, organizando uma festa com tudo e drogando todos os seus apoiantes: tal como sabem os pombos (e os camelos filósofos) o milho não dá para sempre, nem sequer dá para todos!

 

Mas a receita para o camelo mudou, à sua volta tudo secou e roubada a alma do bicho, todo o edifício ruiu

 

Camelo Lagomorfo

 

Os abutres sabem de antemão e por experiência própria que todo o animal maltratado e que se encontre ferido, se não ajudado em tempo útil acabará inexoravelmente por morrer. Por outro lado também é do conhecimento de alguns desses abutres profissionais – gostosamente a viver à custa dos apoios concedidos pelo estado às empresas por onde vão passando – do trunfo vital que representa para eles, não o estabelecimento e a responsabilização das metas a cumprir pelo programa proposto pelos próprios aos seus cidadãos e representados, mas o estabelecimento consecutivo e ininterrupto de novas e cada vez mais elaboradas promessas (irrealizáveis) de melhoria de vida, culpando sempre alguém – que não eles – pela sua não concretização. Assim uma promessa não cumprida não representa traição ou incompetência, apenas um erro de previsão possível de ser corrigido em qualquer altura. O problema é que estes camelos de camelos não têm nada, primeiro porque nunca necessitaram de se olhar ao espelho e segundo porque sempre foram ensinados que camelos são os outros.

O animal que hoje dirige o nosso país verdadeiramente não é um camelo. Tudo aconteceu num dia de sol lá para os lados de Lisboa, quando um cortador de relva até aí sem grande notoriedade e sem grandes referências, se ligou inesperadamente – sem que ninguém lhe tivesse tocado – acabando por atingir e danificar um camelo que fugira da sua velha tratadora de circo, que na realidade e no fundo, há muito pretendia livrar-se dele: ao fugir numa corrida desenfreada o animal acabou por cair desamparado e por partir a espinha, ficando com mais uma corcunda.

E desta forma a família de camelos dividiu-se em duas tribos rivais: os dromedários de uma só bossa – a classe inferior ligada aos mouros – e os verdadeiros camelos com duas bossas – a classe superior ligada a Viriato. E são estas espécies de camelos portugueses que dão má fama aos pobres dos bichos e os conduzem irremediavelmente até à sua (nossa) morte: se pudesse escolher o camelo talvez opta-se por um lama sul-americano em homenagem a Hugo Chávez.

 

O senhor que se segue promete: quem espera sempre alcança um esqueleto sem poupança

 

Camelo Inseguro

 

Tiros Seguros e Inseguros:

(ihea.com)


“Un tiro seguro mientras se está cazando, es aquel en el que usted ve claramente al animal, es capaz de identificarlo positivamente, y está seguro de lo que se encuentra entre usted, su blanco y más allá de él”.

 

Em último lugar quero mostrar todo o meu apreço pelos verdadeiros camelos, sejam eles dromedarius – com uma bossa como os marroquinos – ou bactrianus – com duas bossas como os asiáticos. O termo “camelo” aparece aqui devido à sua utilização figurada e abusiva por parte dos nossos políticos – num intervalo muito curto de tempo da nossa trágica e delirante subhistória – com o único objectivo de impor unilateralmente e sem discussão um determinado projecto, anulando por delito de existência – penso logo existo – quem se lhe opusesse.

 

(imagens: google.com)

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publicado por Produções Anormais - Albufeira às 22:25